Acórdão nº 170/11.2TMGR-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução29 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório No Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, ML (…) aliás, ML (…)[1], veio apresentar-se à insolvência, apresentando, simultaneamente, plano de pagamento e requerendo, subsidiariamente, a exoneração do passivo restante.

Para fundamentar as suas pretensões, em síntese, a requerente alegou que em 2005, para auxiliar um familiar, contraiu um empréstimo no montante de € 11.245,00, tendo em 2008, para a mesma finalidade, contraído novo empréstimo, desta feita no montante de € 14.374,00. Alegou que tem um encargo mensal de € 668,00 para amortização dos empréstimos que contraiu, sendo que aufere uma pensão de reforma no montante mensal de € 1.003,43 e vive na companhia de sua mãe, de noventa e dois anos de idade.

A 29 de Abril de 2011 foi proferido despacho a dar por findo o incidente de Plano de Pagamento em virtude do plano proposto não ter sido aprovado por todos os credores.

A 30 de Maio de 2011, além do mais, ML (…)s foi convidada a apresentar nova petição inicial, com suporte documental, se possível, “especificando quais as obrigações já vencidas (não as que está a pagar em prestações dos créditos contratados), indicando credor, data de vencimento, valor do crédito e natureza a cujo cumprimento faltou; considerando que alega viver com a mãe, indicar de forma precisa: quais os rendimentos desta (que compõe seu agregado familiar) e ainda indicar se habita em imóvel próprio ou da progenitora, caso em que deverá esclarecer se algum deles se encontra arrendado, e em caso afirmativo, qual o valor mensal da renda.” A 07 de Junho de 2011, em resposta ao convite para aperfeiçoamento da petição inicial que lhe foi endereçado, ML (…) veio oferecer nova petição inicial onde veio alegar que padece de uma incapacidade parcial permanente de 71 %, que sua mãe aufere uma pensão no valor mensal de cerca de € 400,00, que vive juntamente com sua mãe em casa que lhe pertence, despendendo, mensalmente, em água, luz, gás e telefone cerca de € 70,00, em serviços de cuidados de higiene diária a sua mãe, o montante de € 120,00, em serviços domésticos na casa onde habita, o montante de € 140,00, em serviço de refeições diárias ao domicílio, o montante de € 172,00 e em despesas de farmácia o valor aproximado de € 200,00. Mais alegou que o empréstimo contraído em 2005 se destinou a auxiliar um sobrinho, toxicodependente, hoje com trinta e sete anos de idade e que criou desde os seis meses de idade deste e para pagamento do custo de drogas duras, pois aquele havia sido ameaçado de morte caso não pagasse o referido montante, tendo o montante do segundo empréstimo sido destinado também ao mesmo sobrinho. Alegou que nesse momento apenas tinha dois credores, tendo liquidado a dívida de € 498,00 que havia contraído junto da Caixa Geral de Depósitos. Referiu que não cumpriu os acordos de pagamento relativos aos empréstimos contraídos para auxílio de seu sobrinho, pelo que se venceram todas as prestações, tendo-lhe sido exigido, a partir daí, o pagamento do capital e juros respeitantes a ambos os empréstimos, tendo o crédito hipotecário contraído junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria regularizado.

A 13 de Junho de 2011 foi proferido o seguinte despacho: - “Fls. 95 e segs.: nos autos. A Requerente vem esclarecer apenas em parte o seu passivo, alegando que a situação com a entidade bancária está regularizada e que apenas se encontra vencido o crédito que sobre ela detêm (…) o qual é garantido por hipoteca. Todavia, que não tem sequer acções judiciais pendentes. Mal se compreende então na falta de junção de qualquer documento de interpelação para o cumprimento por parte do credor, de onde retira o alegado vencimento sob o artigo 31. Visto que protesta juntar documentos sob os art.s 8.º e 12, concede-se um último prazo de 5 dias para juntar os mencionados documentos e ainda o que lhe aprouver no que tange ao ponto retro indicado.

Com as legais consequências já cominadas no despacho de fls. 91 e segs..

”[2] A 20 de Junho de 2011, ML (…) veio oferecer dois documentos, alegando, em síntese, que à data da apresentação do plano de pagamento aos seus credores não tinha a sua situação regularizada junto de nenhum dos credores, que apenas tinha feito tentativas infrutíferas de pagamentos extrajudiciais, tendo sido interpelada pessoalmente ao pagamento pelo Sr. (…) o que a determinou a apresentar-se à insolvência como meio de impedir a perda da sua casa de habitação.

A 28 de Junho de 2011, foi proferida sentença que declarou a insolvência de ML (…), não se enunciando quaisquer factos provados e justificando-se esta decisão com a afirmação de que implicando a apresentação à insolvência o reconhecimento pelo devedor dessa situação e não tendo a requerente outros bens ou rendimentos para além dos indicados, era patente que esta se encontrava impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas.

O Sr. Administrador da Insolvência apresentou o relatório a que se refere o artigo 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[3] em que se pronunciou no sentido de ser deferido o requerimento para exoneração do passivo restante.

Realizou-se a assembleia de credores, sendo concedido prazo aos credores para, querendo, se pronunciarem, por escrito, sobre o requerimento para exoneração do passivo restante.

A 02 de Setembro de 2011 foi proferida decisão que com base no disposto no artigo 238º, nº 1, alínea d) do CIRE indeferiu o requerimento de ML (…)s para exoneração do passivo restante.

Inconformada com esta decisão, ML (…) interpôs recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “1. O despacho ora recorrido aplicou incorrectamente o disposto no artigo 238.º do CIRE; 2. Porquanto não se encontram preenchidos “in casu” os requisitos cumulativos aí elencados; 3. Houve erro na apreciação dos factos, o que motivou a aplicação incorrecta do Direito, neste caso, do disposto no artigo 238.º n.º 1 alínea d), do CIRE; 4. Resulta dos autos em concreto, quer do alegado pela Requerente, quer pelos docs. Juntos aos autos com a P.I., quer mesmo do despacho do Tribunal a quo transcrito no ponto 18.1 “(…)A Requerente vem esclarecer apenas em parte o seu passivo, alegando que a situação com a entidade bancária está regularizada e que apenas se encontra vencido o crédito que sobre ela detêm Afonso Caminho o qual é garantido por hipoteca. Todavia, que não tem sequer acções judiciais pendentes. Mal se compreende então na falta de junção de qualquer documento de interpelação para o cumprimento por parte do credor, de onde retira o alegado vencimento sob o artigo 31.,”que o incumprimento da Recorrente só se verificou a partir de Janeiro de 2011, mês em que a mesma foi interpelada para cumprimento pelo Sr. (…); 5. Quando se apresentou à Insolvência estava dentro do prazo dos 6 meses estipulados.

  1. Ainda que assim se não entenda, o que só por mera hipótese de raciocínio se concede, importa então apurar se uma eventual apresentação tardia da ora Recorrente se repercutiria negativamente na situação dos credores; 7. Dessa situação de incumprimento não resultou prejuízo para os credores, no sentido em que esse prejuízo só pode aferir-se desde a data do incumprimento de cada uma dessas obrigações.

  2. Incumprimento esse que é recente, como se referiu.

  3. Sendo importante sublinhar que a Recorrente apresentou um plano de pagamento judicial, feito na medida das suas possibilidades financeiras, tendo em vista a satisfação dos credores.

  4. Plano de Pagamentos este que, após apreciação, foi rejeitado apenas por um dos dois credores.

  5. Os contratos dos dois únicos credores estão garantidos através de hipoteca do imóvel, propriedade da apelante.

  6. No âmbito do CIRE os créditos continuam a vencer juros, que são considerados créditos subordinados, a serem pagos depois dos demais créditos – art.º 48 n.º 1b) do CIRE.

  7. O vencimento de juros em si não prejudica os credores, pelo contrário, destina-se a compensá-los pela mora. O que os prejudicará é não obterem o pagamento desses juros por insuficiência do activo.

  8. Não é o simples acumular dos juros que consubstancia o prejuízo para o credor.

  9. Do exposto resulta que não se pode associar automaticamente o “prejuízo dos credores” ao atraso do devedor na apresentação à insolvência, sob pena de se tornar inútil a autonomização deste pressuposto como requisito do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

    ” A recorrente termina as suas conclusões pedindo que seja dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão sob censura e substituindo-se a mesma por outra que defira o pedido de exoneração do passivo restante ao abrigo do disposto na alínea b), do artigo 237º do CIRE.

    Não foram oferecidas contra-alegações.

    As partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre o eventual preenchimento da previsão da alínea e), do nº 1, do artigo 238º do CIRE e apenas recorrente se pronunciou, pugnando pelo não preenchimento da aludida previsão legal e requerendo a junção de dois documentos.

    Apenas um dos dois documentos foi admitido, entendendo-se que o mesmo continha matéria passível de consubstanciar uma ampliação da causa de pedir, razão pela qual foram os restantes sujeitos processuais notificados para, querendo, darem o seu acordo expresso à aludida ampliação.

    Os restantes sujeitos processuais não se pronunciaram, tendo sido proferido despacho pelo relator a não admitir a aludida ampliação da causa de pedir.

    Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

    2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de...

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