Acórdão nº 1133/10.0IDLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução28 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No Processo Comum Singular n.º 1133/10.0IDLRA, do 1º Juízo Criminal de Leiria, por sentença datada de 4 de Novembro de 2011, foi decidido: «I - Absolver A...

da prática de um crime de abuso de confiança (art.º 105º-1-2-4-a)-b) do RGIT) de que vinha acusada; II - Absolver A...

do pedido de indemnização civil contra si deduzido; III – Isentá-la do pagamento de custas criminais e cíveis (art.ºs 513º-1 e 523º do CPP; e 446º-1-2 do CPC); IV - Condenar o arguido B...

como autor material de um crime de abuso de confiança (art.º 105º-1-2-4-a)b) do RGIT) na pena de multa 80 (oitenta) dias, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia global de 480,00 (quatrocentos e oitenta euros); V – Declarar a sociedade W... - ., Lda.

como responsável de um crime de abuso de confiança fiscal (art.ºs 105º-1-2-4-a)-b) e 7º do RGIT e 11º do Código Penal), na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros); VI - Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público, e, em consequência, condenar solidariamente os arguidos B...

e W... - ., Lda.

ao pagamento da quantia de 13.773,90 (treze mil, setecentos e setenta e três euros e noventa cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal anual de 4%, desde 26.10.2011, até integral pagamento; VII - Condenar os arguidos B...

e W...- ., Lda, ao pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal anual de 4%, desde o dia 16.07.2011 até 25.10.2011, sobre o montante de €14.773,90; VIII - Condenar os arguidos B... e a W... – ., Lda. no pagamento das custas criminais (artigos 513.º-1 do CPP), com 02 (duas) UC´s de taxa de justiça (art. 8.º-5 do RCP e Tabela III anexa); IX - Condenar os arguidos B... e W... – ., Lda. em custas cíveis, na qualidade de demandados, por referência ao valor do pedido (art. 446.º-1-2 do CPC)».

  1. O arguido B... recorreu da sentença, assim concluindo o seu recurso (em transcrição): «1) O recurso visa anular a condenação do arguido B..., relativa ao crime de abuso de confiança fiscal e a condenação do arguido no pedido de indemnização civil.

    2) O crime de abuso de confiança fiscal, apesar de ser um crime de comissão por omissão, é um crime de resultado.

    3) A omissão do comportamento devido não chega para definir a ilicitude sendo necessário o aspecto subjectivo, o juízo de reprovação e de culpa.

    4) É necessário ficar provado que existe um juízo de reprovação e de culpa sobre o concreto comportamento adoptado pelo arguido.

    5) A actuação do arguido B... não foi culposa.

    6) Tal é evidente na motivação que se encontra na Douta Sentença ora recorrida quanto ao depoimento do arguido B... que “...esclareceu que a razão desse incumprimento se deveu à circunstancia da empresa não dispor de liquidez suficiente à satisfação integral de todos os compromissos financeiros que se imponham naquele mês de Março, “optando” este por acorrer a “outras urgências” e acabando por pagar a fornecedores com dinheiro proveniente do IVA liquidado aos seus clientes;...” 7) Entendemos que no presente caso se encontram preenchidos os requisitos do art° 34 do Código Penal que tem como epígrafe “Direito de Necessidade”.

    8) A actuação do arguido B... estará abrangida pela exclusão da ilicitude porquanto terá agido em estado de necessidade.

    9) Pois, confrontando entre a obrigação enquanto legal representante da devedora originária, W..., Lda., em entregar o IVA à Administração Fiscal, e entre optar pela elaboração da sociedade, permitindo assim a sua continuação, o arguido optou pela segunda.

    10) O arguido não deveria ter sido condenado como autor material do crime de Abuso de Confiança Fiscal, pelo que violou o Douto Tribunal recorrido o disposto no artigo 34º do Código Penal.

    Caso assim não se entenda, 11) O crime de abuso de confiança fiscal só pode gerar um dano patrimonial ou não patrimonial, mas pecuniariamente ressarcível (por indemnização) 12) Nos crimes de dano, o agente deverá ser condenado na acção penal a pagar a indemnização pelo dano.

    13) Contudo o art° 24 da Lei Geral Tributária, refere que os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão ou gestão em pessoas colectivas.., são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si...” (vidé 14) Mas só serão responsáveis depois da acção executiva fiscal reverter para eles (vidé art.°s 22.° e 23.° da LGT), enquanto devedor subsidiário.

    15) A Lei Geral tributária no art° 23, n.º 2, refere, nomeadamente que, o devedor subsidiário tem o direito de discutir no procedimento de reversão e na oposição à execução a inexistência da dívida ou da sua responsabilidade e de pagar a dívida, no prazo de 30 dias a contar da citação da reversão da execução, sem juros e sem custas do processo.

