Acórdão nº 60/09.9T2SVV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Março de 2012
Magistrado Responsável | CARLOS QUERIDO |
Data da Resolução | 27 de Março de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório MC (…) e esposa MF (…), intentaram acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra EL (…) e esposa OM (…) pedindo a sua condenação: a) a reconhecer o direito de propriedade dos autores relativamente ao prédio rústico, composto de eucaliptal, sito em M (...), freguesia de T (...), concelho de Sever do Vouga, a confrontar do norte com (…) (actualmente (…), do sul e poente com a junta de freguesia e do nascente com caminho, inscrito na matriz sob o artigo x (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sever do Vouga sob o número y (...), sobre o qual se encontra inscrita a aquisição dos autores, por compra, pela apresentação 2 de 27 de Dezembro de 2004; b) A restituir as parcelas do prédio referido, que invadiram, retirando as fitas, estacas e o mais que ali colocaram; c) a pagar por todos os prejuízos causados aos autores, designadamente o valor de € 205,00 correspondente ao custo da suspensão dos trabalhos de lavragem do prédio, a que acrescerão aqueles, decorrentes do atraso na replantação do prédio, que venham a apurar-se em sede de liquidação.
Como fundamento da sua pretensão, alegam em síntese os autores: são donos do prédio que identificam no art.º 1.º da petição, por o haverem adquirido por compra em 23 de Dezembro de 2004; tal prédio encontra-se demarcado dos prédios vizinhos, nunca tendo havido discussão sobre estremas; os autores procederam ao corte de árvores do seu prédio, lavragem do seu terreno, pretendendo a sua replantação, sendo que aquando dos trabalhos de lavragem, o RR marido pretendeu interrompê-los, alegando que o prédio era seu; posteriormente, o réu cercou e vedou com fitas duas parcelas daquele prédio, implantando estacas, em madeira, pretendendo que aquele prédio confronte com um seu que ali não existe; além de vedar as parcelas, o réu impediu os autores de proceder aos trabalhos de replantação que se preparavam para levar a cabo, causando-lhes prejuízos.
Regulamente citados contestaram os réus, alegando em síntese: é verdade terem os AA procedido ao corte das arvores e lavragem do seu prédio, sendo que também procederam ao corte e lavrarem das árvores existentes no prédio confinante, a norte, pertencente a (…) e ao corte de parte das árvores e lavragem dos prédios pertença dos RR, correspondentes aos artigos matriciais rústicos k (...) e w (...); é verdade que o réu compareceu no local, advertindo quem ali andava, de que o corte e lavragem eram abusivos, porque o terreno não pertence aos autores, não tendo surtido qualquer efeito tal interpelação; ao contrário dos autores, os réus têm perfeito conhecimento dos limites dos prédios, sendo que os autores invadiram, com a sua actuação, terreno que não lhes pertence.
Findos os articulados foi dispensada a audiência preliminar e proferido despacho saneador (tabelar), com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, sem reclamações.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, após o que foi decidida a matéria de facto nos termos que constam do despacho de fls. 160, sobre o qual não incidiram reclamações.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a presente acção que MC (…) e esposa MF (…), intentaram contra EL (…) e esposa, OM (…)parcialmente procedente por provada, e em consequência condeno os RR a reconhecerem o direito de propriedade dos AA relativamente ao prédio rústico, composto de eucaliptal, sito em M (...), freguesia de T (...), concelho de Sever do Vouga, a confrontar do norte com (…) (actualmente (…)), do sul e poente com a junta de freguesia e do nascente com caminho, inscrito na matriz sob o artigo x (...) e descrito na conservatória do registo predial de Sever do Vouga sob o número y (...), sobre o qual se encontra inscrita a aquisição dos autores, por compra, pela apresentação 2 de 27 de Dezembro de 2004.
Mais condeno os RR a pagar aos AA a quantia de € 205 (duzentos e cinco euros), acrescido do valor que se vier a apurar em liquidação, decorrente do atraso de replantação.
No mais improcedem os pedidos formulados.» Inconformados, apelaram autores e réus.
Por despacho de fls. 382, foi admitido o recurso interposto pelos autores e rejeitado o recurso interposto pelos réus.
Os réus deduziram reclamação dirigida ao juiz do tribunal a quo (fls. 385), indeferida por despacho de fls. 391, que não veio a ser impugnado por via de recurso.
Os autores apresentando alegações onde formulam as seguintes conclusões: (…) Os réus não apresentaram contra-alegações.
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Do mérito do recurso 1. Definição do objecto do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) apreciação da arguição de nulidade por violação do prazo previsto no artigo 658.º do CPC [conclusões 1.ª a 4.ª]; ii) apreciação da arguição de nulidade por contradição entre os factos provados A), B), I), J), K), L), M), N), P), Q), R), S), T), U), V), X), C) e D), quando confrontados com os factos O), Z), A’) e B’) [conclusões 5.ª a 15.ª]; iii) apreciação da arguição de nulidade da sentença por oposição ou contradição entre as premissas de facto e de direito e a conclusão jurídica [conclusão 16.ª]; iv) apreciação do recurso da matéria de facto: respostas dadas aos artºs. 7º, 8º, 9º, 10º, 21º, 22º e 23º da B.I. [conclusões 16.ª a 27.ª].
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A invocada nulidade por incumprimento do prazo previsto no artigo 658.º do CPC Alegam os recorrentes que as respostas aos quesitos foram dadas em 15/07/2010, tendo sido a sentença objecto de recurso proferida apenas em 12/07/2011, ou seja, cerca de um ano depois, “quando já toda a imagem e vivência da prova produzida em audiência se encontra necessariamente esbatida, quer pelo decurso do tempo, quer pelas inúmeras outras diligências que durante um ano o Juiz do Processo terá feito”.
Não restam dúvidas sobre a razão que assiste aos recorrentes, quanto aos factos, que decorrem do confronto de fls. 160 (acta de 15.07.2010) e 172 (data da sentença: 12.07.2011).
Já no que respeita às consequências da violação do prazo, salvo o devido respeito não podemos estar de acordo.
Vejamos.
Dispõe o artigo 658.º do Código de Processo Civil: «Concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, é o processo concluso ao juiz, que proferirá sentença dentro de 30 dias.
» Não restam dúvidas de que o prazo legal enunciado no normativo transcrito, foi violado.
Na anotação ao artigo 658.º do anterior Código de Processo Civil, o Professor José Alberto dos Reis[1] refere o problema que já naqueles tempos preocupava o legislador, bem como as medidas adoptadas no Decreto n.º 12:353: «
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Impôs ao relator, no caso de recurso, o dever de verificar se a sentença havia sido proferida dentro do prazo e de lavrar despacho em que exprimisse o resultado do seu exame, despacho de que seria dada cópia ao Conselho Superior Judiciário, caso a lei não tivesse sido observada; b) Mandou depositar metade dos emolumentos, para ser levantada somente depois de proferida a sentença; c) Proibiu que, no caso de transferência ou promoção, o juiz tomasse posse do novo lugar enquanto não proferisse sentença em todos os processos conclusos para esse efeito e sujeitou-o a desconto nos vencimentos, quando deixasse passar mais de 30 dias sem proferir sentença (art. 43.º, §§ 1.º, 2.º e 3.º).» Já naquela época se suscitava a questão da celeridade processual, e se revelava pacífica a conclusão de que sem celeridade não há justiça.
A actual Constituição da República Portuguesa consagra em sede de direitos fundamentais, o direito à decisão judicial “em prazo razoável e mediante processo equitativo” (art. 20/4 CRP), vertido no processo civil como princípio da tutela jurisdicional efectiva, visando a realização do direito (art. 2.º/2 do CPC), com vinculação ao “apuramento da verdade e à justa composição do litígio” (art. 265/3 CPC), devendo ajustar-se a forma ou procedimento ao fim visado (art. 265.º-A do CPC), não devendo nunca esquecer-se que “a Justiça[2] é um valor ético e que às normas de Direito inere a pretensão de realizar esse valor”[3].
No entanto, já naquele tempo, o Insigne Professor citado[4] alertava para as circunstâncias específicas do serviço da comarca, referindo: “Por vezes, são as circunstâncias que impossibilitam o juiz de cumprir o preceito legal.
Ad impossibilia nemo tenetur.
Há comarcas com tal movimento de processos, que não é humanamente possível ao juiz ter o serviço em ordem e em dia”.
Desconhecemos o movimento processual da comarca em causa, apenas nos competindo a apreciação da invocada nulidade.
O artigo 145.º do CPC refere a existência de duas modalidades de prazos: dilatórios e peremptórios.
No entanto, a doutrina e a jurisprudência referem ainda uma terceira modalidade: prazo meramente ordenador[5].
A definição dos três tipos de prazos enunciados consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2011[6], nestes termos: «Os prazos podem classificar-se de dilatórios, peremptórios e meramente ordenadores.
Os prazos dilatórios diferem para certo momento a possibilidade de realização de qualquer acto ou o início ou continuação da contagem dum outro prazo, enquanto o decurso do prazo peremptório faz extinguir o direito a praticar o acto, salvo o caso de justo impedimento. Trata-se de uma classificação fundada no sentido de limitação temporal que os prazos encerram. Assim, os dilatórios, também chamados iniciais ou suspensivos, marcam o momento a partir do qual o acto processual pode ser praticado, enquanto os prazos peremptórios, igualmente conhecidos como finais, extintivos ou resolutivos, estabelecem o momento até ao qual o acto...
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