Acórdão nº 822/14.5T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ AVELINO GONÇALVES
Data da Resolução28 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n.º 822/14.5T8CTB (Juízo Central Cível de Castelo Branco – Juiz 2) Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1.Relatório 1ºs - AA e marido BB, residentes na Travessa ..., ... – ... ..., respetivamente, ...46 e ...72; e a 2ª – SOCIEDADE AGRICOLA A..., LDª, com sede em ... – Anexo à Casa Principal – Estrada Nacional ...40, Km 15,3, freguesia ..., ... I..., Nif ..., instauraram a vertente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: 1º - V..., Ldª com sede na Herdade ... – E..., Nif ...

  1. - F..., SA, com sede no Largo ... – ... ..., Nif ....

Pede-se, através dela, que: (o pedido) A R. Seguradora seja condenada a pagar à A.

a quantia de 376.050,20€ a que acrescerão juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Em sede de audiência de julgamento, o pedido foi corrigido/adaptado no sentido de ser considerada a matéria do artigo 45.º e 46.º, da petição inicial, ou seja, a distribuição pelas autoras dos valores dos danos em causa em função daquela alegação.

(causa de pedir) Está em causa nos autos a aferição da Responsabilidade extracontratual da 1º - V..., Ldª (que tinha, à data dos factos, transferido a sua responsabilidade para a ré seguradora), por um dos seus trabalhadores ter feito deflagrar um incêndio aquando de trabalhos de limpeza nas bermas, isto no dia 19 de Julho de 2011, na freguesia ..., Concelho ..., incêndio esse que provocou danos nos terrenos de que são proprietárias e comodatárias as autoras, mormente pela queima/destruição de várias árvores, danos esses que estas calculam em 376.050,20€.

X A 1ª ré, regularmente citada, não apresentou contestação.

A 2ª ré - F..., SA apresentou contestação, invocando, desde logo, a prescrição do direito de indemnização em causa, prescrição essa já apreciada em sede de despacho saneador e aí julgada improcedente.

No mais, reconhece que, à referida data de 19.07.2011, encontrava-se em vigor um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Geral, titulado pela Apólice n.º ...38 e destinado a garantir a responsabilidade civil decorrente da actividade da 1ª R., com a) um limite de capital, por sinistro, de 250.000,00€; e b) uma franquia, a cargo da segurada, de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de 125,00€ e no máximo de 500,00€. Juntou as conexas condições gerais, especiais e particulares.

Impugnou o sinistro (incêndio) e suas causas por desconhecimento; e impugnou os invocados danos. Foi realizada uma perícia para avaliação dos danos.

Julgada a causa, no Juízo Central Cível ..., foi proferida a seguinte decisão final: “Julga-se a acção parcialmente procedente: Reconhecendo-se às autoras o direito às seguintes indemnizações: À primeira autora, enquanto dona e possuidora/exploradora do Pinho Bravo, Azinho e Olival tradicional ligados ao prédio descrito em 1), o valor de €173.473,24; À segunda A., enquanto comodatária, explorando o Pinho Manso e tendo procedido à instalação de vedações, o valor de €79.387,00; Considerando, todavia, que: O seguro ajuizado tinha associado a) um limite de capital, por sinistro, de 250.000,00€; e b) uma franquia, a cargo da segurada, de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de 125,00€ e no máximo de 500,00€.

Condena-se a 2ª ré F..., SA a liquidar à primeira autora AA o valor de €171,157,00 (cento e setenta e um mil cento e cinquenta e sete euros); Condena-se a 2ª ré F..., SA a liquidar à segunda autora SOCIEDADE AGRICOLA A..., LDª, o valor de €78.343,00 (setenta e oito mil trezentos e quarente e três euros).

Serão devidos juros de mora pela mora no pagamento da indemnização fixada nestes autos, a partir do trânsito em julgado da sentença, ou seja, no quadro do retardamento do pagamento da indemnização fixada nestes autos. Custas a cargo dos autores e das rés na proporção do decaimento. Registe e notifique. Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelo signatário.