    16) Consta igualmente da lei que, a reversão só pode ser desencadeada depois de provado, no processo de execução fiscal, aberto contra o devedor originário, que este não tem meios para pagar a dívida.

    17) Com a notificação da reversão para o arguido da dívida do devedor originário, aquele poderia deduzir oposição, a qual até poderia ser declarada procedente no tribunal fiscal.

    18) Enquanto o arguido não seja condenado pelo tribunal fiscal não poderá ser condenado em processo-crime.

    19) Violou o Douto Tribunal recorrido o disposto nos art°s 22, 23 e 24 da Lei Geral Tributária.

    20) O pedido cível deduzido em processo penal terá sempre de ser fundado na prática de um crime, de acordo com o previsto no artigo 710 do Código de Processo Penal.

    21) Consta do art° 129 do Código Penal que A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.” 22) É legalmente inadmissível no processo penal conhecer de um pedido cível caso o mesmo não se funda em indemnização por danos ocasionados pelo crime ou não se funda na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, pois que a acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a indemnização por perdas e danos emergentes do crime.

    23) O crime de abuso de confiança fiscal, apesar de ser um crime de comissão por omissão, é um crime de resultado, em que só pode ter um dano patrimonial ou não patrimonial, mas pecuniariamente ressarcível (por indemnização).

    24) O art° 24 da L.G.T, no n° 1, alínea a) dispõe que há responsabilidade dos gerentes “pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos,” tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação.” 25) Tal preceito legal, refere que, a reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários legalmente indicados, existe, terminados que sejam os procedimentos de execução fiscal contra o devedor originário sem que os créditos do Estado tenham sido satisfeitos (art° 23 n° 2 da L.G.T) 26) Portanto a falta de verificação do pressuposto previsto no art. 24.° da Lei Geral Tributária relativo à culpa do gerente pela insuficiência do património da sociedade, determina a impossibilidade de recorrer ao mecanismo da reversão.

    27) Bem como está implícito na Lei que a reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários legalmente indicados, poderá ocorrer mas depois de terminados os procedimentos de execução fiscal contra o devedor originário sem que os créditos do Estado tenham sido satisfeitos.

    28) A lei refere pois que o responsável subsidiário, como devedor subsidiário, só deve depois da acção executiva reverter sobre ele (art.°s 22.° e 23.° da LGT).

    29) A lei dispõe que, nomeadamente, que o devedor subsidiário tem o direito de discutir no procedimento de reversão e na oposição à execução a inexistência da dívida ou da sua responsabilidade e de pagar a dívida, no prazo de 30 dias a contar da citação da reversão da execução, sem juros e sem custas do processo, sendo ainda certo que a reversão só pode ser desencadeada depois de provado, no processo de execução fiscal, aberto contra o devedor originário/directo, que este não tem meios para pagar a dívida.

    30) Atendendo a que o arguido não foi notificado na qualidade de revertido pela Administração Fiscal não poderá ser declarado procedente o pedido de Indemnização Civil apresentado.

    31) O que inquiria obviamente também a condenação do arguido pelo crime de Abuso de Confiança Fiscal.

    32) Pelo que violou o Douto Tribunal recorrido o disposto nos art°s 22, 23 e 24 da Lei Geral Tributária.

    Assim, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença na parte em que condenou o arguido B... no crime de Abuso de Confiança Fiscal e no Pedido de Indemnização Civil».

  2. O Ministério Público da 1ª instância respondeu a este recurso, defendendo a justeza do sentenciado, pedindo a final a negação de provimento a este recurso.

    Conclui assim: «1º- A dívida de IVA em causa nos autos tem natureza diferente das restantes comuns da sociedade, de origem contratual, contraídas no exercício do seu comércio.

    1. - A obrigação de entregar ao Estado o montante de IVA em causa nos autos deriva da lei.

    2. - Relativamente ao montante de IVA em causa nos autos, a sociedade em nome da qual o arguido actuou encontra-se instituída numa posição próxima da do fiel depositário. Já que 4°- O aludido montante de imposto já havia sido pago pelos clientes da W..., Lda, e, por isso, esse valor, não pertencia à representada do recorrente.

    3. - Ao usar o dinheiro do IVA em causa nos autos para solver outras dívidas da sociedade o arguido utilizou dinheiro alheio (do Estado - que foi efectivamente pago pelos contribuintes a jusante da W..., Lda) para solver dívidas próprias.

    4. - O Tribunal fundamentou de direito a condenação...

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