Acórdão nº 4505/21.1T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | VÍTOR AMARAL |
Data da Resolução | 05 de Abril de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório “P..., Unipessoal, Lda.
”, com os sinais dos autos, intentou os presentes autos de procedimento cautelar não especificado (art.º 362.º do NCPCiv.) contra 1.ª - AA e 2.ª - “G..., S. A.
”, ambas também com os sinais dos autos, formulando os seguintes pedidos: «a) Ser ordenado que a 1.ª Requerida se abstenha de praticar qualquer ato de transmissão ou oneração, ou qualquer outro, que possa prejudicar o direito de propriedade e posse da Requerente relativamente ao Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ... ..., com a matrícula ..-ZA-.., sob pena de legal cominação e consequências, o que se requer; b) Ser ordenado que a 2.ª Requerida seja, igualmente, impedida de praticar qualquer ato que, da mesma forma, possa por em causa o direito de propriedade e posse da Requerente sobre o Veículo automóvel supra identificado e, bem assim, que seja obrigada a emitir nova Declaração de Circulação idêntica à primeira (cf. artigos 10.º e 41.º do presente Requerimento), pelo prazo de 60/90 dias, sucessivamente renovável até à obtenção de título para registo de propriedade; c) Seja reconhecida a propriedade e posse legítima da Requerente sobre o Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ... ..., com a matrícula ..-ZA-.., em consequência do Contrato de Venda celebrado com a 2.ª Requerida, ou, quando assim se não entenda – o que só por hipótese de raciocínio se aceita –, atenta a boa fé demonstrada na sua aquisição, pelo menos a posse legítima, até que seja emitido documento necessário para levar ao registo, seja a Declaração emitida pela aqui 2.ª Requerida, seja através de Sentença Judicial; d) Ser a ordenada a constituição da Requerente como fiel depositária do Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ... ..., com a matrícula ..-ZA-.., sendo autorizada a dela fazer o seu uso normal, justificando esta sua condição perante as Autoridades, até que seja possível a obtenção do título necessário ao registo de propriedade, seja através da Declaração emitida pela 2.ª Requerida, seja através da Sentença Judicial; e) Ser ordenada a entrega imediata, pela 1.ª Requerida AA, à Requerente, de toda a documentação necessária para a promoção do registo de aquisição do Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ... ..., com a matrícula ..-ZA-.., nomeadamente, do Modelo de Venda devidamente assinado, e a não obstar ao registo de tal veículo a favor da mesma».
Posteriormente, requereu a correção da matrícula da viatura para “..-ZA-..”.
Alegou, para tanto ([1]): - ter adquirido, mediante contrato de compra e venda, o veículo em causa à sociedade aqui 2.ª Requerida, vindo, posteriormente, a ter conhecimento de ser a 1.ª Requerida quem tem a seu favor o respetivo registo de propriedade, sendo certo que tal 2.ª Requerida transmitiu que o havia adquirido àquela; - a sociedade 2.ª Requerida incumpriu o contrato de compra e venda, não tendo entregue à Requerente o “modelo de venda” do veículo; - por sua vez, a 1.ª Requerida recusa-se a entregar à Requerente ou à 2.ª Requerida os documentos do veículo, nomeadamente, o “modelo de venda que esta ilegitimamente mantém em seu poder sem que goze de qualquer direito de retenção”; - a atual situação do veículo permite – quanto ao periculum in mora – que a 1.ª Requerida dele possa dispor, onerando-o ou vendendo-o a terceiros, com os prejuízos daí decorrentes para a Requerente, podendo até ocorrer a indicação do veículo à penhora; - a Requerente tem receio fundado de que a atuação da 1.ª Requerida possa prejudicar, de forma gravosa, os seus direitos sobre a viatura – em reunião havida no dia 23/11/2021, a 1.ª Requerida disse à Requerente ter contratado os serviços de um advogado para assegurar a defesa dos seus direitos, incluindo o de reaver a viatura por falta de pagamento; - encontra-se, pois, a Requerente na situação de poder, de um momento para o outro, ver o seu direito de propriedade ameaçado por qualquer diligência levada a cabo por tal 1.ª Requerida, designadamente a apreensão do veículo (pelo qual pagou o preço final de € 150.000,00), com todos os prejuízos que tal situação determinaria; - doutro modo, ocorreriam para a Requerente graves e irreparáveis prejuízos, que importa acautelar.
