Acórdão nº 125/20.6T8TND.C1-A de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução12 de Julho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Nos autos de inventário para partilha de bens da herança de AA, em que são interessados BB (requerente), CC (cabeça-de-casal) e DD, esta reclamou contra a relação de bens referindo a omissão de relacionamento de créditos (da reclamante), de bens móveis e de um imóvel, e a exclusão da “verba n.º 1” (quantia de € 159 000 existente em depósito a prazo), ou, se assim não se entender, que se relacione como crédito da reclamante o montante de € 13 753,50, relativo a imposto de selo que pagou pela participação dos montantes em numerário existentes nas contas bancárias.

A cabeça-de-casal respondeu à reclamação: refutou a omissão de créditos, opôs-se à exclusão da “verba n.º 1” e aceitou o relacionamento dos restantes bens (móveis e imóvel).

Foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a reclamação, pelo que: A) Reconheceu os créditos da reclamante sobre a herança relativos a despesas de funeral (€ 1 660); B) Reconheceu o crédito da reclamante sobre a herança relativo à devolução do montante indevidamente pago a título de reforma à inventariada (€ 408,58); C) Reconheceu os créditos da reclamante, sobre a herança, referentes às despesas em vida com a reclamante (€ 152,57); D) Reconheceu o crédito da reclamante, sobre a herança, no montante de € 13 753,50, relativo a imposto de selo, pago pela reclamante, devido pela herança; E) Determinou que os créditos em causa sejam relacionados; F) Indeferiu o pedido de exclusão da “verba n.º 1” (quantia de € 159 000 existente em depósito a prazo).

Inconformados, a cabeça-de-casal CC e o interessado BB apelaram formulando as seguintes conclusões: 1ª - A matéria constante do facto provado em que “Reconhece os créditos da reclamante, sobre a herança, no montante de € 13 753,50, relativo a imposto de selo, pago pela reclamante, devido pela herança” foi incorretamente julgada, mostrando imprecisões.

2ª - Os concretos meios de prova que impõem decisão diversa são os documentos juntos - confronto entre a matéria de facto alegada pelas partes e a prova, testemunhal e documental, carreada para os autos, com uma correta interpretação e aplicação do direito.

3ª - Na reclamação à relação de bens, veio a Recorrida alegar que o valor de € 13 753,50 estava diretamente relacionado com a participação do óbito às finanças, designadamente com a relacionação de depósitos bancários, ou seja, alegando tratar-se de imposto sucessório.

4ª - Tal não encontra consonância com a realidade dos factos nem com a realidade vertida nos documentos juntos, tendo o Mm.º Juiz a quo errado quanto à subsunção dos factos ao direito, analisando incorretamente a incidência objetiva e subjetiva do imposto de selo e as operações a ele associadas, conforme se demonstrará.

5ª - Nas transmissões gratuitas [art.º 2º, n.º 2 CIS] são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitem os bens, sem prejuízo das seguintes regras: a) Nas sucessões por morte, o imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça de casal, e pelos legatários; b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respetivos beneficiários.

6ª - In casu, e de uma leitura atenta do doc. 9 junto com a reclamação à relação de bens verifica-se que o imposto em causa está diretamente associado, não com a participação de imposto de selo conforme alegado pelo Recorrida, mas sim com o contrato de doação do valor de € 159 000 junto igualmente com a reclamação à relação de bens, como docs. 7 e 8, motivo pelo qual o ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira se encontra dirigido à Recorrida e não à cabeça-de-casal Recorrente.

7ª - Apesar de habilmente a Recorrida ter “tapado” parte das informações constantes do ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira, consegue-se ler que se trata de “demonstração da liquidação – doação”.

8ª - Acresce que do doc. 11 junto com a reclamação à relação de bens, designadamente na dita participação de imposto de selo por óbito da Sr.ª AA, inventariada nos autos principais, verifica-se que de facto foram relacionados créditos, encontrando-se, no entanto, o valor dos mesmos a € 0,00, não podendo ser dessa forma, a Autoridade Tributária e Aduaneira autonomamente atribuído o valor de € 159 000 aos mesmos.

9ª - Tratou-se assim de uma forma por parte da Recorrida de tentar “enganar” o tribunal e a Recorrente, por forma a integrar como encargo da herança um valor que só a si diz respeito.

10ª - Assim, tal quantia não poderá ser reconhecida como crédito sobre a herança, pelo que deve o referido facto dar-se como não provado, não devendo o crédito ser relacionado como encargo da herança.

A reclamante também recorreu, concluindo: 1ª - Incorreu o Tribunal a quo numa omissão de pronúncia, nulidade que expressamente se invoca, e deve, assim, a sentença recorrida ser revogada, e ser deferido o pedido de exclusão da verba 1 - depósito a prazo n.º ...331.

