Acórdão nº 8/22.5T8GRD-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Henrique Antunes Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva Cristina Neves Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

AA requereu, no Cartório Notarial ..., se procedesse a inventário para cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha dos bens da herança aberta por óbito de BB e cônjuge, CC, da qual é co-herdeira DD.

Apresentada a relação de bens, a requerente do inventário – que exerce as funções de cabeça-de-casal – deduziu contra a co-interessada o incidente da sonegação de bens, pedindo a condenação da última a perder, em seu favor, o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados.

Fundamentou esta pretensão no facto de relativamente aos bens que relacionou sob as verbas n.ºs 1, 2, 5 a 7 e 9 a requerida ter actuado, e actuar ainda, em benefício próprio, movimentando as contas bancárias e poupanças relacionadas naquelas verbas, escondendo-lhe o destino dos bens, tendo-a enganado sobre e a existência e movimentos que realizou, bens que pertencem, em exclusivo, á herança de CC, ainda que a requerida seja co-titular de algumas das contas bancárias ou tenha poderes para as movimentar.

A requerida, pessoalmente citada no 19 dia de Janeiro de 2021 – sem que lhe sido indicada a cominação em que incorria se não deduzisse oposição – não deduziu qualquer contestação, tanto ao inventário como ao incidente da sonegação de bens.

A requerimento da cabeça-de-casal – a que requerida também não deduziu oposição – ordenou-se a remessa do processo para o Juízo Local Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca ....

Por despacho de 26 de Abril de 2022, Senhora Juíza de Direito daquele Juízo, julgou procedente o incidente da sonegação de bens e declarou que a requerida perdeu em benefício da co-herdeira e requerente o direito correspondente à sua quota ideal na herança quanto ao valor de € 227 274,96.

É esta decisão que a requerida impugna no recurso – no qual pede a sua revogação, e em substância, a sua absolvição do pedido da perda naquela declarada – tendo condensado a sua alegação nestas conclusões: 8.1) - Da citação efetuada à recorrente não resulta a indicação de qualquer efeito cominatório relativamente à falta de tomada de posição relativamente ao inventário, relativamente à relação de bens apresentada e -sobretudo, para o que ora interessa-, relativamente ao incidente da sonegação de bens.

8.2) - Aliás, acresce que nem sequer por remissão para as disposições legais ali indicadas é possível concluir pela comunicação à recorrente da existência de qualquer efeito cominatório decorrente da sua inércia.

8.3) - É que, tanto quanto se alcança de tal notificação faz-se referência ao disposto no art. 14º, n.º 2, RJPI (o qual dispõe que «a oposição é deduzida no prazo de 10 dias»), não havendo qualquer invocação, indicação ou remissão para o disposto no n.º 3 do dito artigo 14º, RJPI.

8.4) - E, assim sendo, a conclusão plasmada na decisão revidenda de que os factos dados como provados «resultam do requerimento inicial apresentado pela Requerente e cujo conteúdo a Requerida não contestou, julgando-se assim confessados tais factos, ao abrigo do disposto nos arts. 14º, n.º 3 do RJPI, 293º, n.º 3 e 567º, n.º 1, aplicável por força do disposto no artigo 549º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.», não encontra justificação na aludida citação efetuada à recorrente (nem em qualquer norma legal eventualmente aplicável).

8.5) - E, por isso, não podem os mesmos ser considerados como provados - e, em consequência, a decisão que ora se encontra em crise não tem fundamento fatual ou legal, por isso que não pode ser considerada.

8.6) - De qualquer forma, salvo o devido respeito e melhor opinião, ainda que se considerassem como provados os factos que a Sentença entendeu deverem ser dados como provados (por inércia da recorrente em impugnar os mesmos, quando sobre ela impedia tal ónus, sob pena de …), no caso dos autos não se encontram preenchidos os elementos constitutivos da sonegação de bens, tal como estão previstos no art.º 2096º, do Código Civil.

