Acórdão nº 2461/10.0TBPBL-G.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução06 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra “A..., L.da”, já identificada nos autos, requereu a declaração de insolvência de B..., igualmente, já identificado, com o fundamento em este se encontrar numa situação de falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante e pelas circunstâncias do incumprimento, revelam a impossibilidade de satisfazer pontualmente as suas obrigações.

Designadamente, de acordo com o que alegou, o mesmo era sócio de duas empresas do ramo da construção civil, as quais já foram declaradas insolventes e às quais a requerente tinha prestado diversos serviços e fornecido materiais, para cuja pagamento foram emitidas duas letras de câmbio, aceite de uma de tais empresa e avalizadas pelo, requerido, uma no montante de 27.000,00 € e outra no de 93.627,28 €, que não foram pagas.

Em face do que a requerente instaurou providência cautelar de arresto, a qual veio a ser decretada, com a apreensão de vários bens imóveis e móveis.

Quando o requerido de tal teve conhecimento, procurou a requerente a fim de estabelecerem um acordo que lhe permitisse libertar parte das verbas arrestadas, o que concretizaram em 19 de Março de 2010, reconhecendo o requerido ser devedor à requerente da quantia de 101.800,00 €, a ser pago mediante a execução de uma obra, a construir em Trouxemil, mediante empreitada, o que o requerido não veio a cumprir.

Para mais, obtida a desistência do arresto por parte da requerente, o requerido, constituiu uma nova sociedade para a qual transferiu a propriedade de todo o seu património, assim frustrando os créditos da requerente.

O requerido é alvo de várias acções executivas e tem dívidas à Fazenda Nacional e Segurança Social, que ascendem a um valor global superior a 550.000 € e não tem qualquer património ou rendimento que lhe permita pagar as quantias ali peticionadas.

Conforme sentença, aqui junta de fl.s 114 a 125, que se dá por integralmente reproduzida, proferida em 28 de Abril de 2011, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência do requerido B..., nos termos que ali melhor constam.

No prosseguimento dos autos de insolvência, veio o requerido, declarado insolvente, deduzir o pedido de exoneração do passivo restante, ao abrigo do disposto no artigo 235.º e seg.s do CIRE por, segundo alega, preencher todos os requisitos nos mesmos exigidos, designadamente, que não prestou informações falsas ou incompletas com o intuito de obter crédito; não usufruiu de tal benefício nos 10 anos anteriores à data do início do presente processo de insolvência; não incumpriu com o dever de se apresentar à insolvência, nem foi condenado por nenhum dos crimes previstos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal.

No decurso da assembleia de credores, a M.ma Juiz, na decorrência da formulação de tal pedido, deu a palavra ao Sr. Administrador da Insolvência e aos credores, para se pronunciarem quanto ao mesmo.

Na sequência do que o Sr. Administrador se veio a pronunciar favoravelmente a tal pretensão (cf. fl.s 133) e se lhe opuseram os credores “ A..., L,da”, cf. requerimento de fl.s 135 a 140) e “F...

, SA” (cf. requerimento de fl.s 163 a 166).

Em seguida, a M.ma Juiz proferiu a decisão que antecede de fl.s 254 a 266, aqui dada por reproduzida, na qual inferiu liminarmente o referido pedido de exoneração do passivo, com o fundamento em se verificarem as circunstâncias previstas nas alíneas d), e e), do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE, designadamente que a insolvência é de considerar como culposa em virtude de o insolvente ter ocultado ou feito desaparecer o seu património e incumpriu o dever de apresentação à insolvência, pois desde Maio de 2010 que conhecia a situação das empresas de que era sócio e não obstante em vez de o fazer transferiu todo o património que tinha para uma terceira empresa que criou.

Inconformado com tal decisão, interpôs o requerido o presente recurso de apelação, concluindo a sua motivação do seguinte modo: I Não se encontra preenchido o artigo 238.º, n.º 1, e), ou tão pouco o artigo 186.º, n.º 2, do CIRE.

II Foi o próprio Insolvente que reconheceu, aquando da sua primeira intervenção processual, a realização das alienações dos seus bens, indicando que tais bens lhe pertenciam, tendo a consciência que as vendas efectuadas não poderiam permanecer.

III O Recorrente não se opôs, de forma alguma ou por qualquer meio, à resolução das vendas efectuadas, facto que necessariamente exclui qualquer actuação dolosa ou com culpa grave, da sua parte.

IV Não se pode entender que desde Maio de 2010 que o Recorrente já tinha conhecimento da sua situação de insolvência, não sendo tal data determinante para o conhecimento e percepção de que o Recorrente se encontrava, já nessa data, em situação de insolvência actual, carecendo os autos de elementos que conduzissem a Meritíssima Juiz a tal conclusão.

