Acórdão nº 1315/21.0T8FIG-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução28 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

Em 11.11.2021, o Ministério Público[1] veio propor a presente providência cautelar de entrega de menor, com vista ao regresso a Inglaterra da criança AA, nascida em .../.../2016, em ... - Inglaterra, e a residir na Rua ..., ..., ..., ..., alegando que a criança nasceu em Inglaterra, sendo filha de BB, solteiro, maior, residente em 16 ..., ... 5TT ..., ..., e de CC, residente na Rua ..., ..., ..., ..., que viviam em união de facto em ..., Inglaterra, onde a criança residia com os pais, atualmente separados.

Alegou, ainda, nomeadamente: o progenitor autorizou a viagem de férias de verão da menor com a mãe, ficando marcado o regresso da criança a ... em 01.9.2021; a requerida decidiu ficar em Portugal, passando a residir com a filha menor em casa de sua mãe, não regressando a Inglaterra com a filha AA; o exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor não se encontra regulado e a mãe pretendeu a sua regulação na ação a que este procedimento está apenso, sem que o pai tenha concordado com a regulação do exercício das responsabilidades parentais da criança em Portugal, pois pretende o regresso da criança a Inglaterra e que aí seja regulado o exercício das responsabilidades parentais, dado que a criança aí residiu até ao Verão deste ano, considerando existir uma situação de retenção ilícita da menor pela mãe; por sentença ainda não transitada em julgado, proferida no processo a que esta providência está apensa, foi declarada a incompetência internacional deste Juízo de Família e Menores ... para a regulação das responsabilidades parentais em Portugal; a retenção ilícita da criança, expressamente prevista nos art.ºs 3º, 4º e 5º, b), da Convenção de Haia de 1980, impõe que o tribunal adote procedimentos de urgência (cf. art.ºs 2º e 11º da CH80), com vista ao regresso da criança à sua residência habitual, tendo a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), autoridade central de Portugal, acionado um procedimento de mediação familiar, tendente a conseguir a reposição voluntária da criança, mas a mãe mostrou-se irredutível na sua decisão de não regressar com a criança ao ....

Concluiu, pedindo que:

  1. Se designasse uma conferência de pais urgente, dispensando-se a audição da criança, atenta a sua idade e falta de maturidade; b) Se comunicasse o teor da decisão de regresso a formular, via urgente, à DGRSP - Autoridade Central de Portugal - e ao Serviço de Apoio Técnico aos Tribunais (SATT) da Segurança Social; c) Se determinasse a realização de quaisquer diligências tidas por adequadas e pertinentes, com a urgência que a situação aconselha, tendentes ao regresso da criança ao Estado da sua residência habitual – Inglaterra – sob os cuidados e responsabilidade da DGRSP, por forma a ser entregue ao pai; d) Se determinasse a imediata suspensão da ação de RERP (e prazos em curso), ao abrigo do art.º 16º da Convenção de Haia de 1980, designadamente o prazo de recurso.

    A dita ação de RERP, tal como o prazo de recurso, foram suspensos por decisão judicial, ao abrigo do art.º 16º da Convenção de Haia de 1980.

    [2] Tendo a requerida/progenitora invocado “haver erro na forma de processo”, por se ter seguido a tramitação prevista no art.º 28º do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.9), o Mm.º Juiz do Tribunal a quo julgou «improcedente a alegação da progenitora de que estaríamos perante uma excepção dilatória, nomeadamente a nulidade de todo o processo, indeferindo a absolvição dos requeridos face à instância processual, não havendo razão para aplicar ao caso o disposto nos artigos 576º a 578º do CPC» (despacho de 18.11.2021).

    [3] Na impossibilidade de acordo para estabelecimento de um regime de exercício das responsabilidades parentais, designou-se data para audição das testemunhas arroladas pelos pais.

    Foi indeferida a solicitação da progenitora de relatório escrito à Segurança Social, pois o Técnico que o subscreveria também foi ouvido em audiência de produção da prova.

    [4] Finalmente, por sentença de 28.12.2021, o Tribunal a quo decidiu: «(...) nos termos do art.º 13º, al. b), da Convenção de Haia de 1980, decide este Tribunal ordenar o regresso a Inglaterra da menor AA, nascida em .../.../2016, em ... - Inglaterra, filha de BB e de CC, que está retida ilicitamente em Portugal pela mãe, determinando que esta conduza a criança às instalações da Segurança Social na ..., dentro do período que medeia entre 29/12/2021 e 31/12/2021, em dia concreto a acordar, a fim de ser entregue ao pai, com o qual deverá regressar a Inglaterra, atendendo a que a mãe se recusa a tanto, ficando o pai encarregado de comprar a viagem de avião para transporte seu e da filha menor até Inglaterra, sem prejuízo do que vier a ser acordado ou decidido quanto ao reembolso dessa despesa e sem prejuízo da regulação do exercício das responsabilidades parentais que se venha a realizar oportunamente nesse país, com a brevidade possível.

