Acórdão nº 31/19.7T8ACB-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Novembro de 2022

Data22 Novembro 2022
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Alberto Ruço Vítor Amaral Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 02.5.2022, AA deduziu embargos de terceiro à execução para pagamento de quantia certa movida por BB contra CC e mulher DD, seus pais, visando, nos termos do art.º 350º do Código de Processo Civil (CPC), a suspensão imediata da venda do prédio penhorado nos autos de execução (prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ... como artigo ...75 e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...51, propriedade dos seus pais/Executados, correspondendo a casa de habitação com adega, cómodos e logradouro, com a área de 613 m2, sito em ..., na referida Rua ..., ... ...

), a realização de determinadas diligências probatórias e que se dê sem efeito a venda (ainda não realizada) e todo o processado que a precedeu.

Aduziu, nomeadamente: - Os documentos que constituem título executivo desta execução - o documento denominado “CONFISSÃO DE DÍVIDA E CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA UNILATERAL” de 12.8.2016 e o documento denominado “CONFISSÃO DE DÍVIDA E CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA UNILATERAL” de 29.8.2017” - e o documento que titulava a reclamação de créditos não admitida - denominado “CONFISSÃO DE DÍVIDA E CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA UNILATERAL” de 23.9.2016 - não foram celebrados entre o Exequente e os Executados nem foram assinados pelos Executados.

- Foram assinados pela Embargante, sem o conhecimento dos seus pais e sem os necessários poderes de representação dos seus pais, que nunca assinaram a procuração que - conforme resulta dos termos de autenticação respetivos (também juntos ao requerimento inicial e ao requerimento da dita reclamação de créditos) - baseou a assinatura pela Embargante e a autenticação pela Senhora Solicitadora dos mesmos documentos.

- As declarações negociais ou contratuais contidas em tais documentos - de confissão de dívidas e de constituição de hipoteca - são, por isso, falsas.

- Tais vícios foram sempre do perfeito conhecimento do Exequente.

- A Embargante, filha dos Executados[1], tem o direito e dever juridicamente tutelados de acautelar o património dos seus pais.

- Reside com eles no prédio em causa, e exerce conjuntamente com eles e com o seu irmão - filho igualmente de ambos - verdadeira posse de proprietário sobre o mesmo prédio, de que cuida e ajuda os seus pais e irmão a cuidar, bem imóvel que sempre foi considerado mesmo por terceiros como propriedade deles, desta família composta pelos Executados e pelos seus dois filhos.

- Assim, tem a Embargante por tudo isso o direito e o dever de impedir a venda do prédio neste processo, por ela e até pelo seu irmão, em defesa dos seus direitos como filhos e possíveis únicos sucessores dos seus pais e da posse que ambos desde já exercem sobre este bem.

- Por outro lado, tem a Embargante, como aliás o seu irmão, também o direito de remir, que lhe é expressamente reconhecido pelo art.º 842º do CPC.

Em 13.6.2022, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo rejeitou os embargos de terceiro, fundamentando assim o decidido: «(...) Compulsados os autos de execução, verifico que nos mesmos foi penhorado, em 21-01-2021, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...51, freguesia ..., pertencente aos executados.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 342º, n.º 1, do CPC que “se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.

Nos termos do art.º 345º do CPC, realizadas “as diligências probatórias necessárias”, os embargos são “recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.

No presente caso, verifica-se que a embargante, enquanto filha dos executados, não é titular da posse nem de qualquer outro direito sobre o imóvel em apreço. Com efeito, os proprietários do prédio são os executados, sendo que a embargante apenas no mesmo reside por ser filha daqueles e não por força de qualquer direito autónomo.

Para além disso, tendo em conta que a embargante invoca ter sido ela a efetuar a assinatura dos executados nos documentos que constituem o título executivo, sem autorização ou conhecimento daqueles, permitir-lhe a dedução de embargos de terceiro com fundamento na situação que a mesma causou configuraria uma autêntica situação de venire contra factum proprium.

