Acórdão nº 73/09.0PBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelLUÍS RAMOS
Data da Resolução28 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal condenar o arguido A... como autor de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artº. 143°, n.º 1, do Código Penal na pena de 7 (sete) meses de prisão e ainda a pagar, aos Hospitais da Universidade de Coimbra a quantia de € 143,50 acrescida de juros desde a notificação do pedido, à taxa legal (juros civis) até integral pagamento.

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição): 1. O arguido, ora recorrente, tendo sido condenado na pena de 7 MESES de prisão pela autoria de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art.° 143.ª do Cód. Penal e a pagar aos Hospitais da Universidade de Coimbra a quantia de € 143,50 acrescida de juros desde a notificação do pedido, à taxa legal juros civis) até integral pagamento, não se podendo conformar com tal decisão, vem da mesma recorrer em matéria de facto e de direito, tanto no que concerne à parte penal, como à parte civil.

  1. IMPUGNAM-SE ESPECIFICADAMENTE os factos dados por provados na sentença recorrida e supra transcritos sob os pontos 1) a 8) porquanto tal matéria de facto considerada provada, que no presente recurso se impugna, padece de vícios que geram erros na sua apreciação.

  2. A prova, em que se baseia a decisão do tribunal «a quo», não é consistente, e é apenas sustentada nas declarações prestadas pela ofendida, que manifestamente não são credíveis, nem isentas.

  3. Resulta da sentença recorrida, sob o respectivo ponto "IV.Motivação", que foram determinantes, ou nas próprias palavras da decisão em crise, II de forma decisiva" para a prova do(s) facto(s) em apreço as declarações da testemunha B..., que o tribunal" a quo" reputou de "serena, segura e 5. Serena, não se duvida; Agora, de segura e coerente, é que não se podem apelidar as declarações da referida testemunha, que por sinal, isoladas, são as menos isentas e credíveis de todas, o que se revela pelas próprias declarações, como se passará a tentar demonstrar.

  4. Ainda que fossem factos objecto de arquivamento na fase de inquérito ¬precisamente, como decorre do despacho de arquivamento, porque "observados à luz da experiência, não merecer grande crédito - o tribunal a quo socorreu-se, a título instrumental segundo se crê, da descrição de uma alegada abordagem feita pelo recorrente à referida testemunha que se traduziu num atropelamento, empregando uma viatura.

  5. O tribunal a quo motiva a sua convicção plasmando na sentença recorrida que a testemunha fora embatida na perna esquerda; porém a testemunha, muito embora se tenha efectivamente queixado de tal facto, em audiência de julgamento, afiançou ter sido embatida na perna direita (Cfr. respectivas declarações a partir do minuto 3:00); 8. Não existindo mais do que um relatório do episódio de urgência nos autos (porquanto a testemunha B... não se apresentou ao INML, IP a fim de ser submetida a exame médico-legal), O mesmo não atesta qualquer lesão na perna esquerda ou direita da testemunha - Cfr. relatório de Fls. 5; 9. A testemunha B... descreveu um quadro de litigiosidade estabelecida com o recorrente, alegadamente, por este não gostar que aquela se prostituísse na Av…., desta Cidade, porquanto com tal comportamento prejudicaria" as meninas" que o ora recorrente ali teria a trabalhar; 10. Mas, sempre devidamente circunscrita à data dos factos, e ao referido local, a instâncias do M.P. (concretamente ao minuto 3:54 do respectivo depoimento) referiu a testemunha que em tal data não estava lá nenhuma das "meninas" (que afinal seria apenas uma ...) que, alegadamente, trabalhariam ali por conta do arguido; Já a instâncias do Defensor do Arguido, a partir do minuto 9:26 e até ao minuto 10:41 do respectivo depoimento, referiu que nesse dia estava lá com ela (a tal ...), garantindo saber que a ira do arguido se prendia com o facto de ela (testemunha) estar a fazer dinheiro, e a suposta ... (7) não estar, assim justificando a razão da agressão.

  6. Para além da contradição quanto à localização dessa tal ... no local, há ainda a contradição quanto à localização da testemunha ... que a instâncias do Defensor do arguido, a partir do minuto 9:26, foi pela testemunha colocada no local nesse mesmo dia, sendo que pela mesma testemunha se confirmara antes, mais concretamente a instâncias da Digníssima Sr. a Procuradora, que a testemunha ... não estava no local, como se pode ver pelo respectivo depoimento ao minuto 6:20; 12. Além do mais, a sentença recorrida desconsiderou totalmente o depoimento das Testemunha ... que, muito embora não tivesse conhecimento dos factos em apreço, confirmou efectivamente não estar no local dos factos na data da respectiva ocorrência, quando no seu depoimento a testemunha B..., inicialmente confirmara tal ausência, mas já a instâncias do defensor do ora recorrente, referiu que "nesse dia a ... estava comigo", não resultando qualquer dúvida do teor de tais declarações que se estava a referir ao dia em que alegadamente teriam ocorrido os factos em apreço.

