Acórdão nº 358/06.8TBSRE.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Fevereiro de 2012
Magistrado Responsável | CARLOS QUERIDO |
Data da Resolução | 07 de Fevereiro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório O Município de Soure intentou contra R (…), a presente acção declarativa de processo comum sumário, peticionando a condenação do Réu: a) a reconhecer a sua propriedade plena sobre o prédio urbano identificado na Petição Inicial; b) a restituir tal imóvel livre e devoluto, nos termos do n.º 1 do artigo 1311.º do Código Civil.
Em síntese, alegou: é dono do prédio urbano constituído por uma casa identificada pelo n.º X..., que integra o Bairro de B... em Soure, sito na A..., e que passou a integrar o património municipal, por cessão de bens que o IGAPE lhe fez, em 16 de Março de 1989; a habitação em causa foi cedida ao réu no âmbito de um programa de habitação social da responsabilidade do Fundo de Fomento da Habitação sendo do tipo de casa destinado a proporcionar a realização do direito a uma habitação com condições mínimas de existência a quem não tinha condições económicas para adquirir casa própria, ou pagar as rendas nos valores praticados no mercado arrendamento; embora a casa tenha sido entregue ao Réu em regime de propriedade resolúvel, o certo é que nunca foi celebrado qualquer contrato, mesmo com o Fundo de Fomento da Habitação, pelo que não se transmitiu a propriedade; não obstante, o Réu usou-a pelo tempo que necessitou, para aí praticar todos os actos inerentes à sua vida familiar diária, tendo deixado de aí residir há cerca de 15 anos, altura em que passou a viver permanentemente em Coimbra; apesar de ter sido notificado para desocupar a casa, entregando a chave, nunca o fez; tendo o Réu passado a residir em Coimbra, esvaziaram-se os requisitos que preenchem a condição de atribuição da referida habitação social, em concreto a carência de meios económicos para adquirir casa própria de acordo com os valores praticados no mercado; e tanto o regime antigo, como o regime actual da propriedade resolúvel prevêem a possibilidade de resgate do imóvel, quando não for utilizado para residência própria e permanente.
Citado, veio o Réu deduzir contestação e reconvenção, tendo, no que àquela concerne apresentado defesa por excepção e impugnação.
Começou por arguir a falta de legitimidade do Autor para reivindicar o imóvel, por não ser proprietário; invocou tratar-se, no presente caso, de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, pois estando em causa a casa de morada de família, a acção deveria ter sido instaurada também contra a sua esposa, invocando assim a excepção de ilegitimidade passiva.
Deduziu também e excepção dilatória de incompetência material da jurisdição cível, por entender serem competentes para conhecer da presente acção os Tribunais Administrativos.
No que concerne ao mérito da causa, alegou a seguinte factualidade: a casa lhe foi atribuída pelo Fundo de Fomento de Habitação, mediante concurso público, em 15 de Julho de 1978, tendo optado pela aquisição no regime da propriedade resolúvel; durante mais de 25 anos procedeu ao pagamento das prestações (desde Junho de 1981 a Julho de 2006), adquirindo, como tal, a propriedade sobre a mesma, tendo-a usado sempre e continuando a usar, para aí praticar todos os actos inerentes à vida familiar diária; na casa de Coimbra, descrita na petição inicial, viviam três familiares suas já idosas (tias e sogra), facto que originava visitas constantes, tanto mais que se tratavam de pessoas de idade avançada e que necessitavam de assistência; o declínio do seu estado de saúde levou ao arrendamento de um apartamento naquela cidade no ano de 1997, de modo a poder ser-lhes prestada assistência diária (higiene, alimentação e vigilância constante, diurna e nocturna); paralelamente, a residência de Soure foi-se deteriorando, por falta de manutenção, da responsabilidade da Câmara Municipal, o que obrigou a que tivesse procedido, a expensas suas, aos arranjos necessários; em momento algum, porém, abandonou a dita casa, onde construiu a sua vida.
Em sede de reconvenção, pediu o réu que seja declarado que é o legítimo proprietário do imóvel em causa, e que seja o autor condenado a reconhecer tal direito, alegando como fundamento da sua pretensão: após a casa lhe ter sido atribuída, em regime de propriedade resolúvel, ficou adstrito ao pagamento de 300 prestações, tendo procedido ao pagamento da primeira prestação conjuntamente com a segunda, referente a Junho e Julho de 1981, no inicio de Julho de 1981, e efectuando o pagamento pontual das restantes através de transferência bancária; em Maio de 2006 completaram-se 25 anos de pagamento das rendas, estando convicto ser o legítimo proprietário do imóvel em causa, tanto mais que naquele espaço sempre foi fazendo a sua vida normal, adoptando-o como seu lar, praticando os mais diversos actos de posse de boa-fé, à vista de todos e de forma pacífica, sempre confiante que a casa, que lhe fora atribuída por concurso público, seria sua ao fim de 25 anos de pagamento das prestações a que estava sujeito.
Concluiu pedindo a condenação do Autor por litigância de má-fé, em multa e indemnização.
O Autor respondeu, alegando em síntese: adquiriu por escritura pública o prédio onde se encontra implantada a casa de que o réu foi arrendatário, tendo por isso legitimidade para reivindicar a mesma; a dita casa não constitui a morada de família do réu, não se verificando, por isso, qualquer situação de litisconsórcio necessário passivo; sendo a presente acção de reivindicação, é competente para dela conhecer este tribunal.
Foi proferido despacho que julgou procedente a excepção de incompetência material e absolveu o Réu da instância (fls. 191 e seg.). Do referido despacho agravou o Autor e acórdão deste tribunal, de 22 de Maio de 2007 (fls. 267 e seg.), confirmado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 346 e seg.) foi dado provimento ao agravo, revogando-se o aludido despacho, tendo os autos prosseguido a sua tramitação subsequente.
No despacho proferido nos autos a fls. 360 considerou-se a existência de litisconsórcio necessário [ao lado do réu deveria intervir, igualmente, a sua esposa], tendo sido proferido despacho no qual se convidou o Autor a suprir a excepção de ilegitimidade passiva e o Réu reconvinte a suprir a excepção de ilegitimidade activa, no que ao pedido reconvencional concerne .
Na sequência do despacho proferido, quer o Autor, quer o Réu deduziram pedidos de intervenção principal provocada, tendo sido admitida a intervir, como parte principal passiva e como parte principal activa, na qualidade de reconvinte, a esposa do réu, M (…) (fls. 382 e seg.).
Citada, a interveniente declarou fazer seus os articulados do réu reconvinte (fls. 388).
Foi proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando o Autor a corrigir a petição inicial, ao que o mesmo acedeu, seguindo-se resposta dos réus Foi proferido despacho saneador, no qual se admitiu a reconvenção e se fixou o valor da acção, tendo sido seleccionada a matéria de facto considerada como assente e incluída na base instrutória, sem reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida decisão sobre a matéria de facto, que não foi objecto de qualquer reclamação.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Atento o exposto, julgo a presente acção e a reconvenção totalmente improcedentes e, em consequência, absolvo o réu, a interveniente principal e o reconvindo dos pedidos formulados.» Não se conformando, o Autor e o Réu interpuseram recurso de apelação (fls. 712 e 716), admitidos por despacho proferido a fls. 719.
Ambos os recorrentes apresentaram alegações.
Nas suas alegações, o Autor formula as seguintes conclusões: (…) Nas suas alegações, o Réu formula as seguintes conclusões: (…) Apenas o Autor apresentou contra-alegações, nas quais formula as seguintes conclusões: (…) II. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) saber se na sentença recorrida ocorre a violação do n.º 3 do artigo 659.º do CPC, por omissão de um facto provado documentalmente; ii) saber se, com a aquisição por parte do autor (Município de Soure), do terreno onde o IGAPHE veio a construir a habitação que constitui o prédio urbano em discussão nos autos, e a posterior cedência do “Bairro de B...” ao autor, este adquiriu a propriedade do referido prédio; iii) saber se ocorreu a aquisição derivada ou a aquisição originária do prédio por parte do réu; iv) saber se ocorreu qualquer factor, nomeadamente a resolução, que impedisse a aquisição definitiva do prédio urbano por parte do réu.
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A questão prévia da definição do elenco factual Nas conclusões 2.ª a 7.ª, alega o recorrente Município de Soure: 2ª) A Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, não tomou em consideração, ao contrário do que se impunha, (violando assim o disposto no nº3 do artigo 659º do Código de Processo Civil) na sua Fundamentação, quanto à Matéria de Facto, os seguintes elementos factuais: 3ª) O facto de o Autor, ora Recorrente, ter adquirido a propriedade do terreno, onde o bairro, no qual se inclui o prédio urbano reivindicado, foi implantado, por escritura pública de 21 de Junho de 1977, de fl. 106 e segs. dos presentes autos; 4ª) O facto de o I.G.A.P.H.E. (que sucedeu ao Fundo de Fomento de Habitação) ter, depois disso, construído à sua custa tal prédio urbano; 5ª) Importa referir que o “Tribunal “a quo” dá a entender que os factos atrás referidos se provaram quando a eles se refere a Sentença recorrida no ponto 2) da sua Fundamentação ou seja, nas questões a decidir e direito aplicável, Sendo certo que: 6ª) Que tais ocorrências, são factos com relevo para a decisão da presente causa, tendo o 1º (primeiro) destes 2 (dois) factos, sido provado pelo Autor, ora Recorrente, através de um documento com força probatória plena, ou seja, através de uma escritura pública, constante de fls.106 e segs...
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