Acórdão nº 421/20.2T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Novembro de 2022

Data22 Novembro 2022
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatora: Sílvia Pires Adjuntos: Henrique Antunes Mário Rodrigues da Silva Autora: AA Ré: P..., LDA.

* Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra A Autora propôs a presente ação declarativa, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe as quantias: 1. € 4.701,12 (QUATRO MIL SETECENTOS E UM EUROS E DOZE CÊNTIMOS) A TÍTULO DE PERDAS SALARIAIS RESULTANTES DOS PERÍODOS DE INCAPACIDADE TEMPORÁRIA ABSOLUTA PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSIONAL CONSEQUENTES DAS LESÕES DE QUE SOFREU A AUTORA; 2. € 1.989,70 (MIL NOVECENTOS E OITENTA E NOVE EUROS E SETENTA CÊNTIMOS) A TÍTULO DE DESPESAS MÉDICAS E TÉCNICAS, SUPORTADAS EM CONSEQUÊNCIA DAS LESÕES SOFRIDAS RESULTANTES DO ACIDENTE DE QUE FOI VÍTIMA; 3. € 15.000,00 (QUINZE MIL EUROS) A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS RESULTANTES DO ACIDENTE A QUE REPORTAM OS PRESENTES AUTOS; BEM COMO, 4. NAS QUANTIAS QUE SE VIEREM A LIQUIDAR EM INCIDENTE DE AMPLIAÇÃO DO PEDIDO E CORRESPONDENTES À IPP – INCAPACIDADE PERMANENTE E PARCIAL DE QUE FICOU A PADECER, EM CONFORMIDADE COM A FACTUALIDADE EXPOSTA E EM VIRTUDE DAS CONCLUSÕES APURADAS EM SEDE DE PERÍCIA MÉDICA A REALIZAR NA PESSOA DA AUTORA; 5. NAS QUANTIAS QUE SE VIEREM A LIQUIDAR EM INCIDENTE DE AMPLIAÇÃO DO PEDIDO E CORRESPONDENTES AOS DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS, EM CONFORMIDADE COM A FACTUALIDADE EXPOSTA E EM VIRTUDE DAS CONCLUSÕES APURADAS EM SEDE DE PERÍCIA MÉDICA A REALIZAR NA PESSOA DA AUTORA; Alegou, em síntese, que no âmbito do contrato celebrado com a Ré, tendo por objeto a prestação de aulas teóricas e práticas de condução com vista à obtenção da carta de motociclos, no dia 20.03.2017, em plena aula enquanto conduzia na via pública um motociclo pertencente à Escola de Condução da Ré, despistou-se, tendo sofrido um acidente em que embateu no passeio e muro que circundavam a via onde conduzia, o qual causou danos à Autora que devem ser indemnizados pela Ré. A Autora enquadrou a situação no âmbito da responsabilidade contratual, tendo subsidiariamente enquadrado o acidente numa situação de responsabilidade civil extracontratual objetiva pelo risco.

A Ré contestou, alegando a nulidade do contrato invocado, não aceitando a responsabilidade pelo acidente sofrido pela Autora, pela inexistência da verificação dos pressupostos da culpa e do nexo de causalidade e impugnando ainda alguns dos danos invocados pela Autora.

Em reconvenção peticionou a condenação da Autora no pagamento dos valores que esta não pagou a título dos serviços que a Ré lhe prestou e o valor dos danos causados no motociclo conduzido pela Autora aquando do acidente.

A Autora apresentou réplica, alegando, em suma, a prescrição das quantias peticionadas pela Ré, em sede reconvencional.

No decurso da audiência de julgamento a Autora requereu a ampliação do pedido, tendo sido proferido despacho que decidiu o seguinte: Em face do exposto, determino a ampliação do pedido inicialmente formulado pela autora, no montante global de 21.605,82€, para o valor de 65.000,00€, sendo a ampliação: - Em 15.000,00€, quanto ao pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais, passando o respetivo pedido de 15.000,00€ para 30.000,00€; - Em 50.000,00€, quanto ao pedido de indemnização pelo défice funcional permanente, passando a quantificar-se em 50.000,00€.

Por aplicação analógica do disposto no artigo 299.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, determino a correção do valor da ação para 88.976,10€, devendo proceder-se à correção nos locais próprios.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a causa nos seguintes termos:

  1. Julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: i. Condenar a ré P..., LDA., a pagar à autora AA, a quantia de 1.517,50€ (mil quinhentos e dezassete euros e cinquenta cêntimos), a título de danos patrimoniais decorrentes de despesas suportadas com consultas e tratamentos médicos.

    ii. Condenar a ré P..., LDA., a pagar à autora AA as quantias que vierem a ser despendidas por esta com tratamentos de fisiatria, com acompanhamento psiquiátrico (na sua tripla vertente, psicofarmacológica, psicoterapêutica e sobretudo psicossocial), com consultas de otorrinolaringologia e com intervenção cirúrgica (cirurgia plástica – rinoplastia), tudo a liquidar em decisão ulterior (cfr. artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil, e 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

    iii. Condenar a ré P..., LDA., a pagar à autora AA a quantia de 6.004,25€ (seis mil e quatro euros e vinte e cinco cêntimos), a título de incapacidade temporária para a sua actividade profissional, pelo período total de 106 dias (perdas salariais).

    iv. Condenar a ré P..., LDA., a pagar à autora AA a quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais – onde se incluem os valores a título da anteriormente denominada IPP ou incapacidade permanente parcial, hoje défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (o chamado dano biológico), e a título de repercussão permanente na actividade profissional.

    v. Absolver a ré P..., LDA., do demais peticionado pela autora AA.

    b) Julga-se a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: i. Condenar a autora AA a pagar à ré P..., LDA., a quantia de 385,00€ (trezentos e oitenta e cinco euros).

    ii. Absolver a autora AA do demais peticionado pela ré P..., LDA..

    c) Condenar autora e ré no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se este em 42% para a autora e em 58% para a ré.

