Acórdão nº 110/09.9TATCS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução07 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO 1.

No processo n.º 110/09.9TATCS, do Tribunal Judicial de Trancoso, recorre o assistente C... do despacho da Mmª Juíza, datado de 27/10/2011, que decidiu NÃO PRONUNCIAR - o arguido A...

, pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º/1 do CP; - o arguido B...

, pela prática, em concurso efectivo, de um crime de coação p. e p. pelo artigo 154º do CP e um crime de dano p. e p. pelo artigo 212º/1 do CP.

Recorda-se que o Ministério Público, por despacho de 31/5/2011, arquivou o inquérito pela prática de tais crimes, tendo o assistente requerido a abertura da fase instrutória [artigo 287º, n.º 1, alínea b) do CPP], a qual vem a culminar na prolação de um despacho de não pronúncia.

2. O assistente, motivando o seu recurso, apresenta as seguintes CONCLUSÕES (em transcrição): «1- Não pode o recorrente conformar-se com o despacho de não pronúncia em relação aos crimes de dano e coacção imputados ao arguido B..., e crime de ameaça em relação ao arguido A..., por considerar que houve uma incorrecta análise da matéria factual provada e igualmente uma incorrecta interpretação das normas legais aplicáveis; 2- O tipo legal do crime de ameaça não exige expressa ou sequer implicitamente que o mal anunciado seja expresso de uma forma verbal presente e tendo em conta o outro elemento típico de adequação do mal anunciado a causar medo ou inquietação, tanto uma forma verbal presente, como uma forma verbal futura á adequada a causar medo.

3- A tónica do mal anunciado futuro e como refere Taipa de Carvalho, é apenas feita para afastar as situações da ocorrência de um mal eminente, ou seja eminência de execução no sentido em que a expressão é tomada para efeitos de tentativa do art. 22º/2 c), (Comentário Conimbricense do Código Penal).

4- O que se pretende em termos jurídicos penais é que não se confunda o crime de ameaça com a tentativa de execução do crime objecto da ameaça.

5- Sempre que alguém dirija a outrem um anúncio de causação de um mal, não acompanhando essa acção com os actos de execução do mal anunciado, todo o tempo que durar essa inacção e se mantiver a possibilidade de o mal anunciado se concretizar é o futuro, em termos de interpretação da expressão em causa.” 6- Verifica-se portanto que desde que não haja iminência de execução referir-se algum prazo ou não para a concretização do mal anunciado é absolutamente irrelevante.

7- A liberdade, tranquilidade e segurança da vítima não são menos afectados pelo facto de o anúncio do mal se poder concretizar a qualquer momento, muito pelo contrário, e desde que essa concretização não se inicie, consuma-se o crime de ameaça, desde que naturalmente existam os outros requisitos exigidos.

8- O que se exige é que a ameaça seja adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação., e que de acordo com as regras da experiencia comum, possa ser tomada a sério pela vítima.

9- Por outro lado, ainda que mesmo se considere numa concreta situação, que não existe a característica de mal futuro, (nos termos supra referenciados de iminência de execução), esta circunstancia não deve ser algo que beneficie sem mais, o arguido, pois o que normalmente deveria acontecer, nestes casos, seria a condenação pelo crime anuncio do mal, (eventualmente na forma de tentativa).

10- Não nos podemos ainda esquecer que este critério temporal, como refere Taipa de Carvalho, é um dos critérios para distinguir o crime de ameaça, (mal futuro), do crime de coacção, (violência na coacção, no mal imediato), crime este mais grave, e assim quando a ameaça é de mal imediato, (iminência de execução), já há violência, nomeadamente a de coacção.

11- Tanto causou medo e inquietação ao assistente, o facto de o arguido lhe dizer “espera que já te trato da saúde”, como dizer-lhe “espera que vou tratar-te da saúde”, ou “ espera que hei-de-te tratar da saúde” ou espera que te irei tratar da saúde”, pois a acção sempre seria realizada no futuro, apenas mais próximo ou mais longínquo consoante as respectivas hipóteses e como não houve eminência de execução, o anúncio do mal, sempre seria como foi, futuro.

12- O arguido ao sair de casa, munido do pau e dirigir-se ao assistente com o mesmo no ar para aquele se ir embora, não tentou com ele agredir o assistente, nem houve qualquer acto de execução nesse sentido., quis apenas e conseguiu provocar-lhe medo e inquietação e prejudicar a sua liberdade de determinação (ao querer impedir que o assistente continuasse o trabalho), porque a sua conduta era adequada a tal, ameaçando-o com a prática de crime contra a integridade física.

13- Na verdade a conduta do arguido até poderia eventualmente consubstanciar o cometimento de dois crimes de ameaças reportando-nos aos dois momentos distintos da sua conduta.

14- Mas mesmo que a conduta seja analisada na globalidade dos dois momentos, nada altera o que supra se referiu, 15- O arguido podia ter agredido o assistente, é um facto, e a possibilidade de o mal se poder consumar a qualquer momento só aumentou o grau de afectação da tranquilidade, liberdade, e segurança do assistente.

