Acórdão nº 62/21.7T8SEI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO MOREIRA DO CARMO
Data da Resolução12 de Julho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - Relatório 1.

AA, residente na ..., instaurou acção declarativa contra BB e CC, residentes em ..., pedindo se declarem ineficazes as 2 doações dos imóveis identificados na petição inicial, efetuadas, em 16.9.2019, entre o primeiro réu (doador) e a segunda ré (donatária), sendo os mesmos restituídos ao património do primeiro réu, para que a autora os aí possa executar, na medida do seu crédito.

Para tanto, alegou, em síntese, ser titular de um crédito sobre o primeiro réu, que se encontra em execução no Tribunal ..., onde lhe foram penhorados os prédios identificados no artigo 3º da p.i., únicos bens conhecidos ao executado e sobre os quais já pendia penhora fiscal. Que o primeiro réu, depois da constituição do crédito da autora e referidas penhoras, em conluio com a segunda ré, sua mãe, doou tais prédios a esta, para, assim, causar prejuízo à credora autora.

Os réus, em contestações autónomas, pugnaram pela improcedência da acção, alegando, para o efeito, que não estão preenchidos os pressupostos da impugnação pauliana, impugnando, por um lado, o alegado conluio e, por outro lado, alegando que a autora já tinha registadas as penhoras anteriormente à realização da doação.

A autora respondeu, alegando, que a doação foi efetuada para defraudar os credores e que quando o primeiro réu fez a doação à segunda ré havia, entretanto, adquirido mais ¼ do segundo prédio, não tendo sido efetuada a penhora sobre essa proporção do direito de propriedade.

Realizou-se audiência prévia das partes, na qual se deu oportunidade às partes de se pronunciarem relativamente à possibilidade de conhecimento imediato do mérito da causa, tendo estas dito que nada tinham a acrescentar.

* Foi proferido saneador-sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR do pedido.

* 2. A A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões: I.

O presente recurso versa a questão de direito, sendo nesta dimensão deixada ao superior veredicto do Tribunal “ad quem”, adentro do poder cognitivo.

Assim: II.

Pela presente ação de impugnação pauliana, a Recorrente alegou e provou que o Recorrido é devedor de €40.546, 43, desde 3.04.2018, não tendo outros bens ou rendimentos além das ajuizadas frações autónomas (fração “AD” e ½ de “B”) as quais foram alienadas por doação em 16.09.2019.

III.

E passou a ser aquisição processual ser a A. titular do direito de crédito sobre o devedor/alienante desse valor de €40.546,43; que esse ato de disposição envolve diminuição da garantia patrimonial desse seu crédito; e ser anterior à alienação, de natureza gratuita.

IV.

Mau grado estar reunidos os pressupostos e requisitos para a subsunção ao instituto da impugnação pauliana, o Tribunal “a quo”, entendeu que em concreto não existia direito à Impugnante, alegadamente por existirem já penhoras sobre esses bem, que, por natureza, realizam a mesma finalidade e, outrossim, mesmo estando dado por assente que a penhora sobre a fração “B” seja quanto a ¼ (e não ½, como alienado), essa questão não e(ra) atendível nem pronunciável pelo deferimento da providência face à insuficiência de alegação aportada ao item 3 da P.I..

Ora, V.

O sentido da impugnada decisão vincula-se e basta-se a entendimento do instituto da impugnação pauliana, como se os efeitos relativamente ao credor da clamada providência (artigo 616 do Código Civil), se identifiquem ou esgotem com o efeito conseguido pela penhora.

VI.

Porém, o deferimento da providência impugnatória embora no limite também preveja a restituição do valor do bem pela venda, na medida da satisfação do reconhecido crédito potencia que nesse ínterim os rendimentos e frutos revertam à titularidade do devedor e sejam autonomamente penhorados.

VII.

Em abstrato, as conformadas penhoras, de per si, não excluem o direito à clamada providência, a dever ser reconhecido, inexistindo falta de direito “pro actionem”.

VIII.