..., 02 de Fevereiro de 2022.” F..., SA, 2ª R, não se conformando com tal decisão, interpõe o seu recurso para este Tribunal, alinhavando, assim, as suas conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, sentença do Juízo Central Cível e Criminal ... – Juiz ..., que condenou a R./recorrente a pagar:  “à primeira autora AA o valor de €171,157,00”;  “à segunda autora SOCIEDADE AGRICOLA A..., LDª, o valor de €78.343,00”; B. A recorrente não concorda com o entendimento do douto Tribunal recorrido que o levou a concluir pela não exclusão da responsabilidade da seguradora “em caso de sinistro causado dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado”, bem como pela não exclusão dos “Danos decorrentes de erros ou omissões profissionais”, nem dos danos “Resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento de normas técnicas”; C. Por razões de simplificação e economia processuais, dão-se por integralmente reproduzidos os factos considerados provados na douta sentença recorrida e enumerados em 3. supra; D. O Tribunal deve subsumir os factos provados à lei e ao direito; E. Independentemente da alegação das partes, incumbe ao Tribunal, tendo em vista a melhor decisão de direito para o mais justo resultado da acção, analisar a materialidade de facto que ficou demonstrada e, de seguida, proceder à respectiva qualificação jurídica e ao seu enquadramento no correcto regime legal, apreciar as normas aplicáveis e analisar se os factos provados devem subsumir-se a tais normas.

F. O artigo 5º, nº 3, do CPC, estabelece que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (princípio do conhecimento oficioso de direito); G. O Juiz deve procurar a norma jurídica adequada à boa decisão da causa e ajustada ao caso concreto em litígio; H. E deve buscar o significado e o alcance das normas escolhidas, em conformidade com as regras e princípios da hermenêutica jurídica; I. Deve, ainda, retirar das normas aplicáveis os efeitos e as consequências jurídicas mais justas; J. Nos presentes autos, está provado, além do mais, que:  À data de 19.07.2011, se encontrava-se em vigor um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil, titulado pela Apólice n.º ...38 e destinado a garantir a responsabilidade civil geral decorrente da actividade da 1ª R.;  No dia 19 de Julho de 2011, pelas 13h:40m, no local de ..., freguesia ..., concelho ..., deflagrou um incêndio;  Nas circunstâncias de tempo e lugar acabadas de referir, a 1ª R. efetuava trabalhos de limpeza nas bermas da estrada destruindo as ervas e outros combustíveis finos e médios existentes no local, procedendo à limpeza e corte do mato aí existente;  A 1ª R. encarregara CC e outros seus trabalhadores de executar as respetivas tarefas mediante as ordens, direção e fiscalização da sua gerência;  As referidas tarefas eram executadas, essencialmente, pelo uso de máquina – moto roçadora movida a motor e composta, além do mais, por discos metálicos, rígidos e cortantes;  Sendo que tais discos trabalham a rotação;  Na altura, era época de Verão, verificavam-se temperaturas não concretamente apuradas, sendo que estava tempo quente, seco e fazia vento; e as ervas e outros combustíveis encontravam-se em estado de secos;  A dado passo, os discos da moto-roçadora usada pelo trabalhador CC, friccionaram numa pedra existente no local, tendo soltado as faíscas que provocaram um incêndio;  Sendo que, uma vez tornado visível, o incêndio se propagou rapidamente sem que CC e seus companheiros lograssem a sua extinção;  Enquanto o referido CC efectuava a operação descrita, o fogo alastrou-se à vegetação circundante, não tendo aquele conseguido controlar o fogo.

K. De acordo com as imposições da Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO), aplicável aos factos em apreço:  “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando- se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente” (negrito e sublinhado nossos) – artigo 1º;  “o segurador não é obrigado a efectuar a prestação convencionada em caso de sinistro causado dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado” (negrito e sublinhado nossos) – artigo 46º, nº 1;  no âmbito do seguro de responsabilidade civil (como é o invocado pelas AA., levado em conta na sentença), “não se considera dolosa a produção do dano quando o agente beneficie de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa” (negrito e sublinhado nossos) – artigo 114º; L. Identicamente e reforçando tais previsões legais, estabeleceram as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (artigo 11º do citado diploma) e através de contrato de seguro facultativo (em que, ao contrário dos seguros obrigatórios, não assume tanta prevalência a protecção dos terceiros lesados, relevando mais a autonomia privada e a vontade das partes), que:  se entende por “SINISTRO” o “Evento ou série de eventos, com carácter súbito e imprevisto, resultantes de uma mesma causa, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato” (negrito e sublinhado nossos) – artigo 1º das Condições Gerais da Apólice (doc. 3 junto com a contestação da recorrente);  “O presente contrato nunca garante os danos: a) Decorrentes de actos ou omissões dolosos do Segurado ou de pessoas por quem este seja civilmente responsável” (negrito e sublinhado nossos) – artigo 6º, nº 1, alínea a), das referidas Condições Gerais da Apólice; M. Considerando os factos que ficaram provados e não se podendo deixar de atentar que nos movemos no contexto de um contrato de seguro facultativo, resultou evidenciada a clara intenção da 1ª R./tomadora do seguro e dos seus trabalhadores de actuar, conscientemente, de modo a agravar o risco de incêndio, com a utilização de moto-roçadora movida a motor e composta, além do mais, por discos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT