Acórdão nº 1336/22.5T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | MARIA CATARINA GONÇALVES |
Data da Resolução | 28 de Junho de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Apelação nº 1336/22.5T8VIS.C1 Tribunal recorrido: Comarca de Viseu - Viseu - Juízo Comércio - Juiz 2 Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves Des. Adjuntos: Maria João Areias Paulo Correia Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
AA, residente na Rua ..., ..., ..., ... V... (atualmente internado em cumprimento de medida de segurança no Centro Hospitalar e Universitário ... – ..., Quinta ..., ..., ... ...), veio requerer a declaração da sua insolvência, pedindo também a exoneração do passivo restante.
Alega, para fundamentar a sua pretensão, que, no âmbito do processo comum colectivo que identifica, foi declarado inimputável em razão de anomalia psíquica para a prática de um facto ilícito típico previsto no artigo 131.º do Código Penal (homicídio) e outro facto ilícito previsto nos artigos 131º, 22º e 23º do Código Penal (homicídio tentado), tendo sido ordenado o seu internamento pelo período mínimo de 3 anos e máximo de 16 anos e que, por força dessa situação, não trabalha e nunca trabalhou (sendo que, à data da prática dos factos, era estudante), não dispondo de qualquer património ou rendimento que lhe permita satisfazer o seu passivo, no valor global de 463.832.84€, encontrando-se, por isso, em situação de insolvência.
Por despacho de 25/03/2022, foi determinada a notificação do Requerente para se pronunciar sobre a eventual impossibilidade de alcançar a única utilidade relativa à instauração da presente ação (exoneração do passivo restante) e sobre o seu interesse em agir em relação ao pedido de declaração de insolvência, com o esclarecimento de que existia a possibilidade de não preencher os requisitos para a exoneração do passivo restante por não dispor de qualquer rendimento a ceder durante o eventual período da cessão e estar impossibilitado de cumprir as obrigações exigidas, incluindo a relativa ao exercício de uma profissão remunerada (alíneas b) e c) do artigo 239.º do CIRE) e porque o seu passivo poderia considerar-se integrado na situação prevista na alínea b) do n.º 2 do art.º 245.º do CIRE e, como tal, excluído da exoneração.
Foi ainda determinada a sua notificação para juntar aos autos e relação de credores e a relação de todas as acções e execuções contra si pendentes.
O Requerente, além de juntar as relações em causa, pronunciou-se sobre a questão suscitada, sustentando não haver razões para recusar o pedido de exoneração do passivo restante.
Foi então proferido despacho – em 07/04/2022 – onde se decidiu indeferir liminarmente o pedido de declaração de insolvência com fundamento na excepção dilatória de falta de interesse em agir.
Inconformado com essa decisão, o Requerente veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: I. O Requerente encontra-se numa situação de insolvência atual, sendo que o número 1 do artigo 3º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas estabelece que “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.” II. Aliás, tal facto foi dado como provado pelo douto Tribunal, e conforme se transcreve, é o seguinte: “O requerente declarou que não tem património, bens móveis ou imóveis, para satisfazer o seu passivo e que se encontra numa situação de insolvência atual.” – facto n.º 4.
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É ainda indicado no ponto 2.2. do Despacho já mencionado que “É certo que, com base nos factos que o requerente alegou (dívidas no montante de €460.000,00, inexistência de património e de rendimentos), está verificada uma situação de insolvência, por o requerente estar impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (art. 3º, n.º 1 d Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e, nessa medida, nada impediria a declaração de insolvência.” IV. Ora, a questão que se coloca é - como pode o douto Tribunal ter dado como provados aqueles factos e ter considerado, inclusive, que o Requerente se encontrava em situação de insolvência, V. Mas, posteriormente, ter proferido despacho de indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência.
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Não se consegue assim perceber o entendimento do douto Tribunal, já que o Código da Insolvência e Recuperação das Empresas é claro no que concerne ao indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência.
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De acordo com o artigo 27º do mencionado Código, “1 - No próprio dia da distribuição, ou, não sendo tal viável, até ao 3.º dia útil subsequente, o juiz: a) Indefere liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente;” (sublinhados nossos) VIII. Ora, salvo melhor opinião, não ocorreram exceções dilatórias de que o Tribunal deva conhecer oficiosamente, IX. Nem o pedido de declaração de insolvência apresentado pelo Requerente é manifestamente improcedente, X. E não o é, porque o Requerente se encontra numa situação de insolvência atual, (negrito nosso) XI. Sendo o seu ativo, por não possuir quaisquer bens móveis e/ou imóveis, insuficiente para liquidar o seu passivo, que ascende a €460.000,00 (quatrocentos e sessenta mil euros) (negrito nosso).
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E essa situação – a de não estar em situação de insolvência atual - não está em causa nos presentes autos, uma vez que tal foi dado como provado pelo douto Tribunal no Despacho recorrido, conforme acima se transcreveu.
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Daí não poder o Requerente conformar-se com a decisão proferida, uma vez que existe uma clara contradição com os factos dados como provados e a decisão final (negrito nosso).
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Devendo, portanto, a decisão recorrida ser substituída por uma que declare a insolvência do Requerente, XV. Uma vez que o mesmo se encontra em situação de insolvência atual, tendo a mesma sido requerida por este, por reconhecer a situação em que se encontra, demonstrando-se, assim, o seu interesse em agir em relação à declaração de insolvência, XVI. Pois se interesse não existisse da parte do Requerente, não teria este feito entrar em juízo o respetivo pedido de declaração de insolvência, tendo tal sido expressamente declarado pelo Requerente na sua Petição Inicial (Referência: ...64).
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Da mesma forma, e por mera cautela de patrocínio se dirá que, o próprio número 4 do artigo 3º do CIRE indica-nos que “Equipara-se à situação de insolvência atual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência.” (sublinhado nosso).
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Verificando-se assim um regime mais permissivo, quando é o devedor a apresentar-se à insolvência, sendo, certamente, intenção do legislador português com a introdução deste pressuposto a de promover o uso de meios antecipados para evitar o “dano da insolvência”.
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Veja-se ainda o artigo 28º do já mencionado Código da Insolvência e Recuperação das Empresas, que estipula que “A apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3.º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial ou, existindo vícios corrigíveis, ao do respetivo suprimento.” XX. Assim, por tudo quanto o exposto, não consegue o Requerente alcançar o fundamento para o douto Tribunal ter decidido pelo indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência do Requerente, pois, salvo melhor opinião, inexiste fundamento para tal indeferimento, sendo também esta a opinião da jurisprudência vigente.
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Devendo, portanto, merecer censura a decisão recorrida no que à declaração de insolvência diz respeito, e ser substituída por outra que declare a insolvência do Requerente.
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Ademais, e conforme é possível verificar no Despacho recorrido, apesar de dar como provado que o Requerente se encontrava numa situação de insolvência atual, o douto Tribunal fez depender a sua decisão de um outro critério, não previsto legalmente (sublinhado nosso), XXIII. Isto porque o douto Tribunal, colocando entraves à declaração de insolvência do Requerente, considerou que “A...
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