Acórdão nº 281/18.3T9MBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1.

A CONDENAÇÃO RECORRIDA No processo comum singular n.º 281/18.3T9MBR do Juízo de competência genérica de Moimenta da Beira (Juiz 1), por sentença datada de 24 de Maio de 2022, foi decidido: «A.1.

Condenar o arguido, AA, como autor material, e na forma tentada, de um crime de coação, p. e p. pelos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal., contra o ofendido BB, na pena de multa de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros).

A.2.

Condenar o arguido, AA, como autor material, e na forma tentada, de um crime de coação, p. e p. pelos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal., contra o ofendido CC, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros).

A.3.

Em cúmulo jurídico das penas aplicadas e referidas em A.1.

e A.2.

, condenar o arguido, AA, na única de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros).

(…) B.

O Tribunal julga o pedido de indemnização civil, deduzido pelos demandantes, BB e CC, parcialmente procedentes e, em consequência, decide: B.1.

Condenar o demandado, AA, a pagar a cada um dos demandantes, BB e CC, a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos dos devidos juros de mora, contados desde a data da sentença, até seu efetivo e integral pagamento.

B.2.

Absolver o demandado, AA, do demais peticionado».

2.

O RECURSO Inconformado, o arguido AA recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. A decisão constante da sentença e que aqui se reproduz, enferma de nulidade, por excesso de pronuncia ou conhecimento do Tribunal, quanto à extemporaneidade da apresentação da queixa – da extinção do procedimento criminal- o que inviabiliza e torna nulo o julgamento efectuado.

2. E, pese embora o Ministério Público haja, aquando do despacho de arquivamento e acusação datado de 28 de Janeiro de 2021, apreciado e bem, relativamente aos crimes de natureza privada que a queixa apresentada foi extemporânea, porquanto os factos imputados na queixa ocorreram no dia 14 de Abril de 2018 e, esta, apenas deu entrada a 15 de Outubro de 2018, verdade é que, quanto às queixas que deram lugar à acusação pública constante do presente processo, crime pelo qual o arguido vem condenado, tal questão só foi apreciada em sede de sentença.

  1. Ora, o procedimento criminal iniciou-se na sequência da queixa-crime apresentada pelos ofendidos, independentemente da natureza da qualificação jurídica que mais tarde lhe venha a ser atribuída.

  2. Mais, a queixa-crime apresentada imputa ao arguido/denunciado, a prática de um crime de ameaça simples, logo, de um crime semipúblico, dependente de queixa e só porque veio o Ministério Público a entender que a factualidade denunciada consubstanciava a prática de um crime de coacção, é que o arguido vem acusado desses factos, nos termos do disposto no artigo 154º nº 1 e 2 do Código Penal.

  3. Mas, mesmo assim, entendemos quer num caso, quer noutro, atenta a imputação dos factos pelos assistentes, o direito de queixa extingue-se decorridos que sejam 6 meses sobre a data em que o seu titular tiver tido conhecimento dos factos delituosos e do seu autor, conforme o disposto no artigo 115.º n.º 1 do Código Penal.

  4. Assim, a queixa aqui em causa e apresentada contra o arguido AA, tendo sido apresentada no dia 15 de Outubro de 2018, com a imputação ao arguido da prática de um crime de ameaça simples p. e p. artigo 153.º do Código Penal – Vide folhas 1 e seguintes dos autos –, é extemporânea, estando já extinto o direito de queixa.

  5. Pelo que, a queixa apresentada contra o arguido AA e que está no cerne da acusação pública e condenação do arguido é extemporânea pois os alegados factos ocorreram também a 14 de Abril de 2018, tendo os ofendidos conhecimento imediato dos mesmos e do seu alegado autor, mas apenas apresentaram queixa a 15 de outubro, ou seja, mais de seis meses após a alegada prática dos factos.

  6. Foi o arguido condenado pela prática de dois crimes p. e p. pelo artigo 154º nº 1 e 2 do CP que dispõe: - Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. 2 - A tentativa é punível., mas, entende o arguido que da factualidade que resultou provada em juízo em caso algum poderá ser condenado pelo crime em causa.

  7. É míster no crime de coacção que o visado se comece a comportar como o agente quer, pratique a acção ou omissão pretendida pelo agente ou suporte a actividade por este querida. Ora, se nenhum destes requisitos se vier a demonstrar, não estão preenchidos os requisitos deste tipo legal de crime de coacção, quando muito, podemos cair na previsão do crime de ameaça, já que a coacção é um crime de resultado, enquanto a ameaça é de perigo.

  8. No crime de coacção, exige-se a verificação do resultado para a sua consumação, ou seja, exige-se que a pessoa objecto da acção de coacção tenha efectivamente sido constrangida a praticar a acção, a omitir a acção ou a tolerar a acção, de acordo com a vontade do coactor e contra a sua vontade. Mas basta-se com o simples início da execução da conduta coagida, sendo suficiente para a consumação, se o objecto da coacção for a prática de uma acção, que o coagido inicie esta acção.