  7. Ainda nesse facto (instrumental) relacionado com a viatura, na fundamentação da sentença em crise, o Tribunal "a quo" socorre-se da descrição da viatura como sendo um Mercedes preto de matrícula "VL", matrícula esta que nunca foi referida em qualquer outro local dos autos, nem se conseguindo descortinar tal referência no depoimento em audiência de quem quer que seja, muito menos da testemunha B...; 14. Ora, dos autos consta a informação de uma Matrícula … , referida a fls. 7 num auto de notícia elaborado pelos OPC.

  8. Durante a produção de prova em julgamento, o Ministério Público refere-se (ao minuto 5:10) à queixa apresentada na polícia, na qual teria sido indicada a referida matrícula 76-58-UF.

  9. Desde logo é evidente que tal matrícula não foi declarada pela denunciante na queixa propriamente dita de Fls. 1 nem nas declarações de Fls. 44 (num e noutro local tal matrícula, ou qualquer outra, nunca foi referida pela testemunha).

  10. Mas o que verdadeiramente releva é que o Ministério Público, de todo o modo, nunca poderia ter - como fez e resulta evidente da gravação do depoimento da testemunha B... - avivado a memória da testemunha pelo recurso a tal auto de Fls. 7, isto na medida em que contem declarações da testemunha alegadamente colhidas pelo Opc.

  11. O tribunal "a quo" manifestamente motiva a sua convicção relativamente à coerência da testemunha, além de tudo o mais, também na descrição que esta fez da viatura e respectiva matrícula (ainda que erradamente, no que se afigura tratar¬se de um mero ostensivo lapsus linguae) na sequência da leitura (ainda que parcial) de um auto de PIs. 7 cuja leitura, s.m.º., se crê só poder ter lugar com consentimento do arguido nos termos do n.º 5 do Art.° 358.° do cód. de Proc.º Penal.

  12. Ora na medida em que o arguido nunca deu o seu consentimento a tal leitura ¬que, em rigor, nem requerida foi -, por efeito do disposto no n.º 1, no n.º 2, al b) e n.º 5 do Art. 356.° do cód. de Proc.º Penal, há desde logo que apontar tal vício à formação da convicção do julgador erigido que vem, em parte, em provas nulas, nulidade essa da qual se reclama nos termos do art.° 356.° n.º 9 do Cód. de Proc.º Penal; 20. Isto, sem prejuízo da óbvia correcção que, em função de todo o já exposto, há que fazer ao processo de formação da convicção do julgador, conforme infra melhor se apontará que não se encontra vedada a este superior tribunal" ad quem", verdadeiramente se impondo porquanto, conforme decidiu o Tribunal da Relação do Porto pelo Ac. 12/05/2004 convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso, quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum.

  13. A livre apreciação da prova não é, não pode ser, arbitrariedade ou discricionariedade, e isso, ainda que o tribunal" a quo" se socorra da mesma para "blindar" uma decisão manifestando que, com base na prova produzida, não restaram quaisquer dúvidas sobre os factos.

  14. A livre apreciação da prova pressupõe, pOIS, a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge da intervenção de tais critérios objectivos e racionais, de molde a que se possa impor essa convicção a todos os destinatários da decisão.

  15. E isso abarca ainda os factos indiciários, instrumentais ou habilitantes, na busca da verdade processualmente possível que não se pode confundir com a verdade material a todo o transe, a qual, frequentemente, importa factos completamente distorcidos da realidade.

  16. No caso" sub judice", uma vez que a prova produzida em que respalda a convicção do tribunal a quo consiste apenas e só no depoimento de uma única pessoa, tais coordenadas de "tratamento" do princípio da livre apreciação da prova impõem a exacerbação das já assinaladas contradições do referido depoimento.

  17. E, em função das supra assinaladas contradições no único depoimento habilitante da sentença recorrida, a absoluta credibilidade e verosimilhança, o detalhe e coerência que a sentença recorrida imprime a tal depoimento, desmoronam-se irremediavelmente.

  18. E tal contradição e falta de verosimilhança, não se descortina apenas nos referidos factos habilitantes, mas também, no próprio thema decidendum: 27. O Tribunal" a quo" deu como provado que o arguido" (. . .) dirigindo-se a B... desferiu-lhe, pelo menos, uma cabeçada na testa e duas bofetadas na 28. Para o efeito socorre-se, desde logo, do relatório de Fls. 5; Porém tal relatório não descreve, desde logo, que a testemunha se tenha queixado de ter sofrido qualquer cabeçada, e por outro lado, também não relata a constatação de qualquer lesão na teste que fosse consentânea com a cabeçada que a sentença recorrida deu por provada; 29. Depois, espontaneamente, a testemunha B..., no seu...

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