Acórdão nº 1638/09.6IDLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução29 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No Processo Comum Singular n.º 1638/09.6IDLRA, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, por sentença datada de 9 de Junho de 2011, proferiu-se o seguinte veredicto: a) julgou verificada a prática pela arguida, A... UNIPESSOAL LDA, como co-autora material, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2, 4 e 7, do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001, de 5.06, ocorrido em 14-12-2009; b) julgou verificada a prática pelo arguido, B..., como co-autor material, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2, 4 e 7, do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001, de 5.06, ocorrido em 14-12-2009; c) DISPENSANDO-OS DE PENA.

  1. A arguida A... ., Ldª recorreu da sentença, assim concluindo o seu recurso (em transcrição): · A Douta Sentença enuncia os factos provados.

    · Subsiste, claramente, erro na apreciação da prova produzida.

    · Não se pode aceitar que os factos dados como provados o tenham sido correctamente, uma vez as declarações das testemunhas de acusação estarem em clara contradição com a prova documental junto aos autos.

    · Mais grave, o facto de as testemunhas terem afirmado que a base do seu depoimento estava nos documentos dos autos.

    · E que tais documentos apenas se referiam ao período em causa nos presentes autos, ou seja, último trimestre de 2008.

    · Tal afirmação está despida de veracidade, pois como podemos verificar existem documentos que em nada dizem respeito ao recebimento do IVA no último trimestre de 2008, mas sim a recebimentos muito posteriores a 15 de Fevereiro de 2009.

    · Quer as declarações foram valoradas como credíveis como também os documentos constantes dos autos.

    · Existe assim contradição insanável entre prova documental e prova testemunha.

    · É necessário fazer uma análise crítica aos documentos, até porque estes são a base dos presentes autos.

    · As testemunhas podem “esquecer” e até nem estarem muito certas das suas declarações.

    · Já os documentos têm como suporte a contabilidade da arguida, informação dos clientes da arguida e outras.

    · E a consonância, na Audiência de Discussão e Julgamento, entre prova documental e testemunhal não foi conseguida.

    · Logo, da prova produzida no decurso da Audiência de Discussão e Julgamento, sempre com o devido respeito ao Douto Tribunal a quo, impunha-se, em nosso entender, decisão diversa.

    · Parece-nos, em nosso modesto entendimento, ter havido insuficiência da matéria de facto provada e erro na apreciação da prova, verificando-se os vícios da alínea a) e c) do n.° 2 do art. 410º do Código de Processo Penal.

    · Desta forma a Douta Sentença recorrida violou claramente as als. a) e c) do n.° 2 do art. 410° do Código de Processo Penal.

    Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência ser a Douta Sentença substituída por outra que absolva a arguida A..., Unipessoal, Lda».

  2. O Ministério Público da 1ª instância respondeu a este recurso, defendendo a justeza do sentenciado, pedindo a final a negação de provimento a este recurso.

    Conclui assim: «1.A sentença recorrida não enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada nem de erro notório na apreciação da prova; 2.Não se pode confundir insuficiência para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova dada como provada com uma diferente convicção em termos probatórios e uma diversa valoração da prova produzida em audiência; 3. Não existe qualquer contradição entre a prova documental junta aos autos e as declarações das testemunhas; 4. O tribunal “a quo” observou o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127° do CPP; 5.A sentença sub judice não violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantida na íntegra».

    4.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador da República deu o seu PARECER, defendendo a improcedência do recurso, limitando-se a remeter para a resposta do Colega de 1ª instância.

    5.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do mesmo diploma.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a resolver consistem em · saber se existe, no sentenciado, algum vício do artigo 410º/2 do CPP, ligado à opção ou não pela tese do efectivo recebimento do IVA como pressuposto objectivo do crime de abuso de confiança fiscal; · saber se há erro de julgamento que faça considerar que não há perfectibilização do crime acusado.

    2.

    DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1. Na sentença recorrida, é este o rol de FACTOS PROVADOS (em transcrição): «1 – A primeira arguida é uma sociedade comercial por quotas, colectada para o exercício da actividade de “compra, venda, aluguer e montagem de andaimes e estruturas metálicas”, com o CAE … , sendo sujeito passivo de IVA, enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral e também sujeito passivo de IRC, sujeito ao regime geral de tributação.

    2 – O segundo arguido foi durante o ano de 2008 e continua a ser o único sócio gerente da primeira arguida e agia em nome e representação daquela.

    3 – No último trimestre de 2008, a arguida “A...”, através do seu sócio gerente, arguido B…, no âmbito da sua actividade, executou vários serviços consentâneos com o seu objecto social.

    4 – E fez-se pagar pelos serviços prestados, tendo ainda liquidado e recebido o IVA correspondente.

    5 – Os arguidos enviaram à administração fiscal as declarações periódicas previstas no artº 29º, nº1, al. c) e no artº 41º, nº1, al.b), do CIVA mas não entregaram nos Cofres do Estado, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que diziam respeito, nem nos 90 dias posteriores àquele, a totalidade do imposto de IVA apurado nas mesmas, no montante global de € 24.109,29.

    7 – Daquele montante, em Fevereiro de 2009, os arguidos entregaram à administração fiscal a quantia de € 4.500,00.

    8 – O valor da dívida que então ficou deu lugar a processo de execução fiscal e no decurso desse processo vieram os arguidos a pagar a quantia de € 9.804,55.

    9 – Pelo que, os arguidos ficaram a dever ao Estado a quantia global de € 9.804,64, referentes a IVA não entregue e relativo ao período 2008-12T.

    10 – Os arguidos foram notificados nos termos da al.b), do nº4, do artº 105º do RGIT e não procederam, dentro do prazo de 30 dias a contar da notificação, ao pagamento das quantias referentes ao IVA e ao IRC referidas no itens 3º e 5º, prazo esse que terminou a 14.12.2009.

    11 – Em vez de entregarem ao Estado aquela quantia, os arguidos fizeram-na deles e com ela optaram por gastá-la em proveito da empresa.

    12 – Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, com a intenção concretizada de se apoderarem da mencionada quantia, sabendo no entanto que a mesma não lhes pertencia e que tinham a obrigação de entregar o referido imposto ao Estado no respectivo prazo legal.

    13 – Sabiam também os arguidos que a sua descrita conduta era contrária à lei.

    MAIS SE PROVOU: 14 – Actualmente, a sociedade arguida efectuou o pagamento integral dos montantes em dívida referidos em 9. e demais acréscimos legais, incluindo a coima devida.

    15 – O arguido vive, em casa própria da esposa, com a esposa, funcionária da Liz Montagens Montagens no estrangeiro, que aufere cerca de € 1.200,00.

    16 – O arguido refere que aufere da sua actividade cerca de € 485,00.

    17 – O arguido suporta ainda a pensão de alimentos dos filhos no valor mensal de € 400,00, estando actualmente me atraso com 2 meses.

    18 – A arguida em 2009 teve um volume de facturação anual de cerca de 500 mil euros e em 2010 deverá rondar o mesmo valor, sendo que o rendimento anual da sociedade corresponde a cerca de 8% do volume de facturação.

    19 – A arguida tem um n.º de funcionários que varia entre o mínimo de 10 e o máximo de 14, na época mais forte.

    20 – Os arguidos não têm antecedentes criminais».

    2.3. Motivou assim o tribunal recorrido esta decisão de facto (inexistindo FACTOS NÃO PROVADOS): «A convicção do Tribunal para a matéria de facto dada como provada, tendo sempre em atenção o disposto no artigo 127.º, do CPP, isto é, considerando o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção, resultou quer das declarações do arguido e da prova testemunhal produzida quer da prova documental constante dos autos.

    Assim, temos que atentou o Tribunal nas declarações do arguido que assumiu a prática dos factos imputados, designadamente assumindo a não entrega dos montantes em causa ao Estado e de que optou por efectuar os pagamentos a funcionários, à SS e outros pagamentos também às Finanças, dando prioridade à continuação da sua actividade.

    Mais esclareceu sobre os esforços envidados para regularizar as dívidas nas finanças, tendo actualmente a sociedade procedido já à regularização de todos os montantes relativos ao trimestre em causa nos presentes autos (confirmado aliás pela prova documental junta aos autos e que aqui se dá por reproduzida).

    Depois importa ainda referir os depoimentos das testemunhas ouvidas. Nesta parte atentou o Tribunal no depoimento das testemunhas C... e D...

    , inspectores tributários, os quais depuseram de forma séria, desinteressada e coerente relativamente à não entrega pelos arguidos dos montantes que aqueles receberam a título de IVA e que optaram por não entregar aos cofres do Estado, tendo inclusive o apuramento de tais valores...

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