Acórdão nº 363/10.0TBTCS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução06 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório A 06 de Dezembro de 2010, no Tribunal Judicial da Comarca de Trancoso, M (…), Unipessoal, Lda.

instaurou acção declarativa sob forma ordinária contra L (…), Lda.

pedindo que seja “declarada a anulação do registo da ré relativo à marca “Flor da Cardanha”, bem como ao pagamento de uma coima apropriada por ter sido realizado esse registo tendo em vista, por parte da ré, objectivos que cabem dentro da definição de concorrência desleal.” A autora alega para fundamentar as suas pretensões que utiliza desde 2006 a marca “Flor da Cardanha” para identificar o queijo que produz e comercializa desde 1998, com nome no mercado, o qual é identificado, pelos consumidores, através das características que o individualizam, provenientes das espécies de ovelhas próprias da região – a churra e a branca – bem como pelo pasto do local e pelos meios artesanais de fabrico, e que assim logrou a sua implantação, reconhecida inclusivamente em exposições internacionais, sendo sócia da Câmara de Comércio e Indústria, fazendo parte da marca “Compre o que é nosso – Made in Portugal”, com os queijos “Flor da Cardanha” e “Vale do Sabor”; mais invoca que teve provisoriamente protegida a marca, com referência à categoria 29, queijos, mas que esse registo veio a caducar por erro contabilístico, desconhecido da empresa, que se traduziu na falta de pagamento das taxas devidas, assim permitindo que a ré registasse no dia 20 de Outubro de 2009, a seu favor, a mesma marca na mesma categoria 29; conclui afirmando que a empresa demandada, que não fabrica o queijo na região, não utiliza o leite da região, nem sequer utiliza os mesmos processos de produção, mais não pretendeu do que aproveitar-se do nome já implementado e reconhecido no mercado, para angariar a clientela pertencente à autora, a quem, enganosamente, fornece queijo de diferente qualidade, vendido a preço inferior.

A ré foi citada por carta registada com aviso de recepção e ofereceu contestação em que invocou a existência de erro na forma de processo, incompetência em razão da matéria relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de coima, ineptidão da petição inicial por contradição do pedido com a causa de pedir, cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis e falta de causa de pedir, impugnando grande parte dos factos alegados pela autora, afirmando que tem criado variados tipos de queijo a partir de diversos tipos de leite e de origens plúrimas, que adoptou a marca “Flor da Cardanha” pensando que essa marca não existia, não tendo ainda iniciado regularmente a produção de queijo com tal nome, apenas o tendo produzido uma vez, remetendo-o para um cliente na Suíça, concluindo pela procedência das excepções invocadas ou, se assim se não entender, pela improcedência da acção.

A autora replicou pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pela ré.

Seguidamente proferiu-se decisão no sentido de não se verificar o invocado erro na forma de processo, fixou-se o valor da causa em € 30.000,01, proferiu-se despacho saneador em que se julgou procedente a excepção de incompetência em razão da matéria relativamente ao pedido de condenação da ré ao pagamento de coima e improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial, procedendo-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes últimos integrantes da base instrutória.

A autora ofereceu as suas provas e requereu a gravação da audiência.

A ré reclamou contra a base instrutória, acusando indevida quesitação de matéria por si aceite e omissão de quesitação por si alegada na contestação e ofereceu as suas provas.

A reclamação contra a base instrutória foi julgada totalmente improcedente, foram admitidos os meios de prova oferecidos pelas partes e deferida a gravação da audiência.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, respondendo-se à matéria vertida na base instrutória e, logo de seguida, com fundamento em preterição de formalidades essenciais e, subsidiariamente, em abuso de direito, proferiu-se sentença que julgou a acção procedente, declarando a nulidade do registo da marca “Flor da Cardanha”, a favor da L (…), Lda.

Inconformada com a sentença, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões[1]: “1ª. A recorrida intitulou a presente acção de “acção declarativa de anulação de registo de marca nacional e acção de condenação por concorrência desleal com processo ordinário”; porém, 2ª. Os correspondentes pedidos formulados são manifestamente incompatíveis, daí que a recorrente, na sua contestação, tenha invocado a excepção de erro na forma de processo.

  1. No entanto, o Tribunal, no despacho saneador, entendeu substituir-se à autora e decidir que a acção que esta pretendia fazer seguir era a primeira, não atendendo àquela excepção deduzida.

  2. O Tribunal violou, assim, o disposto nos arts. 4º, 199º e 264º, nºs 1 e 2 do CPC, pelo que deverá ser revogado, julgada procedente a excepção, e a recorrente absolvida da instância.

    Sem prescindir 5ª. No despacho saneador também, de forma errada, se decidiu pela inexistência de ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, nulidade invocada pela ora recorrente na sua contestação.

