Acórdão nº 86/10.0T2SVV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução06 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível): * Recorrente…S (…), solteiro serralheiro, residente no Lugar ..., Rocas do Vouga.

Recorrido……G (…) Companhia de Seguros, SPA, com sede na Rua ..., em Lisboa.

* I. Relatório.

  1. Com o presente recurso o Autor pretende alterar a decisão final da acção que instaurou contra a Ré, com o fim de ser ressarcido dos prejuízos que sofreu em consequência de um acidente de viação.

    A Ré foi condenada a pagar-lhe a quantia de €1 423,09, devidos pela reparação do veículo, acrescida de juros de mora a contar da citação, mas foi absolvida quanto à quantia que reclamou a título de privação do uso do automóvel.

    O recurso cinge-se a esta parte.

    O Autor formulou um pedido de €21 076,00 euros, com base num período de imobilização do veículo, de decorreu entre 6 de Dezembro de 2008 e 30 de Março de 2010, à razão de €44,00 euros por dia.

    Na sentença, como se disse, não foi atribuída qualquer indemnização, com fundamento no facto do Autor não ter ficado impedido de se deslocar devido à privação do veículo e do atraso na reparação não lhe ter trazido quaisquer prejuízos.

    O Autor sustenta que esteve de facto impedido de circular com o veículo, devido aos danos produzidos terem afectado o pára-choques da frente, farol e farolim, capot e pára-brisas, tendo ficado com os dispositivos de iluminação avariados, circunstâncias estas que constituem uma situação impeditiva de circulação do veículo segundo os preceitos do Código da Estrada (artigo 62.º).

    Por outro lado, a simples possibilidade de utilização do veículo constitui uma vantagem patrimonial e, sendo assim, se essa vantagem é suprimida existe um dano (citou em apoio desta tese os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 1996, na C.J., 1996, II-61 e da RC de 26 de Novembro de 2006, na C.J., 5-19).

    Desta forma, os 479 dias de paralisação do veículo constituem um dano indemnizável.

    Quanto ao valor da indemnização deve ser encontrado através do valor médio locativo de um veículo similar que é de €44,00 euros por dia.

  2. A Ré contra-alegou para defender que não há qualquer indemnização a atribuir ao Autor porque este não recorreu da matéria de facto julgada provada e os factos provados mostram que o Autor não teve qualquer prejuízo com a paralisação, pois o veículo ficou a poder circular após o acidente e o Autor, até porque tinha outros veículos, fez todas as deslocações que teve se fazer.

    Por outro lado, só há lugar a indemnização de danos efectivos (citou em abono desta tese os acórdãos do S.T.J. de 16 de Janeiro de 2006, de 5 de Maio de 2007, e da RP de 14 de Junho de 2005 e 16 de Outubro de 2006, publicados em www.dgsi.pt ).

    Mesmo com recurso à equidade sempre seria necessário provar algo sobre a existência dos danos e sua extensão, bem como a impossibilidade de os determinar com exactidão.

    Concluiu, no sentido da manutenção da sentença sob recurso.

    1. Objecto do recurso.

      O objecto do recurso consiste em saber se a paralisação do veículo do Autor lhe causou danos.

      Previamente, como resulta da notificação já feita às partes, cumpre debelar a contradição que ocorre entre o facto do n.º 18 e os factos dos n.º 25, 26 e 27 da matéria de facto constante da sentença, e proceder eventualmente a alguma alteração explicativa da expressão que consta do facto n.º 18 (artigo 22 da petição) onde se escreveu «…deixou de o poder utilizar…».

    2. Fundamentação.

  3. Vejamos antes de mais a questão da contradição apontada aos factos dos n.º 18, por um lado, e n.º 25, 26 e 27, por outro.

    No facto n.º 18 afirma-se que «O Autor, após o sinistro deixou de o poder utilizar para as suas deslocações diárias, profissionais e de lazer».

    Nos factos dos n.º 25, 26 e 27 diz-se «Na verdade, o veículo GA depois do acidente e pese embora os danos sofridos podia e pôde, de facto circular», «Não tendo ficado imobilizado ou impedido de o fazer», «Nem, pois, o autor de o usar».

    Ora, se o veículo apesar de sinistrado podia circular, então a resposta do facto 18 não deve manter-se tal como está.

    Como já se referiu na notificação feita às partes, pode não existir contradição se se entender que o veículo em termos de possibilidades meramente mecânicas continuou funcional, com o motor a funcionar e a impulsionar as rodas, podendo, por isso, circular tal qual estava, mas o Autor não o dever fazer devido aos danos que ostentava.

    Nesta hipótese de interpretação, temos uma situação pertencente ao mundo do «ser», que se traduz no facto do veículo mecanicamente ter capacidade para circular, e uma segunda situação pertencente ao mundo do «dever ser», que implica a não circulação por o veículo não dever circular nas condições em que ficou.

