Acórdão nº 52/18.7T8ALD-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução14 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

Em 01.9.2021, AA requereu a intervenção do Tribunal para decidir o diferendo entre ele e BB relativamente ao estabelecimento do ensino a frequentar pelos seus filhos, CC, nascido a .../.../2012, e DD, nascido a .../.../2014, no ano letivo de 2021/2022.

Pediu:

  1. Se determine que os menores, no corrente ano letivo de 2021/2022 frequentem o estabelecimento de ensino que frequentaram no ano letivo anterior (Agrupamento de Escolas ...) e não o estabelecimento de ensino para onde foram transferidos recentemente (Agrupamento de Escolas ...); b) Ao abrigo do disposto no art.º 28º do RGPTC, que o tribunal decida provisoriamente a questão em apreço, ordenando as diligências indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão que vier a tomar, no sentido do solicitado pelo requerente, ainda que sem o contraditório da Requerida, a fim de evitar colocar em risco sério o fim do presente incidente, por forma a que a decisão tenha efeito útil, não prejudicando o ano letivo dos menores e evitando causar-lhes ainda mais instabilidade.

    Por despacho de 07.9.2021, designou-se data para a conferência dos pais, consignou-se que se relegava para momento ulterior a eventual audição dos filhos comuns e ordenou-se que se oficiasse ao Agrupamento de Escolas ... para comunicar aos autos, no prazo de 10 dias, diversos elementos em relação às crianças do ano letivo de 2020/2021.

    Realizada a conferência dos pais (em 30.9.2021 / fls. 27), decidiu-se, então, indeferir a dispensa de contraditório prévio.

    Após a requerida e o Mº Público se pronunciarem sobre o pedido, o Mm.º Juiz do tribunal a quo entendeu que não era conveniente decidir provisoriamente a questão submetida à resolução do tribunal. Em consequência, indeferiu o pedido de resolução provisória do diferendo (cf. despacho de 19.10.2021 / fls. 48 a 57).

    [1] O requerente não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação; esta Relação, considerando-o inútil[2], decidiu não conhecer do recurso interposto (decisão de 22.02.2022 / apenso D).

    O processo prosseguiu e após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença, a 28.12.2021, que decidiu que as crianças CC e DD) frequentem, no ano letivo de 2021/2022, o Agrupamento de Escolas ....

    Inconformado, o requerente apelou formulando as seguintes conclusões: I - DA VIOLAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA (ARTIGO 20º, N.º 4 e 5 DA CRP) – violação subsidiária do princípio da atuação precoce e da atualidade e proporcionalidade (artigo 4º da LPCJP por remissão do disposto no artigo 4º do RGPTC) e da garantia de acesso aos tribunais (artigo 2º do CPC).

    1ª - O Tribunal “a quo” foi chamado a determinar, no corrente ano letivo de 2021/2022, qual o estabelecimento de ensino a frequentar pelos menores, se aquele que frequentaram no ano letivo anterior (Agrupamento de Escolas ...) ou se aquele para onde foram transferidos (Agrupamento de Escolas ...), tendo o pai requerido que fosse aquele e não este.

    2ª - Tendo requerido aquando da propositura do incidente, ao abrigo do disposto no art.º 28º do RGPTC, decisão provisória sobre a questão em apreço, ordenando as diligências indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão que vier a tomar, no sentido do que é solicitado pelo próprio, ainda que sem o contraditório prévio da Requerida, a fim de evitar colocar em risco sério o fim do presente incidente, por forma a que a decisão tenha efeito útil, não prejudicando o ano letivo dos menores e evitando causar-lhes ainda mais instabilidade.

    3ª - O Tribunal “a quo” só se pronunciou a título provisório sobre a questão a 19.10.2021 tendo determinado não decidir provisoriamente a questão, relegando a sua decisão apenas para ser tomada a final.

    4ª - O presente incidente foi instaurado no dia 01.9.2021, com menção de URGENTE pretendendo o Recorrente, com o pedido formulado, que o tribunal tomasse a decisão antes do início do ano letivo (o que se previa ocorrer a 17.9.2021).

    5ª - Porém, até lá o Tribunal “a quo” não tomou qualquer decisão e, posteriormente, na conferência de pais, que teve lugar apenas a 30.9.2021, também não a tomou nem a título provisório, conforme foi solicitado ao abrigo do disposto no art.º 28º do RGPTC, nem nos termos do disposto no art.º 38º do mesmo diploma legal, uma vez que os progenitores não chegaram a acordo.

    6ª - Se porventura, realizada a conferência de pais, onde seriam ouvidos os progenitores e obtida, entretanto, prova adicional que o levasse a concluir que seria do interesse dos menores a mudança de escola, poderia alterar a decisão provisória proferida a todo o tempo, determinando-a, já que, conforme refere o artigo 28º, n.º 1 do RGPTC, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento das partes ou mesmo oficiosamente, o tribunal pode decidir questões que devam ser apreciadas a final, podendo, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, também provisoriamente alterá-las, ainda que já estejam tomadas a título definitivo.