    6ª. Com efeito, por um lado, está provado que está definitivamente registada a favor da recorrente desde 08.01.2010, no INPI, a marca “Flor da Cardanha”; e 7ª. Por outro lado, a própria a autora articulou na petição que deixou caducar o registo dessa marca[2], pelo que a recorrente alegou que não há causa de pedir em relação ao pedido de anulação de registo da marca.

    8ª. Contudo, o Tribunal fez diversas considerações de carácter geral e irrelevantes[3] na página 12 do despacho saneador, não invocando sequer as normas específicas que o Código da Propriedade Industrial, arts. 34º e 266º, estipula sobre esta matéria.

    9ª. Ora, nestas normas estão contempladas as possibilidades de anulação do registo, nomeadamente quando o direito não pertencer ao titular ou o registo tiver sido concedido com preterição dos direitos previstos no referido art. 266º. 10ª. E nenhuma das hipóteses estabelecidas naquele diploma pode ser enquadrada no caso em apreço, pelo que existe a citada nulidade, tendo, pois, o Tribunal violado o disposto nos arts. 193, nº2, al. c) do CPC e 34º 266º do CPI, pelo que deverá ser revogado, julgada procedente a nulidade e a recorrente absolvida da instância.

    Sem prescindir 11ª. O Tribunal recorrido entendeu, por um lado, responder à generalidade dos pontos da base instrutória com um “provado apenas”, respostas essas que, no entanto, não são respostas restritivas, mas sim explicativas, e que na verdade se tornam confusas e incoerentes; e 12ª. Por outro lado, para ainda dificultar mais a apreensão das mesmas, o Tribunal deu respostas conjuntas e em blocos sequenciais, não sendo a decisão da matéria de facto uma peça que prime pela clareza, mas bem pelo contrário.

    Adiante, 13ª. Há erro manifesto de apreciação da matéria de facto por parte do Tribunal recorrido, no que respeita designadamente, às respostas dadas aos pontos 1 a 3, 17, 19 a 23, 25, 26 e 35 da base instrutória, não cumprindo, portanto, o disposto nos arts. 653º, nº2 e 655º, nº1do CPC.

    14ª. Assim, os recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto, nos termos do art. 690º-A do CPC, uma vez que esta decisão não cumpriu as citadas normas processuais.

    15ª. Deste modo, relativamente às respostas aos pontos 1º e 2º, o Tribunal recorrido, face ao teor do documento junto com a petição inicial sob o nº1 – certidão permanente da autora – deveria ter respondido não provado a tais pontos.

    16ª. Em relação à resposta ao ponto 3º, face aos depoimentos das testemunhas (…)[4], apreciados no seu conjunto e, atentas as suas contradições, o Tribunal deveria ter respondido não provado.

    17ª. No que concerne à resposta ao ponto 17º, o tribunal deveria ter dado uma resposta não provado, tendo em conta o que se já referiu nas conclusões 15ª e 16ª, que se reproduz, pois a resposta dada pelo Tribunal está até em contradição com as respostas por este dadas aos pontos 2 e 3.

    18ª. Quanto à resposta ao ponto 19º, não se entende a resposta dada pelo Tribunal que fez uma evidente confusão não só do documento junto com a p.i. (não numerado e inserido entre o 5 e 6), mas também do esclarecedor depoimento do Dr. (…)com efeito, 19ª. De tal documento resulta tão-somente que foi feito pela recorrida, em 05.04.2006, um pedido de registo de sinais distintivos do comércio do sinal “Flor da Cardanha”.

    20ª. Do depoimento daquela testemunha resulta seguro que a empresa “(…)” faz apenas publicidade – para figurar numa espécie de anuário comercial – e não requer ou solicita registos no INPI; e que 21ª. O dito pedido efectuado pela recorrida deu entrada no INPI em 07.04.2006, tendo sido proferido despacho de concessão da marca em 15.02.207, que foi comunicado àquela em 19.02.2007, e foi-lhe ainda transmitido que eram devidas taxas de concessão – para ser efectuado o registo – taxas essas que não foram pagas pela recorrida.

    22ª. Daí que sugira que a resposta a este ponto seja provado com os citados esclarecimentos.

    23ª. Quanto à resposta ao ponto 20º, o Tribunal não teve em conta o depoimento da citada testemunha, Dr. (…), que refere que em 19.02.2007 o INPI avisou a recorrida da concessão da marca e para esta proceder ao pagamentos das correspondentes taxas; e 24ª. Só após o pagamento é que o registo é efectuado, não havendo registos provisórios, pelo que deveria ser dada uma resposta negativa.

    25ª. Relativamente à resposta ao ponto 21º, face ao depoimento da mencionadas testemunhas Dr. (…)e (…), deveria ter dado como provado que por falta de pagamento das correspondentes taxas, o registo em causa caducou em 31.08.2007.

    26ª. Em relação à resposta ao ponto 22º, perante o depoimento da...

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