Por último, ainda que possa assistir à embargante o direito de remir, a verdade é que tal direito não constitui fundamento de dedução de embargos de terceiro, devendo ser exercido nos autos de execução.

Nesta conformidade, não se retirando dos embargos deduzidos que a penhora realizada ofendeu a posse ou qualquer outro direito incompatível da embargante, não estão reunidos os pressupostos para a dedução do presente incidente, pelo que importa rejeitá-lo. (...)» Dizendo-se inconformada, a embargante apelou[2] formulando as seguintes conclusões: 1ª - Não obstante ter invocado o disposto no art.º 345º do CPC, a decisão recorrida não foi precedida de quaisquer diligências probatórias, concretamente das necessárias a decidir se os embargos devem ser recebidos ou rejeitados.

2ª - Nenhuma das diligências probatórias requeridas pela embargante/recorrente foi ordenada ou realizada, nem jamais equacionada pela Senhora Juíza a quo antes da decisão sob recurso, o que resulta, sem margem para dúvidas de nenhuma referência ter sido feita a qualquer delas na decisão, que por isso também omite qualquer pronúncia acerca do requerimento de prova e qualquer justificação para ter sido integralmente desatendido.

3ª - A decisão recorrida não consubstancia, por isso, uma decisão de rejeição destes embargos com o sentido em que o termo é usado pelo legislador no art.º 345º e no art.º 346º, antes uma pura e simples decisão de indeferimento liminar deste incidente, o que impõe a fixação de subida imediata nos autos e a atribuição de efeito suspensivo a este recurso.

4ª - A decisão recorrida viola o disposto nas normas citadas e mostra-se ferida de nulidade: - Nos termos do art.º 195º do código, por não terem sido realizadas as diligências probatórias previstas no art.º 345º - o que consubstancia e teve como consequência a omissão de atos e até de formalidades que a lei prescreve, com influência determinante na decisão da causa; - Nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea d), e ainda do citado art.º 195º, por omissão de pronúncia sobre as diligências probatórias requeridas na petição inicial (p. i.) dos embargos, que igualmente equivale a omissão de atos e até de formalidades que a lei prescreve, e igualmente com influência determinante na decisão da causa; - E nos termos do art.º 615º n.º 1 alínea b), e sempre do citado art.º 195º, por não especificar os fundamentos para a rejeição de tais diligências, o que também influi decisivamente na decisão da causa, tendo diretamente e decisivamente concorrido para o sentido da decisão recorrida, que foi objetivamente determinado por essa omissão.

[3] 5ª - A recorrente deduziu estes embargos de terceiro com função preventiva, nos termos dos art.ºs 342º, 344º, 345º, 347º e 350º do CPC, para evitar a realização da diligência ordenada mas ainda não realizada no processo executivo de que este constitui incidente processado por apenso, da venda do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ... como art.º ...75 e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...51, porque é filha de ambos os Executados, mas principalmente pelos seguintes factos e circunstâncias: - Porque reside com eles no prédio em causa; porque exerce conjuntamente com eles e com o seu irmão – filho igualmente de ambos – verdadeira posse de proprietário sobre o mesmo prédio – de que cuida e ajuda os seus pais e irmão a cuidar; - Porque se trata de bem imóvel de que todos eles sempre assim cuidaram; - E que sempre foi considerado, mesmo por terceiros, como propriedade, precisamente, deles, da família composta pelos Executados e pelos seus dois filhos.

6ª - Alegou estes factos e circunstâncias nos art.ºs 10 a 14 da p. i. dos embargos; e no requerimento de prova respetivo, que logo apresentou, indicou a pertinente prova documental e pessoal, que considerou adequada e bastante para os comprovar.

7ª - Tem legitimidade para deduzir estes embargos, nos termos e por força dos art.ºs 342º e 350º do CPC, por ter o direito (e o dever) de impedir a venda do prédio neste processo executivo, por ela e até pelo seu irmão, em defesa dos seus direitos como filhos e possíveis únicos sucessores dos seus pais, da posse que ambos desde já exercem sobre este bem e do seu próprio direito à habitação, consubstanciado, neste caso concreto, no seu direito a residir no...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT