Acórdão nº 1820/20.5T8ANS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

J..., S.A., deduziu contra C... S.A, embargos à execução que esta lhe moveu.

Alegou, em síntese: A hipoteca é nula por ser contrária à lei nos termos dos artigos 6.º, n.º 3 do CSC, 280.º e 294.º do Código Civil.

Ademais, o objeto social da Embargante é construção civil e obras públicas, reparação e comercialização de edifícios e a compra e venda de propriedades e não a prestação de garantias a terceiros.

A embargante não tinha no seu corpo social qualquer participação da P..., S.A., pelo que não estava numa relação de domínio ou de grupo com a mesma.

Na altura eram acionistas da Embargante AA, BB e CC, donde decorre o alegado interesse da Embargante na prestação da garantia. Nunca existiu qualquer mútuo e nunca houve qualquer projeto de internacionalização ou empreendimento comum com a P..., S.A., o que era do conhecimento do Exequente. Na data do alegado empréstimo a P..., S.A. atravessava graves dificuldades financeiras e que vieram a determinar a sua insolvência.

O mutuo foi cozinhado para aumentar as garantias do Banco; tratou-se apenas de renegociar o passivo da P..., S.A..

Ou seja, estamos perante um mutuo simulado: os 457 mil euros colocados na conta da Embargante foram logo transferidos para a P..., S.A. e aproveitados para liquidar as suas responsabilidades financeiras.

A nulidade do mútuo determina a nulidade da hipoteca nos termos do artigo 730.º, al. a) do CC.

Pediu: A procedência dos embargos, com as legais consequências.

O Exequente contestou.

Disse, em resumo: A Embargante coloca em causa o mútuo, mas não a escritura pública de constituição de hipoteca.

A Embargante faz parte do mesmo grupo económico que o da mutuária P..., S.A., inclusive com administradores comuns.

O mutuo foi creditado em conta da P..., S.A., por ser a mutuária. Também não foram alegados quaisquer factos de onde se possa concluir pela simulação.

A Embargante litiga de má fé e em venire contra factum proprium.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Com os fundamentos de facto e de direito enunciados, julgo totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado e, em consequência, determino o prosseguimento da execução;» 3.

    Inconformada recorreu a embargante.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: A. O tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos e uma errada análise da prova produzida nos presentes autos, olvidando que o Doc. 2 do Requerimento Probatório da Embargada, de 10.09.2021 (Ref.ª Citius: 7985295) demonstra claramente que esta sempre soube que os €457.000,00 creditados na conta de movimentos à ordem da P..., S.A.., foram por esta utilizados para liquidar responsabilidades por si anteriormente assumidas.

    1. A constituição da hipoteca a favor da embargada, incidente sobre as frações autónomas designadas pelas letras ..., ..., ... e ... do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida ..., em ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha ...8 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo n.º ...23.º da freguesia e concelho ... é nula, por ser contrária à lei.

    2. Resulta dos autos que a embargante tem por objeto social a construção civil e obras públicas, reparação e comercialização de edifícios e a compra e venda de propriedades e não a prestação de garantias a terceiras entidades.

    3. A capacidade das pessoas coletivas abrange (apenas) os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins.

    4. Do simples cotejo da ata da Assembleia Geral da embargante 10 de maio de 2010, logo se constata que a embargante não tinha no seu corpo social qualquer participação da P..., S.A., pelo que não estava numa relação de domínio ou de grupo com a mesma.

    5. Eram, na altura, acionistas da embargante AA, BB e CC – Doc. 2 do requerimento inicial.

    6. Eis, portanto, desmontada a vertente do alegado interesse próprio da embargante na prestação da garantia.

    7. Por outro lado, o alegado mútuo prestado pela exequente nunca teve lugar e nunca esteve em causa e nunca existiu qualquer projeto de internacionalização ou empreendimento comum com a P..., S.A., o que era do pleno conhecimento da embargada.

      I. O mútuo invocado pela embargada nunca verdadeiramente teve lugar.

    8. Dada a conjuntura económica do país, em maio de 2010, a empresa P..., S.A. já atravessava graves dificuldades financeiras, que eram irreparáveis e que determinaram a sua insolvência em 13 de abril de 2011.

    9. Nessa altura, a P..., S.A. apresentava para com a embargada uma avultada dívida de vários milhões de euros, que se encontrava em incumprimento.

      L. O “mútuo” cozinhado com a P..., S.A. mais não constituiu que uma forma ardilosa de aumentar as garantias do Banco exequente sem este mobilizar ou disponibilizar quaisquer novos recursos financeiros.

    10. Tratou-se apenas de renegociar um passivo da P..., S.A. e da assunção do referido passivo por parte da ora embargante, sem que tivesse sido mutuada nesta altura qualquer nova quantia, fosse àquela sociedade, fosse à embargante, ora recorrente.

    11. Tratou-se, pois, de um mútuo simulado: os €457.000,00 que o Banco exequente alegadamente terá colocado (se é que foram colocados) na conta da ora embargante, logo foram transferidos para a conta da P..., S.A., no mesmo Banco, logo foram aproveitados para liquidar responsabilidades financeiras desta última! O. Tratando-se de um mútuo simulado, o mesmo é inequivocamente nulo.

    12. Sendo nulo o contrato de mútuo, nula é forçosamente a garantia hipotecária.

    13. O mútuo é um contrato real quoad constitutionem, cuja verificação depende da tradição da coisa que constitui o seu objeto mediato.

    14. Não existindo prova plena da demonstração da entrega da quantia por parte dos credores e incumbindo a estes, como mutuantes, o ónus da prova da entrega da quantia, se para além do documento autêntico (escritura pública) não apresentarem outro meio probatório que demonstre a entrega, será de concluir não demonstrarem o preenchimento dos requisitos do direito de crédito resultante do mútuo por si invocado e que foi validamente impugnado.

    15. Demonstrado que verdadeiramente nada foi mutuado pela exequente à P..., S.A. e demonstrado que esta tinha perfeito conhecimento de que eram falsos e desprovidos de qualquer correspondência com a realidade os motivos invocados para a concessão da garantia real na ata da Assembleia Gral da embargante de 10 de maio de 2010, é inequivocamente nula e de nenhum efeito a hipoteca exequenda.

    16. O procedimento aqui retratado era, de resto, um procedimento recorrente no Banco exequente, frequentemente utilizado como forma de aumentar as garantias dos empréstimos que fazia sem ter de mobilizar ou disponibilizar quaisquer novos recursos financeiros.

    17. Deverá, pois, inequivocamente, ser revogada a douta sentença recorrida.

      V. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 6.º, n.ºs 1 e 3; 486.º e 488.º do Código das Sociedades Comerciais e os artigos 160.º, n.º 1; 240.º, n.º 2; 280.º, n.º 1; 294.º e 730.º, al. a) do Código Civil.

  2. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. – Procedência da ação.

  3. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal...

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