Por decisão liminar, proferida em 06/12/2021, foi julgado nos seguintes termos: «Destarte, porque é manifesto que a pretensão da requerente não pode proceder e nos termos dos artigos 226º, nº 4, alínea b), e 590º, nº 1, do Código de Processo Civil, indefere-se liminarmente a presente providência cautelar.» (destaques aditados).
Inconformada com o assim decidido, recorre a Requerente, para o que apresenta alegação, onde formula as seguintes Conclusões ([2]): «1. A Recorrente P..., Unipessoal, Lda. é única dona e legítima possuidora e proprietária do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ... ..., com a matrícula ..-ZA-.., o qual comprou à Recorrida G..., S. A. — como documentalmente provado nos Autos, através da junção do respectivo contrato de Compra e Venda outorgado em 25/08/2021.
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A Recorrente ficou, desde aquela data, na posse efectiva do veiculo em causa, exercendo de forma plena o seu direito de propriedade, gozando e fruindo do aludido veículo, na medida em que lhe foi entregue pela Vendedora e aqui Recorrida G..., S. A., uma Declaração de Circulação, por esta emitida, válida pelo prazo de 60 dias após a celebração do Contrato de Compra e Venda.
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Até à presente data, e porque o veículo se encontra ainda registado a favor do anterior proprietário - a Recorrida AA, e não (como julgava a Recorrente) da Recorrida Sociedade Vendedora, que o havia comprado anteriormente à Recorrida AA -, não logrou a Recorrente obter a documentação necessária ao registo de aquisição do veículo a seu favor, pelo que se encontra impedida de dispor do mesmo e, atenta a caducidade da Declaração de Circulação oportunamente emitida, está também impedida de circular com o aludido veículo na via pública.
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Tendo em vista assegurar o efeito útil de uma eventual decisão judicial definitiva, que venha a reconhecer o seu direito de propriedade, em toda a sua plenitude, a Recorrente instaurou a presente Providência Cautelar onde se requer que a Requerida AA – enquanto titular ainda inscrita no registo — seja condenada a abster-se da prática de qualquer acto de transmissão ou oneração do veículo que possa pôr em causa o direito de propriedade ou a posse da Recorrente; e que a Requerida G..., S. A seja condenada a abster-se da prática de qualquer acto que possa pôr em causa o direito de propriedade ou a posse da Recorrente, bem como a emitir nova Declaração de Circulação, válida (ou sucessivamente renovável) até à obtenção de titulo/documentação para que a Recorrente possa registar a viatura em causa a seu favor.
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A providência cautelar requerida foi liminarmente indeferida, porquanto, no entender do Tribunal “a quo” – com o qual se discorda inteiramente –, através da factualidade alegada na Petição Inicial, não logrou a Requerente demonstrar a verificação do requisito essencial da existência de fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável dos direitos da Requerente, nem demonstrou, sem margem de dúvida, a “probabilidade séria da existência do direito” invocado.
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O acervo probatório junto aos autos e os factos alegados – que a Requerente se propunha complementar através da audição da prova testemunhal –, impunham uma conclusão diferente. Sindicado o iter decisório percorrido pelo Tribunal “a quo”, entende a ora Recorrente poder facilmente chegar-se a uma conclusão totalmente oposta: a de que, neste caso, se encontram verificados todos os pressupostos/requisitos de que depende o deferimento da presente Providência Cautelar, razão pela qual se interpõe o presente Recurso.
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Os procedimentos cautelares consubstanciam uma antecipação ou garantia de eficácia do resultado que se visa alcançar no processo principal e assentam numa análise sumária da situação de facto, devendo ser deferida se puder concluir-se, nesta análise sumária, pela provável existência do direito (fumus boni juris) e pela existência de um justo receio de que tal direito seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (perruculum in mora).
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A transferência da propriedade dá-se por mero efeito de contrato, ainda que celebrado verbalmente, sendo que o registo de aquisição não tem efeito constitutivo, pelo que está consolidado o direito de propriedade a favor da Recorrente (como estava a favor da Recorrida Sociedade) - cf. arts. 408.°, n.° 1, e 1317.°, al. a), ambos do C.C.
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No caso concreto, encontra-se demonstrada a existência do direito invocado pela Recorrente, mais concretamente, do direito de propriedade sobre o veículo supra-identificado, razão pela qual, perante a...
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