    Só há contradição entre o afirmado nos n.º 18, 25, 26 e 27 dos factos provados constantes da sentença se colocarmos as situações aí descritas e tal como estão aí descritas no mundo do «ser», mas já não se concretizarmos com factos o porquê do «…deixou de o poder utilizar…» referido no facto n.º 18, isto é, se se indicarem os factos que explicam por que razão o autor deixou de poder utilizar o veículo, para, mais tarde, ao nível do direito, verificar se a mencionada impossibilidade se justificou ou não.

    Ora, como já se indicou na notificação antes feita, esse porquê omitido na petição foi explicitado pelo autor no seu depoimento de parte ao ter referido (minuto 4,37) que o cabo que estava suspenso no poste e caiu sobre o seu veículo «…partiu o pára-brisas, ficou sem ver nada, então, e foi bater no outro carro da frente». Mais adiante, à pergunta sobre se o veículo ficou em condições de circular (minuto 12,09) respondeu que «mecanicamente podia, agora com as ópticas partidas, pára-brisas partido, sem pára-choques» não podia circular, tendo especificado que apenas ficou partida a óptica esquerda. Seguidamente ainda referiu (minuto 12,35) que o «pára-brisas tinha bastantes estilhaços…» e que estava impróprio para circular e que (minuto 18,35) «não podia andar com a carro com o pára-brisas partido».

    A testemunha (…), irmão do autor e condutor do veículo, ao ser-lhe perguntado se tinha ficado sem visibilidade após os cabos terem embatido no pára-brisas, referiu «não, fiquei sem ela» (minuto 9,20), e, mais adiante, declarou que os danos no veículo foram no capot, pára-brisas, ópticas e guarda-lamas.

    Ambos os depoimentos foram complementados pela factura de fls. 29 (doc. 8 da petição), de onde constam as peças que foram substituídas, emitida pela testemunha (…).

    As restantes testemunhas ouvidas não se referiram a esta matéria.

    Da indicada factura consta que foram substituídos o pára-choques da frente, farol da frente, do lado direito (Mas trata-se do farol do lado esquerdo, dependendo, o lado, da posição do observador, claro está. No orçamento da testemunha (…) consta que se trata do farol e farolim esquerdos).

    Ora, face aos referidos depoimentos, factura em causa, orçamento e «Acta do acordo de reparação» de fls. 25 (doc. 6 da petição), onde o perito e a testemunha Manuel Tavares chegaram ao entendimento de que os danos seriam reparados por €1100,00 euros, não se suscitam dúvidas de que os danos verificados no acidente foram: pára-brisas rachado, pára-choques da frente partido, farol e farolim da frente, lado esquerdo, partidos.

    Por conseguinte, a resposta ao artigo 22.º da petição (n.º 18 dos factos provados da sentença) é esta: «18 - Após o sinistro o veículo ficou com o pára-brisas rachado, pára-choques da frente partido, farol e farolim da frente, lado esquerdo, partidos e o Autor devido a este estado deixou de o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer».

    Eliminou-se a parte valorativa (do «dever ser») da anterior resposta e colocou-se toda a descrição no nível factual.

    Ocorre ainda uma certa contradição entre estes factos do n.º 18 e a matéria dos n.º 26 e 27 onde se diz «26 - Não tendo ficado imobilizado ou impedido de o fazer» e «27 - Nem, pois, o autor de o usar», isto é, que o Autor não ficou impedido de circular ou usar o veículo.

    Não se trata de uma verdadeira contradição, desde que se considere a matéria do n.º 18 como pertencente ao domínio factual e a matéria dos n.º 26 e 27 ao domínio dos juízos, isto é, à valoração sobre se os danos no veículo eram ou não impeditivos, não em termos mecânicos, do autor circular com ele.

    Este impedimento a que se referem os n.º 26 e 27 não é um impedimento físico, mecânico, pois o veículo manteve a possibilidade de andar, mas sim um impedimento de natureza valorativa, isto é, respondeu-se que o Autor não tinha razões jurídicas ou outras que o impedissem de circular com o veículo.

    Ora, esta matéria não é factual, mas sim valorativa e como tal não pode ser submetida a prova, isto é, os juízos valorativos não se provam, no sentido de se saber se existiram ou não existiram, neste sentido só se provam os factos, estes é que ou existiram ou não existiram.

    Daí que a solução adequada passe por declarar tal matéria como não escrita, o que agora se declara, mantendo-se apenas no facto do n.º 26 a parte «Não tendo ficado imobilizado».

  4. Matéria de facto (com as alterações agora estabelecidas).

    1 - No dia 06 de Dezembro de 2008, pelas 14.00 horas, ocorreu um acidente de viação, na E.N. n.º 16, ao quilómetro 31,650, em Sever do Vouga, no qual foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula ...AA, ...SF e ...GA.

    2 - O veículo AA, propriedade de H (…), era conduzido por B (…) 3 - O automóvel SF era propriedade...

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