Acórdão nº 2999/21.4T8CBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO AREIAS
Data da Resolução12 de Julho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n° 2999/21.4T8CBR-A.C1 – Apelação Relator: Maria João Areias 1° Adjunto: Paulo Correia 2° Adjunto: Helena Melo Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO C..., Lda. intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra AA, pedindo: que se decrete a exclusão da sócia ré e que esta seja condenada no pagamento de uma indemnização por danos sofridos, a ser fixada com recurso à equidade, em montante não inferior ao valor a que terá direito a receber pela sua quota, e que deverá perder a favor da autora ou, quando assim se não entenda, em montante a liquidar ulteriormente.

A Ré apresenta contestação, invocando, entre outras, a exceção de prescrição/caducidade da presente ação por se encontrar decorrido o prazo de 90 dias para a autora deliberar e exercer o direito de excluir judicialmente a Ré, nos termos do art. 240º do CSC.

A autora vem responder a tal exceção, no sentido da sua improcedência, alegando que a sociedade não se encontra obrigada a obedecer a qualquer prazo especial para o exercício do seu direito de exclusão de sócio, para além do prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no art. 309º do CC.

Pelo Juiz a quo foi proferido Despacho Saneador, a julgar improcedentes as demais exceções invocadas pela ré, “julgando parcialmente procedente a exceção de prescrição suscitada, absolvendo, a ré do pedido de exclusão como sócia” e determinando o prosseguimento da ação para conhecimento do segundo pedido indemnizatório formulado.

* Não se conformando com o decidido quanto à improcedência de tal exceção, a Autora dela interpõe recurso de Apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões: I – O presente recurso cinge-se à parte do douto Despacho Saneador em que se julga parcialmente procedente a exceção de prescrição suscitada e, consequentemente, se absolve a Ré do pedido de exclusão como sócia da sociedade Autora; II – A causa de pedir nos presentes autos assenta no comportamento desleal da Ré, traduzido no favorecimento da atividade concorrencial por outra sociedade, com objeto idêntico ao da Autora, de que é sócio e gerente o filho da Ré; III – No Código das Sociedades Comerciais, o direito de exclusão de sócio está previsto em duas vertentes distintas, uma de fonte contratual e outra de fonte legal.

IV - O direito exercido pela Autora por via desta ação, de exclusão judicial de sócio, trata-se de um direito potestativo extintivo, do qual é titular a própria sociedade; que é conferido pela cláusula geral enunciada no artigo 242.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais; V – Foi entendimento erróneo do Tribunal a quo que “o prazo de prescrição para o exercício do direito de exclusão é de 90 dias, ocorrendo a prescrição do direito se não houver deliberação dos sócios no prazo de 90 dias a contar do conhecimento do facto que serve de fundamento à exclusão e se após a deliberação a ação não for intentada no prazo de 90 dias”; VI – Considerou para tanto que, não estabelecendo o artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais qualquer prazo para o exercício do direito de exclusão judicial de sócio, será de aplicar o prazo de prescrição de 90 dias que vale para o caso da exclusão por deliberação prevista no n.º 2 do artigo 241.º do mesmo Código, que considera análogo; VII – Sucede que, a exclusão judicial do sócio por via da cláusula geral do n.º 1 do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais trata-se de uma situação absolutamente distinta da exclusão por mera deliberação social com fundamento em factos fixados no contrato: em que basta a simples verificação factual de um evento objetivamente previsto no pacto social para do mesmo se possa retirar a respetiva consequência jurídica; VIII – Subjacente ao direito à exclusão judicial está uma questão bem mais complexa, que envolve a formação de um juízo fundamentado de desvalor, à luz do princípio da lealdade e do bom funcionamento da sociedade, da conduta imputada ao sócio; bem como a avaliação da prejudicialidade dos factos em face do interesse da sociedade; IX – Desse juízo tem de resultar uma gravidade e prejudicialidade que torne inexigível a manutenção do sócio na relação de participação na sociedade; X – O que faz repercutir na sociedade, para fazer valer o seu direito, o ónus de alegação e da prova dos factos imputados ao sócio, em todos os aspetos e vertentes que sejam revelantes à boa decisão da causa, por forma a que dos mesmos o Tribunal possa extrair as consequências que, em termos abstratos, a lei prevê o seu autor; XI – Não basta, assim, uma simples deliberação declarativa do direito, contrariamente ao que sucede com o direito à exclusão de sócio de fonte contratual.

XII – A subsunção dos factos concretos, da vida real, praticados pelo sócio, à cláusula geral prevista no n.º 1 do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais, impõe um mais profundo e detalhado exercício de exegese, que é manifestamente incompatível com o “curto prazo de prescrição” aplicável à simplificada exclusão do sócio por força do contrato, alcançável pela mera verificação de um facto objetivo e tipificado; XIII – Sendo que, só após a formulação desse juízo, e da respetiva decisão do Tribunal que aprecie e julgue a conduta do sócio, é que os factos que lhe são imputados pela sociedade adquirem a eficácia constitutiva do direito à exclusão do sócio; XIV – No caso concreto dos autos, o prazo de 90 dias não é justificado, nem razoável; sendo necessário um prazo mais longo, não só para que a sociedade adquira o pleno conhecimento de todos os elementos constitutivos do direito que lhe compete, mas também para que se prepare convenientemente para o fazer valer na instância judicial; XV - Aliás, como se pode ler no douto Ac. TRE de 27.10.1991: “(…) a natureza e gravidade de que se deve revestir o procedimento de um sócio para que, segundo o n.º 1 do art. 242.º do Código das Sociedades Comerciais possa ser excluído judicialmente da sociedade, justifica, inteiramente, que não se tenha estabelecido prazo para a propositura da respectiva acção” – in Colectânea de Jurisprudência, 1991, 4.º, pág. 316 e ss.

XVI – Nenhum dos demais casos invocados no douto Despacho recorrido é análogo ao exercício do direito á exclusão judicial do sócio por via da cláusula geral do n.º 1 do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais, respeitando a situações e finalidades diferentes – sendo para além do mais manifesta a objetividade dos factos, todos eles típicos, que em cada uma daquelas situações determina o efeito jurídico visado pela norma e que torna admissível a fixação de um curto prazo de prescrição de 90 dias; XVII – E nenhum deles carece de intervenção judicial para a produção de efeitos; XVIII – A circunstância de o prazo de 90 dias ser comum para a definição de diversos direitos de titulares de quotas ou da gerência no Código das Sociedades Comerciais não o torna, de modo algum, um prazo supletivo, muito menos o aplicável, nem por analogia, ao exercício do direito à exclusão judicial de sócio, para o qual a lei não prevê prazo especial; XIX – Foi intencionalmente que no Código das Sociedades Comerciais não se fixou nenhum prazo para a propositura da ação destinada à exclusão judicial de sócio; nem se compreenderia que, tendo-se no n.º 3 do artigo 242.º (relativamente à amortização da quota do sócio excluído por decisão judicial), ou no n.º 3 do artigo 240.º (relativamente à intenção de exoneração de sócio), estabelecido prazos, não tenha o legislador procedido do mesmo modo relativamente à deliberação da propositura da acção de exclusão judicial de sócio; e que não fixado tal prazo, nem sequer por remissão para outra disposição legal, tal como fez expressamente quanto ao prazo para a deliberação sobre a exclusão de sócio por força do contrato no n.º 2 do artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais.

XX – Não há qualquer lacuna ou omissão: não estabelecendo o artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais qualquer prazo para o exercício do direito, deverá ter-se em conta o prazo ordinário de prescrição, não estando a sociedade obrigada a obedecer a qualquer prazo especial; XXI – Neste sentido já se pronunciou a mais alta instância judicial nacional – cfr- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/10/2003, Proc. 5499/02, consultável em www.dgsi.pt.

XXII – Mesmo que assim se não entenda, ao estarmos perante um caso eventualmente omisso, este não deve ser resolvido a partir de uma qualquer similitude de carácter lógico-formal, sendo antes necessário que a razão substancial justificativa da solução contida na norma proceda em relação ao caso omisso, mesmo que entre as situações se verifiquem diferenças de forma ou de conteúdo – neste sentido, cfr. A. VARELA, RLJ, ano 115, pág. 348.

XXIII – O prazo para o exercício do direito em causa nos presentes autos, desde logo pela sua natureza, gravidade e complexidade, terá as mesmas razões justificativas que admitem o prazo de prescrição de 5 anos para o exercício do direito judicial à indemnização, nos termos do disposto no artigo 174.º n.º 1 alínea b) do Código das Sociedades Comerciais; não fazendo qualquer sentido para o prazo para o exercício do direito à exclusão judicial do sócio, que assenta na mesma matriz axiológica, seja porventura diferente daquele; sendo esta a interpretação e...

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