Acórdão nº 910/09.0TACTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR OLIVEIRA
Data da Resolução29 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I. Relatório No processo nº 910/09.0TACTB do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, findo o inquérito o Ministério Público deduziu acusação contra a arguida A... imputando-lhe a prática de um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo artigo 360° nº 1 e 3 do Código Penal.

Por discordar do despacho de acusação, a arguida requereu a abertura de instrução.

Finda a instrução foi proferida decisão instrutória que, considerando não existirem indícios suficientes da prática do imputado crime, não pronunciou a arguida, ordenando o arquivamento dos autos.

Inconformado com o teor da decisão instrutória, dela recorreu o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1 - O que está em causa na acusação deduzida no processo é a arguida ter faltado à verdade no seu testemunho produzido em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo que a versão dos factos ai verbalizada pela então testemunha A…, agora arguida, não corresponde, no entender do Ministério Público, à realidade.

2 - Ter-se-á de aferir da existência de indícios suficientes de que a versão apresentada pela arguida diverge da realidade objectiva.

3 - A Meritíssima Juiz "a quo" parecer exigir em sede de instrução o que deve ficar reservado para julgamento, ao exigir que fique provado qual a realidade objectiva, quando, tanto quanto se exige é que se verifiquem a existência de indícios suficientes de que a versão relatada pela arguida em sede de julgamento não corresponde à realidade.

4 - Em sede de instrução, tal como também já ocorria em sede de inquérito, ter-se-á de aferir da existência de indícios suficientes de que a versão apresentada pelo agente diverge da realidade objectiva.

5 - Enquanto a condenação, em sede de julgamento, apenas se basta com um juízo de certeza, para efeitos de acusação ou de pronúncia basta um juízo de razoabilidade de ter sido cometido um facto tipicamente ilícito e de determinado agente ter sido o seu autor.

6 - Como refere Germano Marques da Silva (in «Curso de Processo Penal», vol. III, pág. 182-183), « ... nas fases preliminares do processo não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes e só, indícios, sinais de que o crime foi eventualmente cometido por determinado arguido». As provas recolhidas nas fases preliminares do processo não constituem pressuposto da decisão jurisdicional do mérito, mas sim mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento.

7 - De tudo o exposto resulta que para a pronúncia, tal como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido de certeza moral da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais da ocorrência do crime, dos quais se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que a partir de tais indícios existe uma probabilidade razoável do arguido vir a ser condenado.

8 - Pretende-se, ainda, exigir no douto despacho recorrido que a verdade objectiva tivesse sido fixada judicialmente em momento anterior, no caso concreto no acórdão proferido no Processo Comum Colectivo n.º 195/07.2GTCTB, do 2° Juízo deste Tribunal.

9 - Estamos em total desacordo com o descrito, pois, no processo em que o depoimento foi prestado pela arguida, o referido Processo Comum Colectivo n.º 195/07.2GTCTB, estava em causa o apuramento da responsabilidade criminal dos aí arguidos pela prática de crimes de homicídio negligente e de ofensa à integridade física negligente, sendo um dos arguidos B..., o condutor do pesado de passageiros onde seguia a ora arguida e a quem ela se refere na parte do depoimento aí prestado e parcialmente transcrito na acusação.

10 - O tribunal limitou-se à apreciação dos factos relativos ao momento em que ocorreu o acidente, não fazendo, nem tinha de fazer, uma apreciação da condução daquele arguido durante toda a excursão realizada.

11 - Contudo do acórdão proferido em primeira instância resulta, relativamente aos escassos momentos que antecederam e ainda naqueles em que ocorreram o acidente rodoviário, a demonstração de se ter apurado uma realidade diversa da constante da versão da arguida.

12 - Na verdade, das alíneas b) e e) da matéria dada como não provada retira-se que não se logrou a prova de que o então arguido B... tenha invadido a via de trânsito da esquerda da A23 ou que o acidente ficou a dever-se ao facto deste ter conduzido o seu veículo com falta de atenção, cuidado e perícia, que era ao que a aqui arguida se referia no seu depoimento produzido em sede de audiência.

13 - A verdade objectiva caberá ao juiz de julgamento determinar provada ou não provada, sendo certo que, no entender da acusação, tal verdade corresponde ao primeiro depoimento prestado pela arguida ainda em sede de inquérito, o qual se encontra parcialmente transcrito na acusação.