V O Recorrente não se apresentou à insolvência até Maio de 2010, porquanto nessa data tinha a séria expectativa que a sua representada “D...

, Lda.”, cujo plano de insolvência tinha sido aprovado e homologado por um lado, e os bens constantes da massa da “C...

, Lda.” por outro, fossem suficientes para o pagamento de todos os seus avais pessoais.

VI Muito dificilmente se pode aceitar que o Recorrente, já desde Maio de 2010, sabia encontrar-se numa situação de insolvência, uma vez que apenas no próximo mês de Dezembro de 2011 é que vão ser vendidos os bens apreendidos à ordem do processo de insolvência de “ C..., Lda.” – conforme documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e que apenas chegou ao conhecimento do Recorrente em 7 de Novembro de 2011 (doc. n.º 1) - podendo muito bem tais bens ser suficientes para a liquidação da totalidade das dívidas do Recorrente.

VII O Recorrente não incumpriu o lapso temporal que se encontra previsto no artigo 238.º, n.º 1, d), do CIRE, porquanto não existe da sua parte obrigação de apresentação à insolvência, não se podendo, assim, concluir, como erradamente fez a Meritíssima Juiz “a quo”, que não foi cumprido o lapso temporal de 6 meses estabelecido no artigo 238.º, n.º 1, d), do CIRE.

VIII Mesmo que assim não se entenda, ou seja, que o Recorrente não cumpriu o lapso temporal de seis meses estabelecido no artigo 238.º, n.º 1, d), do CIRE – o que apenas se concede por mera questão de raciocínio – não constitui motivo justificativo que esse facto por si só, necessariamente, conduza ao indeferimento da concessão da exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no artigo 238.º, n.º 1, d).

IX Não basta, para o preceito fundamentador do indeferimento da exoneração do passivo restante, que o devedor, não estando obrigado a se apresentar à insolvência, não o tenha feito nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, exigindo o artigo, por um lado, que exista prejuízo para os credores; exigindo, ainda por outro lado, que o devedor soubesse, ou não pudesse ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

X Não resulta dos autos que os credores tenham sofrido prejuízos pela não apresentação à insolvência, por parte do Recorrente, nos seis meses posteriores à verificação da situação de insolvência, até porque tais prejuízos não foram sequer invocados pelos credores que se limitaram a indicar que se opunham a que fosse concedida a exoneração do passivo restante ao Recorrente.

XI Não decorre do despacho recorrido que a Juiz “a quo” tenha vislumbrado a existência de prejuízos para os credores, baseando-se o despacho numa venda de património pertencente ao Recorrente.

XII Não se pode inferir que tal venda tenha causado um prejuízo sério aos seus credores.

XIII A existir prejuízo para os credores o mesmo teria necessariamente que implicar um agravamento da divida do Recorrente, ou seja teria que existir um aumento dos valores em divida, facto que não ocorreu nos presentes autos e nem sequer foi alegado pelos credores ou sequer decorre do despacho de que se recorre.

XIV O agravamento da situação de insolvência do Recorrente apenas aconteceria se tivesse existido um incremento dos valores em divida, facto que não sucedeu e nem sequer serviu de base ao despacho que de que se recorre que se limita a fundamentar o indeferimento liminar da exoneração do passivo restante na venda do património do Recorrente.

XV A venda de património foi assumida, nos presentes autos, por parte do Recorrente, nunca tendo sido ocultado esse facto, já que foi o próprio Insolvente que indicou, aquando da sua intervenção nos autos, que havia efectuado tais alienações.

XVI Ao ter sido indicado pelo Recorrente que é proprietário dos bens em causa, e que tempos antes os havia vendido, é forçosa a conclusão que não teve qualquer intenção de ocultar património, ou de actuar de forma menos lícita.

XVII Pelo contrário; a sua intenção foi levar ao presente processo a verdade, sendo este comportamento revelador da sua postura de transparência e boa-fé, tendo a noção de que a venda efectuada não podia permanecer.

XVIII Recai sobre os credores e ao Senhor Administrador o ónus de apresentar no processo prova que levasse a concluir que o Insolvente praticou efectivos e múltiplos actos de gestão que terão eventualmente sido determinantes para a sua situação deficitária.

XIX No sentido do exposto veja-se o Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 3850/09.0TBVLG-D.P1.S1, em 21 de Outubro de 2010, in www.dgsi.pt, que determinou que “B) – Ónus dos requerentes. Entende o recorrente que “é ao requerente que cumpre alegar e demonstrar os factos concretos que, encandeados entre si, permitam concluir que o incumprimento do dever de apresentação à insolvência não teve qualquer incidência na sua situação económica, nem prejudicou os seus credores, pois que tal prejuízo presume-se no caso em que o requerente há muito não tem bens em número e valor susceptível de satisfazer as suas dívidas”. Cremos que também não tem razão. É...

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