Acórdão nº 445/09.0T2OBR.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução27 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório MC (…) instaurou acção declarativa sob forma ordinária no Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro, da Comarca do Baixo Vouga, contra ML (…) e MH (…) pedindo que se declare que é filha de J (…), com todas as consequências legais, requerendo ainda produção antecipada de prova pericial em ordem a determinar a sua filiação biológica.

Alegou em síntese: ter nascido a 18 de Março de 1949, sendo registada como filha de MR (…), então solteira, ficando a sua paternidade omissa; porém, seu pai é J (…), falecido a 23 de Dezembro de 2008, no estado de casado com ML (…), tendo deixado uma filha de nome MH (…), pois que namorou com a mãe da autora durante cerca de sete anos, com ela mantendo relações de cópula completa durante os primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o seu nascimento, não tendo a mãe da autora mantido relações sexuais com qualquer outro homem nesse período; o falecido J (…) sempre afirmou e reconheceu ser o pai da autora e que era reputado pai da autora por todas as pessoas que o conheciam, tendo-a tratado por “filha linda”, justificando a não perfilhação da autora por pressões de sua mulher e filha.

Efectuada a citação de ambas as rés, apenas a ré ML (…) contestou invocando a caducidade do direito da autora, alegando que, fundando a autora a sua pretensão em posse de estado, a acção teria que ser proposta dentro do prazo de um ano a contar da data da cessação do tratamento da autora como filha pelo pretenso pai, pelo que teria que alegar factos nesse sentido até nove meses antes da morte do indigitado pai, sendo certo que este adoeceu em Junho de 2007 e desde essa data até ao seu óbito a autora não o visitou, nem perguntou se precisava de alguma coisa, impugnou a generalidade da factualidade articulada pela autora, opôs-se à realização de prova pericial antecipada e concluiu pela total improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador no qual se conheceu da excepção peremptória de caducidade suscitada pela contestante, concluindo-se com o seguinte dispositivo: «[…] Visto o disposto no artigo 1817º, nº 1 e 3, al. c) do C. Civil, na redacção atribuída pela Lei nº 14/2009, de 01 de Abril, aplicável ex vi art.º 1873º, do mesmo compêndio legal, mostra-se caduco o prazo legal para a propositura da presente acção, o que consubstancia uma excepção peremptória de direito material, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição das Rés do pedido – artºs 279º, 296º, 298º, nº 2, 328º, 329º, 331º, nº 1 e 333º, nº 1, todos do C. Civil, e 493º, nºs 1 e 3 e 496º, ambos do C.P. Civil.

Pelo exposto, pela verificação da excepção peremptória de caducidade, absolvo as Rés do pedido.» Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, no âmbito do qual foi proferido neste Tribunal o acórdão junto aos autos a fls. 120 a 127, constando da sua fundamentação de direito: «[…] Neste contexto, forçosa é a conclusão de que não existem elementos fácticos bastantes e assentes para conhecer da caducidade do direito da autora a investigar a sua paternidade com base em posse de estado, devendo os autos prosseguir os seus termos, com a condensação da factualidade relevante para a boa decisão da causa, isto sem prejuízo de outro obstáculo a tal prosseguimento que venha a ser identificado e que exorbite do objecto desta decisão.

Porém, a declaração de caducidade do direito de investigar a paternidade, na parte em que a autora firmou o seu pedido simplesmente na relação de procriação, deve manter-se, pois que desde 18 de Março de 1980 decorreram mais de dez anos sobre a sua maioridade (artigo 1817º, nº 1, do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 14/2009, de 01 de Abril e artigo 122º, do Código Civil de 1966, na redacção do decreto-lei nº 47334, de 26 de Novembro de 1966, em vigor desde 01 de Junho de 1967).» Conclui-se no citado acórdão, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgando parcialmente procedente o recurso de apelação interposto nestes autos pela recorrente, acordam os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível deste Tribunal da Relação de Coimbra no seguinte: a) em julgar parcialmente procedente o incidente de nulidade da decisão sob censura, declarando-se a nulidade desta decisão por omissão de pronúncia (artigo 668º, nº 1, primeira parte da alínea d), do Código de Processo Civil), pelos fundamentos supra expostos, conhecendo-se, não obstante isso, do recurso de apelação, ex vi artigo 715º, nº 1, do Código de Processo Civil; b) em revogar parcialmente a decisão proferida com data de 05 de Janeiro de 2010, determinando-se que os autos prossigam com a condensação da factualidade relevante para a boa decisão da causa com base na factualidade aduzida para integrar a posse de estado, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito, salvo se outro obstáculo a tal prosseguimento for identificado e que exorbite do objecto desta decisão e confirmando-se a decisão recorrida na parte em que declarou a caducidade do direito da autora investigar a sua paternidade com fundamento no nº 1, do artigo 1817º do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 14/2009, de 01 de Abril».