    7ª - No entanto, não tendo lançado mão do disposto no artigo 28º, n.º 1 e 5º do RGPTC, o que se impunha, sem o contraditório da Requerida, e não o fez, não impediu que os menores fossem sujeitos à mudança de estabelecimento de ensino sem verificar se a mesma era do seu INTERESSE, NECESSÁRIA e ADEQUADA! 8ª - A Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu art.º 20º, consagra o direito efetivo de todos os cidadãos de “Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional efetiva”, sendo ambos direitos fundamentais que se impõem a todos os órgãos (públicos e privados), por força do Estado de Direito Democrático consagrado no art.º 2º da mesma, respeitando ainda os direitos do homem, das liberdades fundamentais e do Estado de Direito consagrado no art.º 6º do Tratado da União Europeia.

    9ª - O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva constitui uma garantia imprescindível da proteção dos direitos fundamentais, sendo por isso inerente à ideia de Estado de Direito.

    10ª - No que respeita ao direito de acesso aos Tribunais, a Constituição dá acolhimento ao direito ao processo equitativo e à decisão da causa em prazo razoável.

    11ª - À partida o princípio do contraditório opõe-se, em regra, à tomada de decisões judiciais com fundamentos sobre os quais as partes não tiveram oportunidade de se pronunciar, proibindo-se aquilo que se denomina de “decisões surpresa”, que encontra a sua consagração legal no art.º 3º do Código de Processo Civil (CPC).

    12ª - Todavia, a mesma garantia à tutela jurisdicional efetiva implica o direito a uma decisão em prazo razoável, o que pressupõe uma formatação processual temporalmente adequada que não envolva uma dilação das respostas das autoridades judiciárias capaz de pôr em causa a efetividade da proteção.

    13ª - A CRP, na parte final do n.º 5 do seu art.º 20º, garante a tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações de direitos, liberdades e garantias, ou seja, é garantida não apenas quando os direitos são efetivamente violados, mas também quando exista o perigo da sua lesão, pelo que se impõe a existência de procedimentos cautelares marcados pela necessidade de urgência e pela celeridade processual.

    14ª - Situações há em que o legislador limita o exercício do princípio do contraditório, sobrepondo-se a tutela efetiva do direito na sua dimensão de necessidade de obtenção de decisão em tempo útil e oportuno, o que sucede nomeadamente em matéria de direito da família e dos menores, sendo o art.º 28º do RGPTC um dos seus mais expressivos exemplos.

    15ª - O princípio da intervenção precoce determina que a intervenção deve ser efetuada que a situação de urgência seja noticiada e o princípio da proporcionalidade e atualidade determina que a intervenção deve ser adequada à situação em concreto, no momento em que a decisão é tomada e só deve interferir na medida do estritamente necessário na sua vida e na da sua família.

    16ª - No caso em apreço, não só o Tribunal “a quo” não tomou qualquer decisão a título cautelar antes da efetivação da mudança de escola, que se consubstanciou com o início do ano letivo, como na própria conferência de pais também nada decidiu a título provisório, tendo proferido ainda despacho a decidir não dispensar o contraditório prévio escrito à Requerida, só vindo a proferir despacho sobre o que lhe foi solicitado a título cautelar a 19 de outubro.

    17ª - O Requerente perante a não decisão em tempo útil e oportuno, vendo relegada a decisão da questão do estabelecimento de ensino a frequentar pelos seus filhos no corrente ano letivo de 2021/2022 para final, acabou por ver violado o seu direito à tutela efetiva jurisdicional efetiva, que acabou decidida com base na TEORIA DO FACTO CONSUMADO! 18ª - O Tribunal “a quo”, da forma como procedeu, violou o direito do Recorrente à tutela jurisdicional efetiva, pelo que a decisão proferida não salvaguarda o efeito útil que se pretendeu alcançar com a propositura do presente incidente, colocando seriamente em causa a confiança nas instituições judiciais por falta de decisão oportuna.

    19ª - Pelo que, tendo ocorrido decisão sobre a questão que foi inicialmente colocada ao Tribunal apenas agora, a final, o Tribunal fez incorreta interpretação, aplicação e articulação do disposto nos art.ºs 44º, 28º, 38º e 4º do RGPTC, não assegurando o direito à tutela jurisdicional efetiva plasmado no art.º 20º, n.ºs 4 e 5 da CRP e ainda no art.º 2º do CPC, logo a mesma está ferida de inconstitucionalidade.

    II - DA NULIDADE DA SENTENÇA PROFERIDA – ARTIGO 615º, n.º 1, al. d) do CPC (excesso de pronúncia) 20ª - Apesar de na parte do relatório o Tribunal “a quo” ter fixado que o objeto da decisão da causa era decidir o diferendo sobre que escola os menores deverão frequentar no corrente ano letivo de 2021/2022, a sentença pronunciou-se igualmente sobre questões que não foram sujeitas ao contraditório por parte do Recorrente e muito menos à sua apreciação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT