Acórdão nº 4114/19.5T8LRA-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO CORREIA
Data da Resolução14 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação n.º 4114/19.5T8LRA-C. C1 Juízo de Comércio de Leiria – Juiz 3 _________________________________ Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]: I-Relatório Nos autos de insolvência de X... SA., foi, a 24 de março de 2022, proferida sentença no âmbito do incidente de qualificação, contendo o seguinte dispositivo: “Julgo o presente incidente procedente, por provado, em consequência do que: 1.

Qualifico como culposa a insolvência da sociedade comercial “X... SA.”.

  1. Considero afectado pela qualificação da insolvência como culposa o Administrador da devedora, o aqui Requerido AA, que declaro ter agido com dolo relativamente à conduta que desencadeou a aplicação do disposto no artigo 186º/1 e 2/d) e f), do CIRE, e com culpa grave relativamente à conduta que desencadeou a aplicação do disposto no artigo 186º/1 e 3/a) do CIRE.

  2. Considero afectada pela qualificação da insolvência como culposa a Administradora da devedora, a aqui Requerida BB, que declaro ter agido com culpa grave relativamente à conduta que desencadeou a aplicação do disposto no artigo 186º/1 e 3/a) do CIRE.

  3. Decreto a inibição dos Requeridos AA e BB para a administração de patrimónios de terceiros, o primeiro pelo período de quatro anos e a segunda pelo período de dois anos.

  4. Declaro os Requeridos AA e BB inibidos para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão da sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, o primeiro pelo período de quatro anos e a segunda pelo período de dois anos.

  5. Condeno os Requeridos AA e CC a indemnizarem os credores da devedora declarada insolvente, até ao montante que se vier a apurar e correspondente ao valor dos créditos reconhecidos, constituídos e vencidos após a última data em que os Requeridos deviam ter apresentado a sociedade à insolvência, ou seja, final de Julho de 2019, e até à data de entrada da petição inicial, isto é, 04/12/2019, não satisfeitos pelo produto da massa insolvente (sem prejuízo do limite associado ao património pessoal dos responsáveis), a quantificar em incidente de liquidação, nos termos da parte final do nº 4 do art.º 189º do CIRE”.

    * Inconformados, AA e BB interpuseram recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:” I.

    O tribunal a quo não analisou criticamente as provas, nem soube extrair dos factos apurados as presunções impostas pelas regras de experiência.

    II.

    Para que a insolvência possa ser qualificada como culposa é necessário que a atuação do devedor tenha sido causa da situação de insolvência ou do seu agravamento (nexo de causalidade), uma vez que o devedor pode ter atuado dolosamente, mas em nada ter contribuído para a criação ou agravamento da insolvência.

    III.

    Relativamente à primeira questão versada na douta sentença recorrida - a venda da máquina perfiladora H... à sociedade LB... Unipessoal, Ldª.

    – é certo que a máquina foi, efetivamente, vendida à sociedade LC..., Unipessoal, Lda., pelo preço de €55.000,00, acrescidos de IVA à taxa legal, no montante global de €67.650,00.

    IV.

    Pese embora, em sede do processo executivo n.º 788/19...., que correu termos pelo Juízo de Execução ... – J ..., contra a devedora, a máquina tenha sido penhorada e avaliada em €85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), tal valor foi ali livremente fixado pelo Agente de Execução, tendo em conta o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 766.º do CPC, traduzindo um valor aproximado da mesma e não o seu valor real.

    V.

    O valor da venda da máquina à sociedade LC..., Unipessoal, Lda. foi apurado de acordo com os preços de mercado, tendo em conta a idade e o estado de conservação da mesma e não, como entendeu o tribunal a quo, para favorecer a sociedade LC..., Unipessoal, Lda., na qual o requerido AA tem interesse direto.

    VI.

    Sem conceder, e ainda que assim fosse, o que apenas por mero raciocínio académico se admite, convém não esquecer que não basta que o negócio tenha sido mais vantajoso para terceiro ou que, in casu, tenha favorecido uma empresa terceira, para que se mostre preenchida a previsão normativa da al. d) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.

    VII.

    Para que a insolvência se possa qualificar como culposa, no caso de os administradores da devedora terem disposto dos seus bens em proveito pessoal ou de terceiros, é necessário que se demonstre a existência de um flagrante desequilíbrio das prestações contratuais, que permitam objetivamente considerar uma injustificada e irrazoável vantagem para os administradores da devedora ou para terceiros à custa daquela.

    VIII.

    Nenhum dos credores da devedora impugnou a venda da dita máquina à sociedade LC..., Unipessoal, Lda., suscitando a simulação da venda, alegando que o preço da venda foi inferior ao valor de mercado ou colocando em causa o efetivo recebimento do preço por parte da devedora.

    IX.

    Pelo que, inexiste nos autos qualquer facto capaz de asseverar o ilegítimo benefício da sociedade LC..., Unipessoal, Lda. na aquisição da máquina em questão para qualificar de culposa a insolvência da devedora.

    X.

    Relativamente à segunda e última questão versada na douta sentença recorrida – a de saber se ocorreu violação do dever de requerer a declaração de insolvência por parte da devedora e, em caso afirmativo, se esta violação foi culposa e se existe nexo de causalidade entre a conduta omissiva verificada e a situação de insolvência da devedora, ou seja, se essa omissão criou ou agravou a situação de insolvência - como bem refere o tribunal a quo, não se consegue dissolver uma sociedade que tenha dividas ao fisco ou à Segurança Social, como era o caso da devedora.

    XI.

    De igual modo, não se podem reforçar os capitais de uma sociedade quando, como era o caso dos oponentes, não se possui capitais próprios ou crédito bancário para o efeito.

    XII.

    Já quanto à falta da apresentação à insolvência no final de 2018, constitui hoje jurisprudência pacifica dos tribunais superiores que a falta de apresentação tempestiva à insolvência não permite qualificar a insolvência como culposa (cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.07.2017, proferido no âmbito do Processo n.º 370/14.3TJCBR-A.C1 (Falcão de Magalhães); o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24.04.2012, proferido no âmbito do Processo n.º 172/08.6TBGMR-B.G1 (Eduardo José Oliveira Azevedo) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 04/04/2019, proferido no âmbito do Processo n.º 1826/13.0TBBCL-B.G1 (Heitor Gonçalves), todos disponíveis em www.dgsi.pt).

    XIII.

    Para se poder concluir pela insolvência culposa, é necessário não só provar-se o comportamento omissivo dos administradores da devedora (suficiente para se presumir a culpa), como também que o mesmocriou ou agravou a situação de insolvência.

    XIV.

    É certo que a devedora, embora incapacitada de cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas desde o final de 2018, não se apresentou à insolvência.

    XV.

    No entanto, ainda que daí resulte a violação do dever previsto no n.º 1 do artigo 18.º do CIRE, nenhum facto se provou nos autos que permita afirmar que esse comportamento ilícito agravou a situação de insolvência, o que por sua vez inviabiliza a qualificação da insolvência comoculposa nos termos dos n.ºs 1 e 3, al.a) do artigo 186.º do meso diploma legal.

    XVI.

    É, pois, o presente incidente destituído de qualquer fundamento.

    XVII.

    A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 766.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, 186.º, n.º 1, n.º 2, alínea d) e n.º 3, alínea a) do C.I.R.E. e 607.º, n.º 4 do C.P.C.

    * O Ministério Público respondeu, pugnando, com os fundamentos que que fez constar nessa peça processual, no sentido da improcedência do recurso e pela manutenção da decisão que qualificou a insolvência como culposa.

    * Foram colhidos os vistos, realizada conferência, e obtidos os votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.

    * II-Objeto do recurso Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (art. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).

    No caso, perante as conclusões apresentadas, a questão a decidir é a de saber se a sentença deve ser revogada por, a) no tocante à máquina perfiladora não constar dos autos qualquer facto capaz de asseverar o ilegítimo benefício da sociedade LC..., Unipessoal, Lda. na respetiva aquisição (conclusões III a IX) e b) nenhum facto se ter provado nos autos que permita afirmar que a não apresentação à insolvência no final de 2018 agravou a situação de insolvência (conclusões X a XV) * III-Fundamentação Com vista à incursão nas questões objeto de recurso, importa, antes de mais, transpor a factualidade que na decisão recorrida foi dada como provada e não provada.

    Assim, na decisão recorrida consta...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT