Acórdão nº 1163/18.4T8PBL-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução14 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa ([1]) que lhe move o “N... S. A.

”, com os sinais dos autos, veio a Executada AA, também com os sinais dos autos, deduzir oposição a tal execução, alegando, para tanto, em síntese: - ter, em 08/03/2001, a Embargante intervindo, na qualidade de avalista, quanto a uma livrança emitida parcialmente em branco, com pacto de preenchimento, no âmbito de um contrato de mútuo bancário em que era mutuária uma sua irmã, BB; - desde a data do incumprimento da subscritora da livrança - ...02 – e até à instauração da execução (2018), nada lhe ter sido comunicado acerca da sua responsabilidade na qualidade de avalista; - o comportamento omissivo da Exequente não pode ser premiado com mais de 15 anos de juros à taxa de 19,500%, agindo esta, assim, em abuso do direito, com ofensa do princípio da boa-fé (há comportamento contraditório, traduzido na omissão de intentar a ação executiva em tempo razoável, no caso, passados 16 anos do incumprimento da mutuária); - foi violado o pacto de preenchimento, pois a livrança deveria ter sido preenchida logo que se verificasse o incumprimento; - os juros de mais de 5 anos encontram-se prescritos.

Concluiu pela procedência da oposição, por provada, com as legais consequências, ou, ao menos, pela prescrição dos juros para além dos últimos cinco anos.

O Exequente contestou a oposição, pugnando pela improcedência dos argumentos invocados e concluindo pela total improcedência dos embargos.

Considerando-se conterem os autos os elementos necessários à prolação de decisão de mérito e ter sido cumprido o contraditório, foi proferido despacho saneador-sentença, datado de 25/10/2021, com o seguinte dispositivo: «Com os fundamentos de facto e de direito enunciados, julgo parcialmente procedentes os presentes embargos de executado e, em consequência, quanto à Embargante, determino o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de 17.277,36 euros, ao que acrescem juros civis, à taxa legal, desde 10 de março de 2018 até integral pagamento e imposto de selo sobre estes.

Custas a cargo de Embargante e Embargado na proporção do respetivo decaimento.».

Inconformada, a Embargante vem recorrer do assim decidido (na parte em que vencida), apresentando alegação e formulando as seguintes Conclusões: «1 - Desde a data do incumprimento da subscritora da livrança - ...3 de julho de 2002 – e até à instauração da execução, nada lhe foi comunicado acerca da sua responsabilidade na qualidade de avalista. O comportamento omissivo da Exequente não pode ser premiado com mais de 15 anos de juros à taxa de 19,500%.

2 - Por outro lado, foi violado o pacto de preenchimento pois a livrança deveria ter sido preenchida logo que se verificasse o incumprimento, ou em prazo razoável.

3 - Desde a data do incumprimento da mutuária – 23 de julho de 2002, à ora embargante, nada foi comunicada pela exequente, sobre as suas responsabilidades na qualidade de avalista.

4 – Desde a data do incumprimento da mutuária, BB – 23-07-2002 – e data de entrada em juízo da presente acção executiva – 19 de março de 2018, foi com enorme surpresa que a embargante se vê confrontada com a reclamação do crédito.

5 – Esteve durante todo este período de tempo, perfeitamente convencida que a responsabilidade da mutuária estava e tinha sida cumprida.

6. Não pode ser normal, um garante, no caso um avalista, decorridos cerca 17 anos após ter avalizado uma livrança, ser surpreendido por uma acção executiva, por incumprimento verificado em 23 de julho de 2002!!! 7 - Este é um facto que deve relevar para a procedência total dos embargos, Facto objetivo, sem necessidade de mais considerações suplementares.

8 – O facto de um titular de um direito o não o ter exercido durante um lapso de tempo significativo, no caso sub judice, muito significativo, essa inação criou no espirito da avalista, ora embargante, que já não viria a ser exercido, uma vez que confiou no cumprimento atempado da obrigação da devedora, acrescido do facto de nada lhe ser comunicação em sentido contrário, até ao momento da citação para a presente execução de que se embarga.

9 - Esta confiança merece a tutela do direito da ordem jurídica através de um impedimento a esse exercício tardio e consequentemente atribuindo à contraparte um direito subjectivo obstaculizador.

10 - O não exercício, prolongado do direito à execução do crédito tendo em atenção o seu vencimento e a data da instauração da execução, tendo em conta as parte envolvidas, uma entidade financeira ( N... S. A, e uma simples avalista, a falta de qualquer comunicação do incumprimento da devedora principal, é obviamente suscetível de causar na contraparte, tendo em consideração as expectativas de contraente comum (o bonnus pter familiae), um sentimento de confiança justificado que o crédito já não lhe seria cobrado, porque cumprido.

11- Estamos perante o termo suppressio, que é a tradução latina por Menezes Cordeiro, ma sua tese de doutoramento “Da Boa – fé no direito civil “, da figura da Verwirkung do direito alemão. Veja a este propósito o Ac. do TRC, de 24-11-2020, relatora, Sílvia Pires.

12 – Pelo que se verificando a figura da suppressio, nos casos dos autos devem os presentes embargos serem considerados completamente procedente, por provados.

ASSIM, FARÃO, VOSSA EXCELÊNCIAS A COSTUMADA JUSTICA!!!!».

O Recorrido contra-alegou, concluindo pela total improcedência do recurso.

Este foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos tais regime e efeito fixados ([2]).

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito recursivo Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado nos articulados das partes – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, está em causa na presente apelação saber (em matéria de direito):

  1. Se foi violado o pacto de preenchimento da livrança emitida parcialmente em branco; b) Se ocorre abuso do direito do Exequente/Apelado, paralisando/obstaculizando, por via do exercício tardio, o direito de crédito exequendo.

    III – Fundamentação

    1. Matéria de facto Na 1.ª instância foi considerada – sem controvérsia nesta parte ([3]) – a seguinte factualidade como assente: “a. O Exequente celebrou com BB, em 08/03/2001, um contrato de crédito ao consumo regido pelas seguintes condições particulares [mostra-se digitalizada parte de um documento, sem outra indicação de proveniência, a fls. 21 do processo físico, correspondente à pág. 2 da sentença, em modo fotográfico, impedindo o uso em modo de tratamento de texto ([4]).

    Desse documento consta: Montante (Inclui prémio de seguro, se aderiu) 2 112 455,00PTE Prazo: 60 meses...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT