Acórdão nº 144/21.5T8PMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra Proc.º n.º 144/21.5T8PMS.C1 1. Relatório 1.1.- A presente ação de acompanhamento de maior foi instaurada por AA contra BB, seu pai, alegando, para o efeito e em suma, que o beneficiário padece de perturbação de jogo patológico, apresentando um comportamento problemático, persistente e recorrente no que concerne ao jogo, condição que tem vindo a progredir desfavoravelmente.

Mais alegou que, devido a um diagnóstico de bipolaridade de tipo 2 se encontra reformado por invalidez, tendo-lhe sido prescrita medicação psiquiátrica para as suas patologias.

Alegou ainda que o beneficiário não é capaz de gerir os seus bens, nem de tomar decisões quanto à sua vida corrente ou quanto à gestão ou administração da sociedade V..., da qual é presidente do conselho de administração e acionista.

Conclui que o beneficiário não se encontra na posse das faculdades que o permitissem, a ele mesmo, formular o pedido para o seu acompanhamento, razão pela qual requereu o suprimento da autorização nos termos do disposto no artigo 141º, nº 3 do Código Civil.

Juntou aos autos diversa documentação.

** 1.2. – Feita a citação, contestou o beneficiário, alegando, no que ao presente incidente concerne, que não se mostram concretamente alegadas pelo requerente as razões pelas quais o beneficiário não pode dar a sua autorização de forma livre e consciente, não sendo as patologias apontadas suficientes para justificar a alegada impossibilidade.

** 1.3. - Foi determinada a realização de perícia, cujo relatório se mostra junto aos autos.

** 1.4. - Procedeu-se à audição do Beneficiário.

** 1.5.- Foi proferida sentença onde se decidiu: a)- Não suprir judicialmente a autorização do beneficiário para a propositura da presente ação, face ao preceituado no art.º 141.º, n.ºs 1 e 2, do Cód Civilo, e, consequentemente, absolver o beneficiário da presente instância por falta de legitimidade do requerente.

b) - Fixar o valor da ação em €30.000,01 (artigo 303.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

c)- Custas pelo requerente (artigo 527.º, n.º 1 e 2 e 539.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) .

Registe e notifique, sendo também ao Ministério Público.

** 1.6.- Inconformado com tal sentença dela recorreu o requerente - AA -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem: “1.

O presente recurso, vem interposto da douta decisão que decidiu não suprir judicialmente a autorização do beneficiário para a propositura da presente acção e, consequentemente, absolver o beneficiário da instância por falta de legitimidade.

  1. Com tal douta decisão, não se pode o Requerente Apelante conformar.

  2. Salvo melhor opinião, a Meritíssima Juiz do Tribunal recorrido, efectuou uma errada apreciação dos factos, quer dos que foram considerados provados, quer dos que foram considerados não provados, padecendo assim a douta sentença de um vício de apreciação e valoração da prova (artigo 607.º, nº 4 do C.P.C.), existindo ainda, uma errada aplicação do Direito.

  3. Entendem os Autores que, em face da prova produzida em audiência de julgamento, os factos descritos sob as nas alíneas b), c) e d) e considerados como não provados, deveriam ter sido considerados provados, alguns com pequenas alterações e os factos descritos sob os nºs 3., 10., 11., 14., 20. e 21. dos factos dados como provados, ser objecto de rectificação e alteração, por parte do que aí consta não se encontrar em consonância com a prova pericial e a demais junta aos autos.

  4. Assim, mui respeitosamente, pretende a Autora que Vªs Exªs apreciem o presente recurso, com os fundamentos infra elencados, esperando o Recorrente que após uma análise cuidada de todo o processo coadunada com as alegações do presente recurso, venham Vªs Exªs a proferir uma decisão justa e equitativa, que só poderá passar pela revogação da douta sentença proferida, uma vez que não pode o Requerente, atendendo a toda a prova produzida e à realidade dos factos, sobejamente conhecida quer pelos trabalhadores da sociedade que administra, quer pelos seus familiares, ser absolvido, devendo, antes, o Tribunal suprir a autorização do Beneficiário por existir fundamento atendível.

  5. Devendo, a final, serem determinadas as medidas de acompanhamento provisórias e urgentes requeridas na Petição Inicial.

  6. É para que assim se decida que, pedimos a atenção de V. Exas. para as conclusões deste recurso.

  7. Com ele, o Requerente pretende: I - Impugnar a decisão acerca da matéria de facto; e, por inerência; II - Impugnar a decisão de direito; DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO - Do Erro na Decisão da Matéria de Facto 9.

    Dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados, começando pelos factos que foram considerados como factos não provados pela douta sentença recorrida (que em alguns casos serão analisados em conjunto com os factos que se consideram incorrectamente provados, por se encontrarem interligados), salvo melhor opinião, todos os factos aí descritos sob as alíneas b), c) e d), foram incorrectamente considerados como factos não provados e, como tal, deverão ser alterados e considerados provados alguns com pequenas correcções, de forma a ficarem em consonância com a prova documental que se encontra junta aos autos, entre a qual, a pericial, que em parte a seguir se transcreverá relativamente a cada facto a apreciar.

  8. Por outro lado, e em relação aos factos provados, os descritos sob os pontos nºs 3., 10., 11., 14., 20. e 21 deverão ser rectificados, alterados e objecto de nova redacção.

  9. Relativamente aos factos descritos sob as alíneas b) e d), foi considerado não provado o seguinte: b) O beneficiário apresenta atualmente uma perturbação de jogo.

    d) O beneficiário não procurou acompanhamento psicológico/psiquiátrico em relação a uma eventual adição de jogo.

  10. O Tribunal “a quo” fundamentou a resposta a esta matéria nos termos supra citados nas alegações de recurso.

  11. Os concretos meios probatórios existentes nos autos, no nosso entender, impunham uma decisão sobre aquele ponto de facto diversa da recorrida.

  12. É importante desde já referir que, e com extrema relevância para contrariar a factualidade consignada na douta sentença recorrida, que somente foi ouvido o Beneficiário, para efeitos de suprimento da sua autorização, estando, por conseguinte, a decisão recorrida assente apenas nas declarações deste e no relatório do perito do GML junto aos autos.

  13. Por sua vez, tal perito, assenta as suas conclusões, no exame directo que fez ao Beneficiário e na Informação Clínica junta com a Contestação do Beneficiário.

    Com efeito, 16.

    Atento o Relatório do Perito, não se vislumbra que exames ou testes tenham sido feitos ao Beneficiário com vista a afastar a presença actual de qualquer perturbação de jogo?! 17.

    Pelo que se alcança da leitura do referido relatório, constata-se que a conclusão a que chegou o perito no que respeita ao diagnóstico feito quanto à adição ao jogo, assenta unicamente naquilo que lhe foi respondido pelo Beneficiário.

  14. Naturalmente que este, sabendo do propósito deste exame e, por conseguinte, para alcançar um termo neste processo, não disse a verdade.

  15. Indubitável é que inexiste qualquer prova documental, seja ela pericial ou outra, que ateste que o Beneficiário já não padece de qualquer perturbação de jogo.

  16. Como se sabe, esta adição é de difícil tratamento, para mais quando se trata duma pessoa – como é o caso do Beneficiário – que joga há já vários anos, de forma desregrada, desmedida, com dinheiro que não lhe pertence e em elevadas quantias.

  17. Não se pode olvidar que o Beneficiário admitiu perante o perito – o que veio a ser dado como provado (ponto 11. dos factos provados) – ter perdido, durante o ano de 2020, pelo menos, entre € 50.000,00 a € 100.000,00 em jogo online.

  18. Só no ano de 2020, o Beneficiário perdeu, como confessa, pelo menos entre € 50.000,00 a € 100.000,00 em jogo online!! 23.

    Mas a verdade é que o Beneficiário perdeu muito mais dinheiro em jogo do que entre € 50.000,00 a € 100.000,00, como provam os documentos juntos à P.I. sob Docs. n.ºs 3 a 7 e 22 a 26 (extractos bancários).

  19. Ora, tais extractos bancários da sociedade administrada pelo Beneficiário demonstram que este despendeu um total de € 221.536,00 em jogo, só no ano de 2020!! 25.

    O que é claramente uma diferença substancial entre a realidade dos factos e o que alega o Beneficiário em benefício próprio.

    Mais, 26.

    Diz a Mm.ª Juiz a quo, na douta sentença recorrida, que “resulta provado que o beneficiário, pese embora no ano de 2020 tenha passado por um período de jogo intenso, mobilizando quantias manifestamente elevadas, resulta igualmente provado que este se mostrou capaz não só de um juízo de autocrítica mas também de autocontrolo, tendo logrado parar de jogar, manter-se abstinente e liquidado os montantes movimentados o que, capacidade que aparece reflectida no teor do relatório pericial de forma linear conclui que o beneficiário não apresenta critérios clínicos compatíveis com o diagnóstico de adição ao jogo”.

  20. Ou seja, basicamente, quer o perito, quer o Tribunal, bastaram-se com o facto do Beneficiário ter negado continuar a jogar para dar tal facto como verdadeiro e por não provado, respectivamente.

  21. Sem sequer se importarem em indagar de que forma o Beneficiário se tratou ou até mesmo pedir uma Avaliação Médica ou um Relatório do médico que o acompanhou no tratamento desta adição. Adição que, repare-se, foi confirmada pelo Beneficiário, tendo somente negado ser actual.

  22. Porquanto, e pese embora tenha o Beneficiário alegado em Tribunal, aquando da sua audição, que se havia tratado desta adição com a Psiquiatra que o acompanha no tratamento da doença que lhe foi diagnosticada de perturbação afectiva bipolar de tipo IV, a Dra. CC, a verdade é que tal versão é totalmente desmentida pelo teor do Doc. n.º 15 junto à P.I., pois resulta deste documento (sms escrita da Dra. CC dirigida quer ao Beneficiário quer ao ora Requerente) que a...

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