Acórdão nº 899/20.4T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n.º 899/20.4T8GRD.C1 – Apelação Comarca da Guarda, Guarda, Juízo Local Cível Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra AA, com residência na Rua ..., ..., ... ...; Veio intentar a presente Acção Especial de Inquérito Judicial à Sociedade contra: BB, M... Lda.

, pessoa colectiva nº ..., com sede na Rua ..., ..., ... ..., ... e; CC, com residência na Avenida ..., ..., ... ..., ...; Nos termos do qual peticiona que seja ordenado a realização de Inquérito Judicial à sociedade primeira ré, nos termos dos arts. 1048.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), designadamente a investigação à contabilidade da primeira ré por perito a nomear com o propósito de permitir a identificação dos actos lesivos praticados pela empresa, bem como a quantificação dos eventuais prejuízos causados.

Alega, para tal, que é sócia da sociedade requerida, a qual tem vindo a ser gerida, de facto, em exclusivo pelo, também, sócio e requerido CC, a quem imputa uma “gerência ruinosa e lesiva dos interesses da sociedade”, designadamente, imputa-lhe a prática do seguinte: - não presta contas da sociedade desde 2014, até à actualidade, o que motivou que em AG ocorrida em 14/9/2019, a requerente e mais duas sócias, comunicaram aos demais sócios que não poderiam nem iriam pronunciar-se no âmbito do objecto da mesa, enquanto não fossem prestadas contas, para o que interpelaram o requerido para que o fizesse.

Não obstante, tal acta não foi redigida, nem foram prestadas as contas.

Tem sido este a gerir os destinos da sociedade, a seu bel-prazer e em prejuízo da sociedade, bastando a sua assinatura para a obrigar; - deliberou, em Março de 2020, a suspensão da actividade da empresa, para efeitos de IVA; - decidiu, em Abril de 2020, proceder ao despedimento dos três trabalhadores da empresa; - em Maio de 2020, decidiu alienar vário património da sociedade, num total de 49.420,00 €; - emitiu um confissão de dívida e dação em cumprimento a favor de outra empresa, em Junho de 2020, relativamente a bens cujo valor ascende a 28.056,00 € e deliberou voltar a suspender a actividade da sociedade, para efeitos de IVA, tudo com vista a extraviar/ocultar/dissipar bens da sociedade; - em resultado de inspecção tributária levada a cabo pela Direcção de Finanças ..., verificou-se que por parte da sociedade, houve uma omissão de facturação, de 210.090,60 € e consequente correcção no valor do IVA a pagar no valor de 48.320,84 €, sendo que aquele valor não entrou nos cofres da sociedade, devendo disso, o requerido prestar contas; - entre 2017 e final de 2018, o requerido, fez “desaparecer” cerca de 130 mil euros de inventário e facturação a clientes apenas 80.648,13 €; - “falsificou” as IES de 2017 e 2018, constando que existiu “deliberação de aprovação de contas” por unanimidade, em assembleia geral para tal convocada, o que não ocorreu e; - contraiu, em nome da sociedade, em 18 de Abril de 2018, um empréstimo junto do Banco B..., no valor de 25 mil euros, quando em 31 de Dezembro de 2017, inexistiam quaisquer responsabilidades junto do Banco de Portugal.

Visando a “demonstração/descoberta destas irregularidades/ilegalidades cometidas pelo ora requerido e de outras que eventual e seguramente, venham a surgir do decorrer do inquérito judicial que ora se requer” – cf. artigo 45.º da p.i..

A primeira ré deduziu contestação, alegando ter sido constituída em 2005, nunca tendo a requerente participado na sua gerência ou mostrado interesse na condução dos negócios da mesma, não sendo hábito, por acordo de todos os sócios, realizar AG.s, designadamente para aprovação de contas.

Mais refere que o inquérito judicial serve para dar conhecimento ao sócio de informação pedida ao abrigo do disposto no artigo 288.º do CSC, que lhe tenha sido recusada, ou prestada de forma falsa, incompleta ou não elucidativa e não para sindicar os actos da gerência, como o faz a requerente.

Impugna a factualidade alegada pela requerente, justificando as opções que tomou o gerente de facto da sociedade.

Conclui, afirmando que a falta de prestação de contas não constitui fundamento para a realização do inquérito judicial mas sim o previsto no artigo 67.º do CSC, para além de que a requerente não invoca qualquer recusa de prestação de informação ou violação do direito à informação, mas apenas pretende “discutir a tomada de opções do gerente”, o que não integra os pressupostos para a realização do inquérito judicial previsto no artigo 1048.º do CPC, o que, tudo, acarreta a improcedência do pedido.

Cf. despacho proferido em 9/10/20, o M.mo Juiz a quo, determinou o seguinte: “Antes de mais, convida-se a autora a esclarecer se em algum momento lhe foi recusada a prestação de informação por parte de um (ou de ambos) os réus, devendo, em caso afirmativo, concretizar as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que essa recusa ocorreu.

Poderá ainda a autora, querendo, em observância do princípio do contraditório, dizer o que tiver por conveniente quanto à matéria de excepção alegada na contestação, em especial no que se prende com o invocado recurso indevido ao processo especial de inquérito judicial de sociedade – art. 3.º, n.º 3, 6.º, n.º 1, e 547.º, todos do CPC”.

Na sequência do que a autora veio reiterar quanto “à recusa de prestação de informação”, o que já havia alegado nos artigos 3.º a 7.º, da p.i; ou seja, não pronúncia na AG de 14/9/19, por falta de prestação de contas e o requerido ter praticado os demais actos descritos na p.i. e relativamente “ao recurso indevido ao inquérito judicial previsto nos artigos 1048.º e seg.s do CPC” que se deve ao facto de o requerido ser o único gerente da sociedade e não prestar contas desde 2014 e ter sonegado/dissipado o património da sociedade, como descrito na p.i., resultando do artigo 67.º do CSC, que se não forem prestadas as contas no prazo previsto, pode qualquer sócio requerer ao tribunal que se proceda a inquérito, do que, tudo, no seu entender, justifica e legitima a realização do pretendido inquérito judicial.

Designado dia para inquirição de testemunhas, procedeu-se à realização da diligência, com observância do formalismo legal, tendo-se procedido à respectiva gravação, após o que que foi proferida a sentença de fl.s 72 a 79, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se julgou a presente acção improcedente por não provada e, consequentemente, não se determinou a realização do peticionado inquérito, ficando as custas a cargo da autora.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora AA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 157), rematando as respectivas motivações, com o que apelida de “conclusões”, ao longo de 48 páginas, ao arrepio do comando ínsito no artigo 639.º, n.º 1 “de forma sintética”, pelo que não se procede à sua transcrição, sem embargo de, em sede própria, se conhecer das questões nelas arguidas.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A título de “questão prévia”, cumpre averiguar da utilidade do recurso, no que respeita à impugnação da matéria de facto.

Entendemos não ser de proceder à pretendida reapreciação da matéria de facto, nos moldes em que a peticiona a recorrente, por a mesma se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT