Acórdão nº 1444/19.0T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO MONTEIRO
Data da Resolução12 de Julho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: AA e BB propuseram ação contra CC, pedindo que seja declarada a existência de uma servidão de passagem, constituída por usucapião, e o Réu condenado a repor a passagem e a retirar o portão lá colocado, abstendo-se de praticar quaisquer atos que impeçam a sua utilização por parte dos Autores.

Alegam, para tanto, em síntese: O seu prédio, que identifica, confronta com o do Réu, também identificado, não tem qualquer comunicação com a via pública.

Os Autores utilizam, amanham e retiram os frutos do seu imóvel, cujo acesso sempre foi realizado pelos próprios e pelos seus antepossuidores, pelo menos desde 1947, através da serventia localizada a sul do referido prédio, sendo tal serventia utilizada desde tempos imemoriais pelos proprietários de prédios rústicos circundantes.

A utilização de todos é efetuada há mais de 20 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, e na convicção de exercerem um direito próprio correspondente a tal atuação, ou seja, o direito de passar pela referida servidão predial.

A passagem revelava-se por sinais visíveis e permanentes de terra calcada ou pisada, formando um trilho desprovido de qualquer vegetação.

Há cerca de 10 anos, na serventia, o Réu construiu um prédio urbano, sendo que, recentemente, há alguns meses, o Réu colocou um portão a impedir a passagem por essa serventia.

O Réu apresentou contestação e deduziu reconvenção; em síntese: O Réu aceita a propriedade dos prédios e admite que o prédio dos Autores é um prédio encravado.

Os Autores têm acesso e acedem ao seu prédio, muito esporadicamente, uma vez por ano, por uma faixa de terreno inculta (apenas com mato rasteiro) e com leito pouco definido, situada nos prédios situados entre o seu e o caminho público a nascente, atravessando o prédio confinante com o seu a nascente, aparentemente pertencente a outrem.

O portão a que aludem os Autores substituiu outro, de duas folhas, em ferro pintado de cor negra, que ali foi colocado pelos pais do Réu, DD e EE, logo após a compra do imóvel, em 23 de agosto de 1982, ainda nesse mesmo ano, logo há mais de 20 anos.

O Réu pede que seja declarada extinta a servidão que eventualmente se tenha constituído no seu prédio nos termos do artigo 1574.º do Código Civil, alegando que há mais de vinte anos que impediram os Autores de aceder pelo seu prédio.

Peticiona, subsidiariamente, caso se reconheça a existência da servidão, seja reconhecido ao Réu o direito de se subtrair a tal encargo, adquirindo o prédio encravado dos Autores pelo seu justo valor, nos termos do artigo 1551.º do Código Civil.

O seu prédio contém uma construção, tendo natureza urbana, e tem um terreno adjacente, que constitui o logradouro, que se encontra vedado com um muro em betão com mais de um metro de altura e o chão pavimentado com calçada portuguesa, local por onde os Autores pretendem passar. O prédio dos Autores tem a natureza rústica e é composto por pinhal e mato, tendo um valor de €1.375,00 (mil, trezentos e setenta e cinco euros).

* Na audiência de 14/10/2021, os Autores pediram a alteração do pedido, admitida nos termos do art. 265º, nº3 do C.P.C., ficando a constar “ser declarada a existência de uma servidão de passagem, constituída por usucapião, de pé, carro e trator a favor dos Autores, a sul a norte do prédio do Réu, ao longo da estrema poente do prédio dos Autores e do lado nascente do prédio do Réu, com cerca de 3 metros de largura, sendo o Réu condenado a reconhecer tal servidão”.

* No final foi proferida a seguinte sentença: Declarar a existência e a constituição do direito de servidão de passagem de pé, carro e trator, por usucapião, onerando o prédio urbano destinado à habitação, sito na Torre ..., ..., ..., a confrontar do norte com FF e FF, do sul com estrada pública, a nascente com GG e HH e do poente com II, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...30, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...50, registado em nome do Réu CC, a favor do prédio rústico composto por pinhal e mato, sito em ... – ..., a confrontar do norte com JJ, do sul e nascente com HH e do poente com KK, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...88, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...81, registado em nome da Autora AA, casada com o Autor BB sob o regime de comunhão geral de bens, com início no limite norte do prédio do Réu, onde confronta perpendicularmente com caminho público, ao longo da estrema poente do prédio dos Autores e, e até este, com cerca de 3 metros de largura, com a seguinte configuração assinalada a vermelho apenas na parte integrante do prédio do Réu: Condenar o Réu CC a demolir imediatamente o murete que se encontra a bloquear o caminho de servidão referido, construído na estrema poente do prédio rústico dos Autores AA e BB; Absolver o Réu CC do demais peticionado; Julgar a reconvenção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvendo dela os Autores AA e BB.

* Inconformado, apresentou o R. recurso, com as seguintes conclusões: «1. Tendo pedido que fosse “...

declarada a existência de uma servidão de passagem, constituída por usucapião, de pé, carro e tractor a favor dos Autores, a sul do prédio do Réu, ao longo da estrema poente do prédio dos Autores e do lado nascente do prédio do Réu, com cerca de 3 metros de largura...

”, os autores não identificam suficientemente o leito da alegada servidão, revelando-se, na alegação dos AA, relativamente indeterminada.

  1. Pelo que, nos termos do artigo 186º, nº 1 e nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, o presente processo é nulo, por ostensiva ineptidão da petição inicial.

  2. Tendo os AA pedido que fosse “...declarada a existência de uma servidão de passagem, constituída por usucapião, de pé, carro e tractor a favor dos Autores, a sul do prédio do Réu...

    ” e posteriormente, após a produção da prova e a produção de alegações, modificado o pedido, no sentido que, afinal a servidão ser constituiu a norte, ocorreu uma alteração do pedido.

  3. Nos termos do artigo 264.º do Código de Processo Civil, a alteração do pedido carece de acordo das partes, tendo o R declarado não dar consentimento, pelo que o pedido não pode ser modificado nos termos do referido artigo 264.º.

  4. Decidiu o tribunal a quo pela aplicação, in caso, da norma do artigo 265.º, n. 2, do Código de Processo Civil, nos termos ada qual o Autor pode em qualquer altura reduzir e pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão na 1.ª instância, se a ampliação for de desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.

  5. Não será por acaso que a norma fala em “ampliação” (a redução é livre, como é sabido). Ainda que consideremos dentro do conceito de ampliação, uma aceção mais do que quantitativa, também qualitativa, ainda assim, não conseguimos ver acolhida na previsão legal a alteração preconizada pelos AA., 7. O que verdadeiramente decorre da modificação do pedido feita pelos AA é uma alteração, quer quanto à localização, quer quanto à extensão da invocada servidão, passando do lado sul para o lado norte e a extensão agravada em três a quatro vezes relativamente ao percurso inicialmente pedido, não se comportando na previsão e limites do artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

  6. Tendo o R organizou toda a sua defesa e prova, no pressuposto de que os AA queriam ver declarada a servidão a sul, admitindo a alteração do pedido, nos sobreditos termos, depois de produzida toda a prova, o tribunal a quo faz tábua rasa dos mais elementares princípios do processo civil, nomeadamente, do dispositivo e do contraditório. havendo, também, por isso, de declarar-se nula.

  7. O tribunal a quo deu como provado que “Os pais do Réu construíram um murete, ainda antes da construção da casa de habitação referida em 4.1.6., no lado poente do prédio descrito em 4.1.1., que confronta com o prédio descrito em 4.1.3., de blocos pré moldados e de betão, que veda qualquer possibilidade de acesso ao prédio descrito em 4.1.1., pelo lado norte, de todas as formas, seja veículo, tractor ou a pé.”, quando, o depoimento das testemunhas indicadas pelos AA, que mereceram a credibilidade do julgador, apontam para o facto de tal murete ter sido contruído há mais de 30 anos; facto que deveria ter-se acolhido na matéria provada, dada a sua relevância para o primeiro pedido reconvencional formulado pelo do R (usucapio libertatis) 10. Outrossim, deveria (deverá) dar-se por provado que: 4.1.7. Os pais do Réu construíram um mureto, ainda antes da construção da casa de habitação referida em 4.1.6., há 30 ou mais anos, no lado poente do prédio descrito em 4.1.1., que confronta com o prédio descrito em 4.1.3., de blocos pré moldados e de betão, que veda qualquer possibilidade de acesso ao prédio descrito em 4.1.1., pelo lado norte, de todas as formas, seja veículo, tractor ou a pé.

  8. O tribunal a quo deu como provado que: “4.1.11. O prédio descrito em 4.1.1. (assinalado a cor amarela na imagem que se segue), não tem acesso directo à via pública, confrontado com outro prédio rústico, com características de vinha (assinalado a cor verde na imagem que se segue), que não o do R (assinalado apenas a área onde está implantada a casa de habitação, a cor azul na imagem que se segue), que bate com caminho público (assinalado a cor lilás na imagem que se segue).” 12. O ponto deveria, tão, só, evidenciar tal facto, posto que apenas tal facto foi alegado pelos AA, revelando-se o mais, aliás, ostensivamente divergente da realidade. Com efeito, não há forma de contrariar o que a própria imagem acolhida pela sentença evidencia: o prédio dos AA não confina com a via pública, confinando com vários outros prédios rústicos. E não apenas com “outro prédio rústico” assinalado. Pugnando-se pela alteração da redacção deste ponto neste sentido: o prédio dos AA não confina com a via pública, confinando com vários outros prédios rústicos.

  9. Admitiu a douta sentença como provado que...

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