16- Mas mesmo que assim não se considerasse, o que apenas por mera hipótese académica, se admite, e se considerasse que a ameaça foi de mal imediato, sempre teria que se considerar consubstanciada a violência do crime de coacção.

17- Quanto à existência de dois crimes de ameaças em vez de um ou de um crime de coacção, em vez do crime de ameaça, poderia a Mma Juíza de instrução actuar nos termos do art. 303º do CPP, 18- Pelo exposto, e uma vez que se encontram indiciados todos os restantes pressupostos do crime imputado ao arguido A..., como decorre da fundamentação do despacho recorrido, deveria ter sido o mesmo pronunciado, nos termos expostos, violando assim, o despacho recorrido o art. 153º do C.P.; * 19- Quanto ao crime de dano imputado ao arguido B...

, compulsada a prova produzida, constata-te que todas as testemunhas que depuseram em sede de inquérito, confirmam que, quando o assistente se encontrava a colocar umas pedras para delimitar as extremas do seu prédio, após a GNR ter ido embora, ter surgido de novo o arguido B..., que entretanto se havia retirado, com uma retroescavadora, retirando as pedras que haviam sido colocadas, e entrando pelo meio do pinhal do assistente, atirou-as para lá, rasgando o terreno e destruindo pinheiros, para além do assistente), nomeadamente a testemunha ..., mãe do arguido. (Conforme consta do despacho de arquivamento).

20- O M.P., considerou no seu despacho de arquivamento que “ a deslocação das pedras colocadas pelo ofendido com os consequentes distúrbios sempre consubstanciaria os dois primeiros requisitos (do crime de dano,) destruição e inutilização de coisas alheias.

21- Considerou-se no entanto, naquele despacho de arquivamento que “o arguido apenas actuou no sentido de remover o sobredito obstáculo porque necessitava de aceder à sua propriedade para e na convicção de que o podia fazer por ser titular de um direito real de servidão e que, em consequência, o arguido ao desobstruir a extrema do terreno do ofendido/assistente para puder passar fê-lo na convicção de que a sua conduta era lícita, ou seja, agiu sem dolo, pois actuou na convicção de estar a exercer o seu direito real de servidão.” 22- Aberta a instrução, sem que se realizassem quaisquer posteriores diligencias probatórias que foram indeferidas, conclui a Mma. Juíza de instrução que não existem indícios suficientes que o arguido tenha cometido o crime de dano.

23- Para além de ter considerado que não se apurou o valor do prejuízo, não devendo ser protegidas as bagatelas penais, e ainda, sem mais qualquer fundamentação, que não ficou demonstrado que o arguido actuou com dolo.

24- O despacho recorrido é absolutamente omisso quanto aos indícios já compilados em sede de inquérito, (e que constam do despacho de arquivamento), sobre a destruição da barreira e remoção das respectivas pedras, não se dando tais factos nem como indiciados, nem como não indiciados.

25- Quanto ao facto de o arguido ter entrado com a retroescavadora pelo meio do pinhal, rasgando o terreno e calcando pinheiros novos, a consideração da falta de indícios é em absoluto ao arrepio da prova já existente nos autos.

26- A destruição de uma barreira, com remoção de pedras, invasão de um pinhal, com danificação do terreno e pinheiros novos, não pode de modo algum ser considerado bagatela penal, bastando ter em atenção os exemplos usualmente referidos pela doutrina e jurisprudência de tais bagatelas; 27- Para além de que as condutas que se encontram indiciadas sempre consubstanciariam a tipicidade do crime, ainda que não se tivesse, para já, apurado o valor dos danos; 28- Não foram alegados quaisquer factos demonstrativos de uma situação de exclusão do dolo, nomeadamente de uma situação de necessidade, de legítima defesa, de situação de perigo actual ou iminente; 29- Pelo contrário, todos os factos indiciados, apontam que o arguido quis praticar os factos, consciente da ilicitude da sua conduta, tendo agido com dolo, dolo esse que resulta necessariamente indiciado de tais factos analisados à luz das regras de experiencia comum.

30- O arguido deveria ter sido pronunciado pelo crime de dano, tendo o despacho recorrido violado o disposto nos arts. 14º e 212º do C.P.; * 31- Existem nos autos indícios mais que suficientes que o arguido B...cometeu o crime de coacção, atravessando o seu veículo à frente do tractor do assistente com o objectivo de esta parar com o trabalho que efectuava, com duas testemunhas presenciais que confirmam na íntegra o depoimento do assistente e ainda prova documental.

32- A conduta do arguido consubstanciou uma intimidação sobre o assistente, exercendo através da sua conduta uma violência psíquica, (pressão anímica exercida sobre a vitima) que anula ainda que parcialmente a sua vontade ou a coloca numa situação de inferioridade que a impede de actuar como quer.

33- A violência exercida pelo arguido não foi...

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