Não se conformando, a autora interpôs recurso de revista (fls. 132), tendo os autos subido ao Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu o recurso (fls. 212) Baixaram os autos ao Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro, da Comarca do Baixo Vouga, onde foi proferido despacho saneador, com definição dos factos assentes e organização da base instrutória.

Consta da base instrutória: 1º O falecido J (…) e a mãe da Autora, MR (…), iniciaram namoro quando esta tinha 16 anos de idade? 2º Tal namoro prolongou-se por cerca de 7 anos? 3º Quando surgiu a gravidez de que nasceu a Autora, todos que conheciam afirmavam que a mãe da Autora andava grávida do J (…)? 4º E isso mesmo sabia e dizia o próprio J (…)? 5º Todos o reputavam como pai da Autora? 6º A Autora sempre ouviu toda a gente a dizer-lhe que o J (…) era o seu pai? 7º Certo dia, quando interpelado pela Autora para a perfilhar, o J (…) disse-lhe: “sou teu pai, mas só daqui a algum tempo vou fazer isso”? 8º Na sequência dessa conversa, apelidando-o de “pai”, o J (…) disse-lhe: “Filha linda”? 9º Noutro dia, pedindo-lhe novamente que a perfilhasse, o J (…) disse-lhe: “Elas não querem, mas um dia terás o que queres”? 10º Ainda noutro dia, pedindo-lhe novamente que a perfilhasse, o J (…) respondeu-lhe que bem sabia ser o pai dela, mas que não dependia só dele, pois as aqui Rés não queriam aceitar a situação? 11º O J (…) afirmou a várias pessoas e perante várias pessoas que era o pai da Autora? 12º No dia do funeral do J (…) e nos dias seguintes pessoas apresentaram à Autora os pêsames pela morte do “pai”? 13º A mãe do J (…) sempre considerou a Autora como sendo sua “neta”? 14º Ela própria dizia: “Tenho mais uma neta; lá vem a minha neta; vem brincar com as outras”? 15º As outras, netas, filhas da irmã do J (…), ainda hoje tratam a Autora por “prima”? 16º A Autora tentou visitar o J (…) quer em sua casa quer no Hospital quando o mesmo adoeceu? 17º Porém, foi impedida pela ré ML (…), que não consentia as visitas? 18º Na sequência de um acidente de automóvel, o J (…) deu dinheiro à Autora para a reparação do veículo? Notificada do despacho saneador, veio a autora a fls. 220, apresentar o seguinte requerimento probatório: “a) Requer a realização da perícia, com a finalidade invocada, para prova de que é filha biológica do investigado, que é seu pai biológico. E em todo o caso b) Se tal for necessário ou se alguma dúvida ficar, requer que a nova perícia se proceda, com material biológico do cadáver do investigado”.

Notificada para se pronunciar, a ré opôs-se, alegando: “A causa de pedir da presente acção de investigação de paternidade assenta no ‘tratamento de filho’ previsto na al. a) do n.º 1 do art.° 187l.° do C.Civil.

Ora, não tem este Tribunal que conhecer directamente do facto biológico, da procriação, mas apenas pode conhecer dele indirectamente através de presunções.

A autora não tem que provar directamente a filiação biológica.

Esta filiação biológica apenas pode ser provada por presunção, ou seja...

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