2ª - Porquanto, o Juiz a quo, na Sentença, não resolveu todas as questões que a parte submeteu à sua apreciação, mormente, sequenciou omissão de pronúncia ao não sem pronunciar na decisão de direito sobre a doação ocorrida em 09.01.2020, mesmo tendo dado como provada.

3ª - A decisão proferida no procedimento cautelar não faz caso julgado na ação principal correlativa.

4ª - Tais pontos deviam ser fundamentados com base no documento particular de doação, junto a fls. 42, datado de 09.01.2020, coadunado com as declarações prestadas por parte das testemunhas EE e FF.

5ª - Pois que, o acórdão para o qual o Tribunal a quo remete (fls. 133/processo n.º 125/20....) apenas se pronuncia quanto à doação de 12.01.2020, documento assinado a rogo – atendendo que no arrolamento foi apenas ouvida a testemunha GG, funcionária do Banco.

6ª - Acresce que existe uma contradição com a matéria de facto dada por provada e a matéria de direito.

7ª - Considerou o Mm.º Juiz na matéria de facto dada por provada que a inventariada: “De tal forma que, a D. AA doou à reclamante DD sua sobrinha e única pessoa que sempre lhe deu amor e carinho, todo o dinheiro de que era titular no Banco 1... – o que foi aceite pela sua sobrinha.

Tendo aliás, a tia AA e mal assinou o referido documento dito que já estava mais em paz.

A D. AA estava debilitada fisicamente e por isso nos últimos tempos já só assinava com o primeiro Nome.

Doação que foi também corroborada pela bancária do Banco 1... que se deslocou ao Hospital e devido às dificuldades da D. AA em assinar a mesma limitou-se a colocar a sua impressão digital, tendo a funcionária lido o documento e explicado e a D. AA assinado tal doação e atestado a manifestação de vontade em doar todos os dinheiros que tinha no Banco 1... para a reclamante no montante total de 159.000,00€.” 8ª - Constando dos factos provados a doação do dia 09.01.2020, deveria constar expressamente: - Por documento junto a fls. 42 datado de 09.01.2021, AA, doou a DD, todo o dinheiro que possui junto do Banco 1..., no valor de € 159 000, que foi aceite pela donatária; - Tal doação ocorreu por documento assinado por AA, apondo o nome “AA”, o que fez na presença de EE e HH.

9ª - Porquanto, alicerça o Mm.º Juiz a fundamentação da matéria de facto dada por provada o documento junto a fls. 42, ou seja, a doação do dia 09.01.2020.

10ª - Ademais, e ainda antes de ser proferido Acórdão da RC, foram os interessados notificados para responder à reclamação da relação de bens e não impugnaram a mesma, pelo que aceitaram todos os factos alegados e documentos juntos.

11ª - Nos art.ºs 7º a 49º da reclamação da relação de bens, a reclamante fundamenta o seu pedido para exclusão da verba 1 da relação de bens correspondente à quantia de € 159 000 existente na conta do Banco 1....

12ª - Na resposta à reclamação da relação de bens a cabeça de casal limita-se apenas e tão só a mencionar que (veja-se ponto 21): “…deve para já continuar a constar da relação de bens uma vez que aguarda decisão do recurso interposto da sentença final do processo de arrolamento apenso a este processo, bem como se impugna em ação de nulidade relativamente ao documento particular apresentado.” 13ª - Os interessados confundem o apenso de arrolamento com os presentes autos de inventário, pois que, a decisão no apenso não produz quaisquer efeitos nestes autos, sendo certo que se impunha a tomada de posição quanto à matéria alegada na reclamação da relação de bens e não o fazendo existe uma aceitação dos factos alegados na mencionada reclamação.

14ª - Sendo certo que, a invocada ação que apregoaram nunca a recorrente foi citada para a mesma.

15ª - Nos termos do disposto no art.ºs 1105º e 427º do Código de Processo Civil (CPC) os documentos juntos devem ser impugnados com o articulado, in caso com a resposta à reclamação da relação de bens.

16ª - Nunca os interessados impugnaram as doações juntas aos presentes autos docs. 7 e 8 juntos com a reclamação da relação de bens.

17ª - Ora, a falta de impugnação dos documentos deve ter-se como aceitação.

18ª - Como os interessados foram notificados através da sua mandatária com procuração junta aos autos e a mesma nada disse em relação aos docs. 7 e 8 juntos com a reclamação da relação de bens, por isso aceitaram a assinatura neles aposta mormente da doação de 09.01.2020 – doc. n.º 7. Nos termos do disposto no art.º 374º do Código Civil (CC): A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.

19ª - Assim, nos termos do disposto no art.º 947 do CC está cumprida a formalidade que a lei exige para a doação de bens móveis, considerando que feita por documento escrito e estando o mesmo assinado pela doadora e aceite pela donatária.

20ª - "Tratando-se de um incidente do...

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