E, em concreto, havendo impugnação dos dois atos da disposição, é sobre os documentados direitos de propriedade, na totalidade sobre a fração “AD” e ½ sobre a fração “B” que se impunha a pronúncia da providência.

IX.

A impugnação pauliana destina-se a atingir os atos geradores da transmissão de propriedade, cujo direito lhe estão subjacentes e são próprios e que foram documentados.

X.

A imprecisão da alegação do artigo 3.º da P.I., encontrada inesperadamente pelo julgador “a quo”, sem suscitar essa questão em particular em audiência prévia, nem usar o poder/dever de tanto mandar corrigir ou suprir, pese o contraditório aportado em sede de adrede pronúncia, é causal de nulidade da sentença, expressamente arguida – alínea d) n.º 1 do artigo 615 e 590 n.º 4, ambos do Código de Processo Civil.

XI.

Sem embargo, sempre concorrem os pressupostos ao deferimento da providência, nos termos do disposto no instituto da impugnação pauliana (artigos 610 a 618 do Código Civil), pela singela razão de que a mudança de titularidade do devedor sobre os bens limita ao credor a satisfação do seu crédito pela penhora autónoma dos respeitantes rendimentos e frutos no ínterim até à venda, pela penhora, se, quando, e em caso disso.

XII.

In casu, o crédito é avultado, há garantias registadas preferenciais e vicissitudes executivas com suspensão da instância executiva fiscal e os atos impugnados furtaram o devedor relapso à manutenção da penhora de rendas sobre (pelo menos) o bem da fração “B”, como o documento 3 inculca.

XIII.

Finalmente, ainda que se entendesse, no que se não concede, que a penhora sobre a fração “B” satisfaz quanto a esse bem as finalidades prosseguidas pela providência a decretar, sempre se prefigura situação e direto à providência quanto a ¼ da fração “B”, sem penhora e desse jeito sem tutela.

XIV.

Decidindo em contrário e em desconformidade, violou a sentença recorrida o instituto da impugnação pauliana plasmado e ínsito nos artigos 610 a 618 do código civil, vinculando-se e conferindo-lhe entendimento que não resulta desses preceitos, máxime do artigo 616, mas como se deles derivasse, assim violados, em declarando erro de julgamento.

XV.

Deve ser concedido provimento ao recurso no alcance sobreditamente propugnado pelo decretamento de providência e, sempre, quanto à doação do bem da fração “B”, no concernente ao restante 1/4.

XVI.

Se assim não se entender sempre a decisão carece de nulidade pela invocada falta de gestão processual devida, tendo sido violados os artigos 590 n.º 2 al. b), 3 e 4 e 615 do Código de Processo Civil.

Termos em que, e nos melhores de Direito, suprido e doutamente o omitido deve ser dado provimento ao recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida, assim se fazendo acostumada Justiça.

  1. A R. contra-alegou, concluindo que: 1.º A douta e irrepreensível sentença proferida pelo Juízo Central Cível e Criminal ..., do Tribunal Judicial da comarca ..., a 21 de janeiro de 2022, não merece qualquer reparou ou censura, tendo o tribunal a quo feito uma correta aplicação do direito à factologia assente.

    1. A Recorrente não logrou demonstrar, em qualquer momento, os fundamentos essenciais de procedência da ação pauliana por si intentada, quer em 1.ª instância, quer em sede de recurso.

    2. O simples facto abstrato de, através da impugnação pauliana, ser possível realizar a penhora dos rendimentos e frutos dos bens objeto de doação, não justifica, por si só e em concreto, o recurso à figura da impugnação pauliana, sendo necessário ficar demonstrado que o ato praticado tornou impossível (ou agravou a impossibilidade de) satisfazer o crédito do credor.

    3. Sendo que o pretendido pela Autora/Recorrente, através da ação, é a restituição dos bens ao património do 1.º Réu para “a cabal execução das penhoras já efetivadas” – veja-se o artigo 9.º da petição inicial –, não se vê como possa ser necessária ou útil a impugnação pauliana, considerando que os bens cuja doação se vem impugnar já tinham, sobre eles...

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