8.7) - É que não se encontra alegado qualquer facto ou circunstância susceptível de configurar a omissão de uma declaração e o dever de declarar os bens/direitos alegadamente sonegados - o que leva, necessariamente, à improcedência do pedido em tal sentido formulado.

8.8) - Acresce que também não se encontra provado (nem alegado) que os bens/direitos pretensamente sonegados pertenciam à herança, e ainda que a aqui recorrente tinha consciência de tal facto - e também por aí a falta de fundamento da decisão revidenda.

8.9)- A Sentença revidenda violou, entre outras, as normas dos art.ºs 14º, n.º 2 e n.º 3, RJPI; 293º, n.º 3 e 567º, n.º 1, Cód. Proc. Civil; e art. 2096º, Cód. Civil.

Não foi oferecida resposta.

2.

Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

2.1.

Factos provados.

O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes: 1) Consta de fls. 110 dos autos, relação de bens, apresentada pela Requerente, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzida e onde, nomeadamente, se lê: (bens próprios de CC) Inventário (Herança): - Verba n.º 1: totalidade do saldo bancário em conta da Caixa Geral de Depósitos; conta a prazo n.º ...60, em poder da herdeira DD - € 70 000,00; - Verba n.º 2: totalidade do saldo bancário em conta da Caixa Geral de Depósitos; conta à ordem n.º ...00, em poder da herdeira DD - € 498,41; - Verba n.º 5: totalidade do saldo bancário em conta no Novo Banco; conta à ordem n.º ...18, em poder da herdeira DD - € 5 576,07; - Verba n.º 6: totalidade do saldo bancário em conta no Novo Banco; conta rendimento mensal n.º ...17, cujo valor de € 49 000,00 se encontra em poder da herdeira DD, e os restantes € 49 000,00 foram transferidos pelo Novo Banco para a conta da falecida n.º ...47 – € 98 000,00; - Verba n.º 7: totalidade do saldo bancário em conta no Novo Banco, conta DP 3 anos n.º ...62, cujo valor de € 10 515,10 se encontra em poder da herdeira DD - € 21 030,80; - Verba n.º 9: saldo PPR/Seguro de Capitalização (ramo “Poupança e Investimento) n.º ...18, Aforro 2012, 1.ª série (Novo Banco) em poder da herdeira DD - € 69 185,08; - Verba n.º 10: Fundo de Investimento Dossier ...8 (FCR-Inq Papel Comercial Esi R. Forte – com 50 000,00 unidades de participação dos quais a prestação de 45 000,00 foi paga em 21.06.2019 com entrada na conta de depósitos à ordem n.º ...18, e destes o valor de € 22 500,00 se encontra em poder da herdeira DD - € 45 000,00 (…) 2) Os valores monetários integrais das verbas relacionadas são da herança, pertencendo em exclusivo à falecida CC, ainda que a Requerida possa ser co-titular de algumas dessas contas bancárias, ou tenha nas mesmas poderes para movimentação.

3) Os valores ali existentes são decorrentes de rendimentos da falecida, tais como pensões, ou seu aforro ao longo dos anos, e desde anteriormente ao momento em que a Requerida passa a figurar como titular de tais contas bancárias após perfazer 18 anos.

4) A Requerente reside em França, tendo aí o núcleo da sua vida familiar e profissional, e não mantinha contacto com Portugal nem com sua mãe.

5) A Requerida tem um filho menor que esteve a cargo da falecida, pelo que havia contacto e relacionamento familiar frequente entre a falecida e a Requerida.

6) Apenas dias após o falecimento da falecida CC (.../.../2018), a Requerida movimentou, em 18.12.2018 e quando se encontrava no ..., sem restrições os saldos bancários relacionados, fazendo-os seus, e não mais os devolvendo à herança nem dos mesmos prestando contas, e ocultando tais movimentos à queixosa, que lhe eram desconhecidos, pelas razões descritas em 4) e 5).

7) Concretamente, junto da Caixa Geral de Depósitos, a Requerida transferiu a totalidade do seu valor, que a esta...

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