    * A Ré interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: A - DA CULPA DA LESADA 1) A Ré não se conforma com a indemnização que foi condenada a pagar à Autora com fundamento na responsabilidade objetiva (pelo risco), nem com fundamento na existência (apenas) de nexo entre o acidente ocorrido e as lesões sofridas pela Autora.

    2) A Ré não se conforma com a desconsideração do tribunal a quo da culpa da Autora que teve no acidente e nas lesões geradas ou agravadoras dos danos.

    3) O tribunal a quo deu como provado que a utilização do capacete com a parte inferior do casco do capacete e a viseira levantadas derivou única e exclusivamente da vontade da Autora.

    4) Com a condenação da Ré o tribunal a quo desresponsabilizou a Autora/instruenda, dos deveres gerais de diligência e dos deveres de especial de atenção na observação de normas de segurança na condução de veículos.

    5) Preenchidos e provados os pressupostos para existência de negligência pela violação de um dever objetivo de cuidado, a culpa das lesões sofridas é da Autora e não da Ré, por isso, andou mal o tribunal a quo ao condenar a Ré ao pagamento de indemnização à Autora.

    6) Por outro lado, a Ré não se conforma igualmente com a sentença dado que resulta provado que a Autora violou normas de proteção que determinavam a utilização de óculos de proteção ou capacete com viseira durante as aulas de condução.

    7) Concluindo-se que as lesões sofridas na face advêm única e exclusivamente do facto da Autora circular, de forma negligente, com o casco do capacete e a viseira levantada, o tribunal a quo deveria ter excluído o dever de indemnizar da Ré, dado que, se a Autora circulasse com o casco do capacete e a viseira baixa, as lesões não teriam ocorrido.

    8) Conclui-se que o tribunal a quo aplicou de forma errada o disposto no artigo 570.º do CC, com decisão baseada exclusivamente na culpa presumida da Ré (cfr.

    artigo 570.º n.º 2 do CC), não ponderando a existência de culpa da lesada/Autora, na participação da sua responsabilidade para as lesões.

    B - DANOS PATRIMONIAIS - Despesas suportados com consultas e tratamentos médicos 9) Andou mal o tribunal a quo a condenar a Ré no pagamento de uma indemnização a título de “despesas suportados com consultas e tratamentos médicos”, mesmo conhecendo em sede de audiência de julgamento (pelo depoimento das testemunhas BB e CC) a existência de um seguro que comparticipou (total ou parcialmente) consultas e ou tratamentos médicos.

    10) A Ré não se conforma de ter sido sentenciada, sem mais, o pagamento de uma indemnização que não considera a comparticipação da seguradora que foi conhecida em sede de audiência de julgamento, que configura um enriquecimento ilegítimo e sem causa da Autora à custa do património da Ré, nos termos do artigo 473.º n.º 1 do CC.

    C - DANOS PATRIMONIAIS - Despesas médicas com tratamentos 11) Não se conforma a Ré com a condenação no pagamento com despesas com consultas psiquiátricas a que foi condenada.

    12) O tribunal a quo deu como provado que a Autora tinha possibilidades económicas para frequentar consultas de psiquiatria, mas não o fez, única e exclusivamente porque não quis, dado que nenhuma outra razão é alegada nem tampouco provada.

    13) Conclui-se que, prescindindo a Autora de tratamento psicológico na fase em que se encontraria mais abalada (nos meses e anos após o acidente), de tais consultas não necessitará no futuro.

    14) Andou mal o tribunal a quo ao atribuir uma indemnização por “perdas salariais” à Autora superior à peticiona pela própria.

    15) A própria Autora (com era seu ónus) fez as contas das perdas salariais, no total de 4.701,12€ por referência a 83 dias de trabalho.

    16) Conclui-se que o tribunal a quo, mal, ampliou o número de dias para 106 e o valor da indemnização para 6.004,25€, num claro desrespeito pelo princípio da não condenação em valor superior ao peticionado plasmado no artigo 609.º n.º 1 do CPC.

    E - DANOS NÃO PATRIMONIAIS - Dano biológico 17) A Ré não se conforma com a atribuição de uma indemnização por “dano biológico” à Autora, por inexistir prova reveladora da dor sofrida, da incapacidade permanente de que alegadamente a Autora passou a padecer e da repercussão na sua atividade profissional (designadamente o esforço acrescido que passou a fazer para exercer a sua profissão).

    18) Andou mal o tribunal a quo ao não valorar: a inexistência de declarações ou testemunho sobre a dor sofrida após o acidente e no decorrer dos tratamentos; da inexistência de declarações sobre a incapacidade permanente de que...

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