Acórdão nº 125/11.7TBFCR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Fevereiro de 2012

Data29 Fevereiro 2012
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1.

W..., Lda., com sede na Rua … , em Figueira de Castelo Rodrigo, foi administrativamente sancionada pelo Sr. Subinspector-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território No uso de competência delegada.

, no pagamento de uma coima cujo montante se fixou em € 3.000,00, isto porquanto incursa na autoria de uma contra-ordenação ambiental leve, p. e p. através das disposições conjugadas dos art.ºs 11.º, alínea f) e 18.º, n.ºs 3, alínea c) e 4, ambos do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março, e 22.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto.

Inconformada, impugnou-a judicialmente, embora sem ganho de causa, pois que, por despacho adrede proferido, foi mantido o despacho sindicado.

1.2. Porque, todavia, persiste irresignada, recorre agora a arguida para este Tribunal da Relação, extraindo do requerimento por cujo intermédio minutou a discordância, a seguinte ordem de conclusões: 1. A recorrente apresentou oportunamente a sua defesa por escrito, arrolou testemunhas, meio de prova que não foi apreciado nem tido em consideração.

  1. Os art.ºs 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa [CRP], e, 50.º, do Decreto-Lei n.º433/82, de 27 de Outubro [RGCO], impõem que a autoridade administrativa antes de aplicar qualquer sanção tenha em consideração a defesa do arguido e toda a prova que pretenda carrear para os autos.

  2. A Lei Processual Penal, aplicável subsidiariamente às contra-ordenações por remissão expressa do art.º 41.º do RGCO, comina com a nulidade a “insuficiência de inquérito ou da instrução e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais à descoberta da verdade.” 4. A decisão administrativa nada referiu relativamente aos depoimentos prestados no decurso dessa fase do processo, mormente quanto ao que disseram, e porque motivo foi ou não dada credibilidade probatória aos seus depoimentos.

  3. Essa decisão é fundamentada “em bloco” por remissão para todos os elementos probatórios constantes dos autos, que não são minimamente analisados, ponderados e sopesados criticamente à luz das regras da experiência comum (e sendo certo que o auto de notícia, neste âmbito, não faz qualquer fé em juízo em relação aos factos presenciados pelos autuantes, ao contrário do que sucede no âmbito do direito de mera ordenação estradal por força o disposto no art.º 170.º, n.º 3, Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro).

  4. Ora, a insuficiência da fundamentação da matéria de facto não pode deixar de considerar-se como fundamento de nulidade da decisão administrativa, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do art.º 41.º citado – neste sentido os Acórdãos seguintes: do TRP, de 9 de Julho de 2001, in CJ IV, p. 247 e de 25 de Fevereiro de 1998, in CJ I, p. 242; do TRE, de 16 de Dezembro de 1998, in CJ V, p. 286, bem como, na doutrina, Oliveira Mendes/Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas, Coimbra, 2003, p. 155 e Simas Santos/Lopes de Sousa, in Contra Ordenações, Anotações ao Regime Geral, r. Ed., Lisboa, 2002, p. 334 –.

  5. Os princípios da simplicidade e celeridade que norteiam a decisão administrativa não poderão estar acima de direitos constitucionalmente garantidos aos arguidos, sob pena de violação da regra da hierarquia das leis.

  6. Decidindo na forma em que o fez, a decisão recorrida violou o disposto nos mencionados art.ºs 32.º, n.º 10, da CRP; 41.º, 50.º e 58.º, todos do RGCO, bem como 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

    Terminou pedindo que no provimento do recurso seja substituída a decisão recorrida por outra que decrete a sua absolvição.

    1.3. Cumprido o disciplinado no art.º 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público sustentando o improvimento do recurso.

    1.4. Proferido despacho admitindo-o, e cumpridas as formalidades devidas, os autos foram remetidos para esta instância.

    1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º, do Código de Processo penal, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer apontando para idêntica improcedência da oposição.

    Foi dado cumprimento ao disciplinado pelo artigo 417.º, n.º 2, do mesmo diploma adjectivo.

    No exame preliminar a que alude o n.º 6 ainda deste normativo, considerou-se não ocorrer fundamento determinante à apreciação sumária do recurso, nem nada obstar ao seu conhecimento de meritis, donde que a dever o mesmo prosseguir seus termos, com a recolha dos vistos devidos, o que se verificou, e sua posterior submissão à presente conferência.

    Urge, pois, ponderar e decidir.

    1.6. Na parte que releva ao objecto deste recurso, a decisão recorrida mostra-se proferida com o teor seguinte: «Como se sabe, é pelas conclusões de recurso que se fixa o objecto do mesmo e, consequentemente, as questões que devem ser conhecidas pela instância de recurso.

    1- Da nulidade da decisão administrativa por não se ter pronunciado sobre toda a defesa apresentada pela ora recorrente: Em sede de impugnação judicial, a arguida alega que na decisão administrativa não são descritos os factos provados e não provados, nem os mesmos integram a prática de uma contra-ordenação, nem é descrita a exposição concisa acerca dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, não existindo uma única referência às provas que serviram para fundamentar a decisão, pelo que, também por esta via a decisão é nula.

    Existe, pois, in casu, para efeitos do disposto no artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do RGCO, vício da insuficiência da matéria de facto provada, uma vez que “os factos provados são insuficientes para justificar a decisão de direito” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-02-2005, in www.dgsi.pt.) Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-09-2006, Processo n.º 3200/06, disponível em www.dgsi.pt: “ (...) a indicação dos factos imputados com a menção das provas obtidas é uma exigência do artigo 58.º, n.º 1 do RGCO, em tributo aos mais elementares princípios que devem reger um direito de carácter sancionatório e que têm a ver sobretudo com as garantias mínimas relacionadas desde logo com o direito de defesa, por muito sumário ou expedito que se apresente o processo contra-ordenacional, pois a própria Constituição estende a esse tipo de processos essas garantias (artigo 32.º, n.º 10 da CRP). Entre essas garantias mínimas de defesa, avulta, a de serem conhecidos os factos que são imputados ao arguido, pois sem que os mesmos estejam estabelecidos não é possível avaliar a justiça da condenação, fica inviabilizado o direito de recurso e não há salvaguarda do ne bis in idem”.

    No que concerne à existência de vícios da decisão administrativa, designadamente vício da falta de fundamentação da matéria de facto provada, importa antes de mais saber se estamos perante um acto decisório inexistente, nulo ou apenas irregular.

    A verdade é que o RGCO não prevê a consequência processual para a falta dos requisitos da decisão administrativa elencados no artigo 58.º, pelo que têm entendido a maioria dos autores que se deve aplicar subsidiariamente os preceitos do processo penal ainda que com as devidas adaptações.

    Assim, a decisão administrativa será inexistente quando desrespeite, em absoluto, os requisitos estabelecidos no artigo 58.º, do RGCO (v. g., despacho de simples concordo sem qualquer remissão para a fundamentação de facto e de direito constante do relatório do instrutor do processo contra-ordenacional e sem a determinação da coima e respectiva sanção acessória a aplicar), pois não é verdadeira decisão condenatória: “ (...) Na verdade embora neste art.º 379.º se qualifique a falta de decisão condenatória ou absolutória como uma nulidade, a qualificação conceptualmente adequada a tal vício é a de inexistência jurídica, pois uma sentença, por sua própria natureza, tem que conter uma decisão (...)” Neste sentido Simas Santos e Lopes de Sousa, em Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral pág. 420.

    .

    Por seu lado, se a decisão administrativa não respeitar algum ou alguns dos requisitos daquele preceito legal, (como é o caso do artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do RGCO), tem-se entendido que essa decisão poderá sofrer um de três vícios: nulidade por força do disposto no artigo 379.º, do Código de Processo Penal (nulidades das sentenças), nulidade por força do disposto no artigo 283.º, n.º 3 do mesmo diploma (nulidades da acusação) – de conhecimento oficioso ou não, ou, apenas irregularidade por força dos artigos 118.º, n.º 1 (à contrário) e 123.º, ambos do Código de Processo Penal.

    Para quem defende a existência de mera irregularidade e não de nulidade, o argumento decisivo prende-se com o facto do regime das nulidades, pelo carácter gravoso das suas consequências, dever ser único e é típico ao longo de todo o processo administrativo, como o é no processo penal.

    Assim, tem-se entendido que não se pode aplicar o regime das nulidades das sentenças a uma decisão administrativa que após impugnada converte-se em acusação (artigo 62.º, n.º 1 do RGCO), pois no caso seria aplicável o regime das nulidades das acusações. Não obstante, também defendem a não aplicação deste último face ao facto daquela decisão poder nunca chegar a assumir a natureza de acusação (no caso de não haver impugnação).

    Ademais, face ao disposto no artigo 118.º, n.º 1 do Código de Processo...

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