Acórdão nº 4/22.2T8PBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Data da Resolução12 de Julho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra Proc.º n.º 4/22.2T8PBL.C1 1.-Relatório 1.1.- A Requerente AA propôs a presente acção com processo especial para prestação de contas contra BB e CC.

Visa, para tanto, que os mesmos sejam condenados a prestar contas nos presentes autos.

Invocou a Requerente AA, no seu requerimento inicial, que é, tal como os Requeridos BB e CC, descendente e herdeira de DD e de EE. Os quais faleceram, respectivamente, em 8 de Julho de 2013 e em 22 de Dezembro de 2018. Estabelecendo, ademais, que os Requeridos BB e CC, após o fenecimento de DD, se apoderaram dos cartões de acesso às contas bancárias dos progenitores. Tendo concretizado movimentações bancárias sem nunca justificar os correspondentes movimentos. No que considera que os Requeridos BB e CC administraram as contas bancárias de DD e de EE ao ponto de lhe assistir o direito de exigir prestação de contas pela actuação desenvolvida.

*** 1.2. - Citados que foram os Requeridos BB e CC, foi oferecida a contestação de fls. 20. Onde aqueles põem, desde logo, em causa a existência de uma qualquer obrigação de prestar contas. Refutando que tenha ocorrido administração de bens alheios, o que, aliás, invocam também não estar evidenciado ou alegado no requerimento inicial. Refutando, por outra via, que se tenham apoderado de um qualquer cartão bancário.

*** 1.3.- Foi proferido despacho a fls. 54 por intermédio do qual se convidou a Requerente AA a alegar factos que permitissem aferir, por referência ao artigo 941.o do Código de Processo Civil, se existe uma efectiva obrigação de prestação de contas. E, como tal, se ocorreu uma relação de administração de bens alheios.

*** 1.4. - A Requerente AA ofereceu então o articulado de fls. 58 onde, no essencial, renova o já anteriormente explicitado.

Cumpre, pois, solucionar, ainda que nos termos sumários previstos no n.o 3 do artigo 942.o do Código de Processo Civil, o litígio posto em relevo.

O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e da nacionalidade, o processo encontra-se isento de nulidades que o invalidem na totalidade, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente patrocinadas.

Não há outras nulidades ou excepções dilatórias que cumpra, para já, conhecer.

Após foi proferida decisão do seguinte teor: “Estabelece o artigo 942.o do Código de Processo Civil, sob a epígafe «Citação para a prestação provocada de contas», que 1 - Aquele que pretenda exigir a prestação de contas requer a citação do réu para, no prazo de 30 dias, as apresentar ou contestar a ação, sob cominação de não poder deduzir oposição às contas que o autor apresente; as provas são oferecidas com os articulados.

2 - Se o réu não quiser contestar a obrigação de prestação de contas, pode pedir a concessão de um prazo mais longo para as apresentar, justificando a necessidade da prorrogação.

3 - Se o réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor pode responder e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º; se, porém, findos os articulados, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa.

4 - Da decisão proferida sobre a existência ou inexistência da obrigação de prestar contas cabe apelação, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

5 - Decidindo-se que o réu está obrigado a prestar contas, é notificado para as apresentar dentro de 20 dias, sob pena de lhe não ser permitido contestar as que o autor apresente.

A tramitação legalmente prevista para esta tipologia de processo desdobra-se, como tal, em dois momentos... Um primeiro centrado na aferição se os visados estão obrigados a prestar contas e uma segunda fase em que, a dar-se resposta afirmativa àquela primeira indagação, serão as mesmas prestadas e se aferirá da correspondente bondade.

A primacial questão a decidir nesta fase centra-se, pois, no saber se os Requeridos BB e CC concretizaram uma qualquer administração do património de DD e EE. Temática por reporte à qual Tribunal está já em condições de se pronunciar atentas as posições assumidas pelos sujeitos processuais nos seus articulados. E sem necessidade, como tal, de qualquer diligência ou produção probatória adicional.

Estipula, nesse sentido, o artigo 941.o do Código de Processo Civil que a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação do saldo que venha a apurar-se.

Decorre deste normativo, como constitui jurisprudência pacífica, que a obrigação de prestação de contas está diretamente relacionada com a qualidade de administrador em que o obrigado se encontra investido relativamente a bens que lhe não pertencem ou não pertencem por inteiro e cuja administração lhe foi confiada (Conferir, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 1975, in BMJ, n.o 243, página ).

. A propósito de norma equivalente, escreveu, aliás, ALBERTO DOS REIS que “pode formular-se este princípio geral: quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses (...) A questão de saber quando existe a obrigação de prestação de contas, é questão de direito substantivo, a decidir segundo as disposições da lei civil ou comercial que for aplicável ou mesmo da lei processual, funcionando como lei substantiva” (cfr. ALBERTO DOS REIS, in Processos Especiais, volume I, reimpressão, 1982, página 303).

Como elemento estruturante desta obrigação, que lhe serve de pressuposto e fundamento, está o dever de informação. Que se encontra previsto no artigo 573.o do Código Civil como a obrigação que se impõe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias. ( cfr. 3 SINDE MONTEIRO, in Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, página 410)...

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