    »[5] Inconformada, a progenitora/requerida apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - O presente processo deveria ter sido autuado como processo tutelar comum urgente, porque ao Tribunal é exigido que conheça de duas questões de mérito.

    2ª - Ao autuar o processo como providência cautelar, o Mm.º Juiz lesou os direitos da menor e da Recorrente, não permitindo que esta última exercesse o contraditório e que fossem realizadas todas as diligências probatórias necessárias para a boa decisão da causa.

    3ª - O Mm.º Juiz a quo devia ter ordenado a junção aos autos do relatório elaborado pelo Serviço de Apoio Técnico aos Tribunais (SATT), omitindo diligência probatória essencial à boa decisão da causa; devia ainda ser considerado na sua plenitude o depoimento do técnico do SATT, porquanto o seu depoimento resulta do cumprimento rigoroso do que lhe foi ordenado pelo Mm.º Juiz a quo.

    4ª - A sentença recorrida usa o Guia de Boas Práticas da Convenção de Haia de 1980 como norma legal, fonte imediata de Direito, o que viola os art.ºs 8º, 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e os art.ºs 152º, n.º 1; art.º 154º, n.º 1 e art.º 607º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (CPC), sendo, por isso, nula.

    5ª - A sentença recorrida viola os art.ºs 1º, 28º e 67º do RGPTC; o art.º 986º, n.º 2 do CPC e os art.ºs 2º a 11º da Convenção de Haia de 1980, bem como o art.º 20º, n.º 1 da CRP ao não garantir o pleno acesso da Recorrente (e da menor) à Justiça o que constitui nulidade processual, nos termos do art.º 195º, n.º 1 do CPC.

    6ª - Existem assim, no presente processo, duas nulidades: uma reportada a todo o processo e constituindo excepção dilatória nos termos dos art.ºs 195º, n.º 1; art.º 576º, n.º 1; e art.º 577º, al. b), todos do CPC e que determina a anulação de todos os atos, uma vez que tem origem na petição inicial do MP e a outra nulidade ocorre na sentença, onde o dever de fundamentação é violado, bem como o princípio da legalidade, ao decidir-se com fundamento em norma que não tem força de lei ou equiparada (ou, mas rigorosamente, não constitui fonte imediata de Direito).

    7ª - Em consequência, deve ser julgada procedente, por provada a excepção dilatória de nulidade do processo por erro na forma do processo, e todo o processado ser declarado nulo e a sentença revogada, com as legais consequências.

    8ª - Mesmo que assim se não entenda, ocorreu, na sentença recorrida, errada ponderação dos depoimentos das testemunhas DD; EE e do Sr. Técnico do SATT, Dr. FF, que deveriam ter sido considerados na sua plenitude, na parte em que constituem depoimento de factos que as testemunhas conheceram, acompanhados das respetivas razões de ciência, cumprindo assim com os ditames legais.

    9ª - Considerados estes depoimentos, bem como a demais prova produzida, deve ser alterada a resposta ao ponto 5. dos factos provados que deve passar a ser: 5. A progenitora decidiu ficar em Portugal, passando a residir com a filha menor em casa da sua mãe (avó materna da criança), na ..., deste concelho, por entender viver uma situação de violência doméstica e não ter a criança condições de segurança para continuar a residir com o pai.

    10ª - Pelos mesmos motivos expostos, deve a al. e) dos factos não provados merecer a resposta de provado, passando a constar dos factos provados que “A união de facto entre pai e mãe terminou há mais de um ano.”.

    11ª - O ponto 10. dos factos provados, merecer a seguinte resposta, por não existir demonstração que o pai pretende a regulação das responsabilidades parentais: 10. (O pai) Pretende o regresso da criança a Inglaterra, dado que a criança aí residiu até ao Verão deste ano, considerando existir uma situação de retenção ilícita da menor pela mãe.

    12ª - Ponderada integralmente a prova efetivamente produzida, ao ponto 14. dos factos provados deveria ser dada a resposta: 14. Existem factos reveladores de agressões psicológicas do progenitor à menor.

    13ª - “Apoio familiar de retaguarda” é o que consegue garantir a proteção da menor em meio natural de vida, com um modelo positivo, o que implica que em caso de emergência, estando o progenitor sozinho, não é razoável caracterizar pessoas que vivem a três horas de distância, com empregos e vidas familiares, como apoio familiar de retaguarda, que possam socorrer a menor em caso de urgente impedimento do Progenitor.

    14ª - Em consequência, o ponto 23. dos factos provados merece a resposta de “Não provado”.

    15ª - Os pontos 35. e 38. dos factos provados são irrelevantes para a boa decisão da causa pelo que devem ser eliminados.

    16ª - Não existe uma retenção ilícita, por ter sido instaurado o processo de RERP quando o Progenitor ainda havia autorizado a menor a estar em Portugal.

    17ª - Mesmo que assim se não entenda, “residência habitual” é o local onde estão todas as principais conexões afetivas, familiares e sociais da menor.

    18ª - Essas conexões da menor estão todas com a mãe, pelo que a residência habitual da menor é em...

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