14 - Os indícios suficientes da prática do crime de falsidade de testemunho resultam claramente dos autos e devem levar ao despacho de pronúncia, sendo que a fixação da verdade objectiva (como sendo aqueia que como tal é entendida pelo Ministério Público na acusação ou não) é tarefa que cabe ao juiz de julgamento nessa mesma fase, consoante a prova que vier a ser produzida, aquela que consta da acusação, a que vier a ser arrolada pela defesa e até a que entretanto, em sede de julgamento, for entendida produzir pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.

15 - Os depoimentos prestados pela arguida em sede de inquérito e em audiência de julgamento, foram proferidos tendo a arguida consciência do acto que praticava e proferidos de forma livre, esclarecia e espontânea, com consciência do que afirmava em cada um dos momentos.

16 - Na verdade não foi questionada ou levantada qualquer reserva mental, ou incapacidade tendo, por isso, a ora arguida, quer no depoimento proferido em sede de inquérito quer no proferido em sede de audiência de julgamento, os proferidos de forma esclarecida e com consciência do que afirmava, tanto mais, que assinou o depoimento prestado em inquérito e prestou presencialmente o depoimento em julgamento.

17 - Ora, cada um dos depoimentos que foram prestados o foram com consciência de produzir um resultado assumindo o risco, ou pelo menos assumindo-se o risco de produzir determinado resultado, anuindo com a sua realização.

18 - Daí que não se compreenda de que forma se possa excluir o dolo, com a simples conclusão de que a arguida, agora, não tem consciência do que disse em inquérito e parece que agora está a falar verdade.

19 - Deve, assim, a decisão instrutória que não pronunciou a arguida ser revogada e substituída por outra onde se pronuncie a arguida nos exactos termos que já constavam da acusação.

V. Exas, Senhores Juízes Desembargadores, no entanto, decidirão e farão como sempre JUSTIÇA Notificada, a arguida respondeu ao recurso, concluindo o seguinte: 1. Não se encontram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de falsidade de testemunho.

  1. Porquanto não se encontra suficientemente indiciada a existência de uma contradição entre o declarado em julgamento e a realidade, e que a Arguida tenha proferido esse testemunho sabendo que o conteúdo das suas declarações era objectivamente falso.

  2. A douta Acusação limita-se a reproduzir dois depoimentos antagónicos (o do inquérito e o da audiência de discussão e julgamento), concluindo que a Recorrida faltou à verdade no seu depoimento prestado em julgamento, sem dizer qual é a realidade que a Recorrida omitiu, subverteu ou transformou, pelo que estamos perante uma acusação absolutamente inviável, pois não é apta a preencher um dos elementos objectivos do crime- um depoimento falso.

  3. Ora, não se pode, desta forma, censurar à ora Recorrida uma versão dos factos que o próprio Tribunal, expressamente, na pronúncia, e implicitamente, no Acórdão, entende como possível.

  4. Não assiste razão ao Ministério Público quando procura fundar o indício da falsidade das declarações da ora Recorrida no cotejo destas com a matéria de facto não provada no Proc. n.º 195/07.2 GTCTB, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial, pois que tal matéria não é uma realidade objectiva, nem sequer um indício da mesma, é apenas e só matéria de facto não provada.

  5. Acresce que, mesmo que o elemento objectivo do tipo legal sub judice estivesse preenchido, o dolo encontra-se excluído, pelo que não estando preenchido o elemento subjectivo, não se verifica a tipicidade da conduta.

  6. Face ao exposto. deve ser mantida, in totum, a douta Decisão recorrida.

Assim decidindo, farão V. Ex.aS, Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA! Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer: Quanto ao objecto do recurso, na medida em que, tendo-se realizado diligências de produção de prova, entendemos que a matéria probatória globalmente recolhida quer na inquérito, quer na instrução, contém indícios suficientes no sentido da pronúncia da arguida pelo referido crime.

Desde logo, é importante a análise que deve ser feita sobre o conteúdo dos dois depoimentos prestados pela testemunha à data do anterior processo e ora arguida. Estamos a referir-nos aos depoimentos prestados no inquérito e na audiência de julgamento, exactamente sobre a mesma questão de pormenor: o comportamento e atitudes do motorista do autocarro durante a viagem, com os reflexos que teria tido, na realidade, sobre a condução e sobre a tranquilidade (ou não) da mesma viagem, que de alguma forma pudesse inculcar a ideia de tal comportamento poder ter tido alguma influência do desencadear do acidente.

Na verdade, trata-se de uma questão de pormenor que tinha relevância para a apreciação global a fazer, como as demais provas produzidas e a produzir, para formar um juízo acerca da culpabilidade na ocorrência do acidente de gravíssimas consequências, atento o número de vítimas.

Parece-nos patente que existem essas divergências, sem que a testemunha tivesse hesitado em ambos os depoimentos. Isto é, não se refugiou em...

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