  9. Ensinando ainda a este propósito o Prof. Américo Taipa de Carvalho In Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 358., o que supra se deixou transcrito.

  10. E, no caso em apreço, resultou provado da ponderação acertada de todos os depoimentos prestados, que os assistentes, depois da troca de palavras com o arguido, que não se aceita ter sido nos moldes que vieram a ser dados como provados em sentença, mas que se coloca para efeitos de raciocínio, CONTINUARAM A TRABALHAR NO MESMO PRÉDIO EM QUE SE ENCONTRAVAM.

  11. Os assistentes não adequaram o seu comportamento face ao referido pelo arguido, não tendo sido privados da sua liberdade, não saído do local, tendo continuado a executar os trabalhos de limpeza como se nada se tivesse passado.

  12. Não houve qualquer temor, receio, ou medo sequer que fizesse os assistentes condicionar os seus comportamentos por força das alegadas palavras proferidas pelo arguido: “sai daqui senão corto-te o pescoço”….”sai daqui senão termino o que devia ter feito há dias, desta vez avio-te com a pá”.

  13. Para a consumação do crime de coacção era imperativo que os ofendidos se comportassem no sentido do referido pelo arguido ou seja que tivessem saído de imediato daquele local/prédio adequando assim as suas condutas ao “mal anunciado” pelo arguido.

  14. Aliás e, antes, do processo resultou que os ofendidos não adequaram nenhuma das suas condutas àquele “mal anunciado” tendo continuado a fazer o que estavam ou o que tinham destinado a limpar o terreno, como se nada fosse.

    Veja-se a este propósito o testemunho dos ofendidos, das testemunhas por estes arroladas (seus familiares) e as restantes testemunhas: Assistente BB, ouvido no dia 23-11-2021, cujo depoimento se encontra gravado em sistema sonoro de 15:31:19 a 15:51:48.

    “Durante aquele dia o Sr. sentiu os seus movimentos de alguma forma limitados?” (15:29-15:51) “Oh Sr. Dr. havia alturas que eu nem estava a pensar direito…então se a gente está…entra assim, põem logo uma motosserra no pescoço de uma pessoa… trabalhei à vontade…andava sempre a olhar para trás… e as vezes parava uns bocadinhos estava lá sentado…” (20:10-20:18) “Tínhamos a limpar outros terrenos e íamos limpar aquele…também era nosso…” “E o que fizeram durante o dia todo?” (20:19-20:27) “O que fizemos durante o dia todo? Continuamos a limpar o terreno…aquele terreno…” Assistente CC, ouvida no dia 23-11-2021, cujo depoimento se encontra gravado em sistema sonoro de 15:52:32 a 16:09:54.

    Dr. DD: “Durante o período que a senhora esteve ali, ficou ali até quando?” (10:06-10:17) “Ficamos ali até à hora do almoço, e fomos almoçar e voltamos de tarde…” E depois nesse dia passou-se mais alguma coisa?” (04:28-04:51) “Aquilo ali depois, bom, sinceramente se formos a contar isto, eu andei lá a limpar com a roçadeira até as 3h, 3h30 mais ou menos da tarde e se formos a ver, ele provocou quase todo o dia mas eu disse para o meu cunhado “Opa…deixa lá…” “O que conseguiram limpar?” (16:59-17:01) “Limpamos o terreno todo…” “Outra coisa: Diz a senhora que depois aquilo acabou, depois até foram almoçar e tal…Diz a Sra. que o Sr. AA andou o resto do dia a provocar…Aquilo não ficou mais calmo? Voltaram a discutir?” (08:33-09:01) Testemunha EE, ouvida no dia 19-01-2022, cujo depoimento se encontra gravado em sistema sonoro de 15:40:42 a 16:09:29.

    “Depois disso o Sr. AA, ficou lá não ficou? Os outros ficaram?” (02:59-03:38) “Eles andaram lá todo o dia, todos manteram-se lá todo o dia…Apercebi-me que o Sr. AA diz que tinha ligado para a GNR, connosco não foram ter connosco a GNR…tiveram na estrada a falar com o Sr. AA e com a Dona EE…” Testemunha FF, ouvida no dia 19-01-2022, cujo depoimento se encontra gravado em sistema sonoro de 16:10:28 a 16:53:54.

    “E depois como acabou isso?” (11:39-12:10) “E depois o Sr. AA foi mais para a frente para ao pé de nós e eles pegaram numa motosserra e cortaram os carvalhos todos diziam que aquilo era tudo deles…” “Os Srs. dos tractores e as senhoras que chegaram, estiveram lá todo o dia, foram embora?” (16:03-16:51) “Não..Todo o dia, tiveram lá todo o dia…até que nós chegamos ao meio da tarde.. nós almoçamos lá…eles foram almoçar a casa, saíram com os tractores na hora de almoço com certeza foram a casa comer…voltaram duas e qualquer coisa, duas e pouco…” “E enquanto lá estiveram, o que...

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