Acórdão nº 2038/20.2T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução11 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Alberto Ruço Vítor Amaral Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 01.7.2020, A..., Unipessoal, Lda., instaurou a presente ação declarativa comum contra E... Ltd, pedindo: «Nestes termos e nos mais de direito requer-se a V. Exa se digne: (i) Anular os contratos celebrados entre a A. e a R. declarando a A. desvinculada de qualquer obrigação neles assumida; (ii) Condenar a R. a indemnizar a A. pelos prejuízos causados pela sua conduta dolosa, nomeadamente, pelos lucros cessantes emergentes da não disponibilização do software encomendado à R., a liquidar em execução de sentença.

Caso assim não se entenda: (iii) Declarar licitamente resolvidos os contratos denominados “...” e “...”. (iv) Condenar a R. a indemnizar a A. pelos prejuízos causados pela sua conduta inadimplente, nomeadamente, pelos lucros cessantes emergentes da não disponibilização do software encomendado à R., a liquidar em execução de sentença.

» Alegou, em síntese: foi celebrado um memorando de entendimento (“MoU”) entre a A., o D...1), no ... e a Secretaria de Estado da Agricultura de ..., no ..., nos termos do qual, pretenderam formalizar as diligências para estabelecer uma aliança comercial destinada a promover mutuamente os respetivos Estados como destinos de investimento; tanto o Emirado do ... como o Estado de ... visaram com a celebração deste “MoU” encorajar e promover o estabelecimento de uma cooperação entre as suas comunidades de investidores; a missão estabelecida para a A. no âmbito do “MoU” foi a de enveredar esforços no sentido de capturar e gerir potenciais investidores e fazer o acompanhamento, sempre que necessário, das transações que viessem a ser geradas no âmbito da parceria; no âmbito das atividades levadas a cabo ao abrigo do “MoU”, e após a sua assinatura, as partes naquele documento entenderam ser relevante para alcançar os objetivos propostos que fosse experimentada e colocada em funcionamento uma plataforma de trading digital que permitisse o estabelecimento de relações comerciais entre os diversos agentes económicos dos setores agrícolas de cada um dos estados envolvidos e no seio da qual pudessem ocorrer efetivas transações comerciais, à distância; por isso as partes referidas contactaram a Ré no sentido de apresentar uma proposta de solução de software que permitisse concretizar os objetivos pretendidos; a Ré não forneceu o software pronto a ser usado, pelo que a A. veio a declarar resolvido o contrato celebrado com a Ré com fundamento em incumprimento desta.

A Ré contestou, invocando, além do mais, a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar a presente ação, por violação do pacto de jurisdição, pedindo a sua absolvição da instância.

Na sequência dos requerimentos da A. de 08.7.2021 e 12.11.2021[1], o Mm.º Juiz do Tribunal a quo proferiu, a 18.01.2022, o seguinte despacho: «ADEQUAÇÃO FORMAL: / Considerando a matéria de exceção invocada na Contestação (cf. art.º 576º, n.º 3, do CPC) e apesar do disposto no art.º 3º, n.º 4, do CPC, para melhor gestão processual, impõe-se adequar formalmente o processo permitindo à Autora, desde já, responder por escrito à matéria de exceção, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 3º, n.º 3, 6º, n.º 1, 547º e 593º, n.º 2, alínea b), do CPC. / Termos em que convido a Autora para, no prazo de 15 dias, responder por escrito à matéria de exceção invocada na Contestação.

(...)» A A. reiterou o afirmado naqueles anteriores requerimentos, mas veio a pronunciar-se sobre a dita exceção (de incompetência internacional dos tribunais portugueses), aduzindo, designadamente, que o único aspeto da relação contratual estabelecida entre as partes que foi objeto de conversa e negociação foi o preço, tendo o mais resultado da imposição pela Ré à A. dos seus clausulados contratuais gerais.

De seguida, por decisão de 28.02.2022, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo dispensou a realização da Audiência Prévia ao abrigo do disposto no art.º 547º, do Código de Processo Civil (CPC) - considerando exercido o contraditório relativamente às exceções - e julgou verificada a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar a presente causa, absolvendo a Ré da instância.

Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - Pese embora o Tribunal a quo, anteriormente à prolação da Sentença, tenha convidado a Recorrente a exercer o contraditório relativamente à invocada exceção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, o mesmo não sucedeu quanto à dispensa da Audiência Prévia, cuja intenção não foi previamente manifestada.

2ª - Tal libelo decisório constitui, consequentemente, uma decisão-surpresa, violando o princípio do contraditório, disposto no art.º 3º do CPC.

3ª - A decisão assim proferida constitui ainda uma nulidade processual, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 195º, n.º 1, do CPC, por consubstanciar a omissão de um ato que a lei expressamente prevê, com manifesta influência na decisão da causa, como é disso espelho a prolação da sentença recorrida.

4ª - Nos termos do disposto no art.º 591º, n.º 1 do CPC, a Audiência Prévia é uma diligência processual de realização obrigatória e a sua dispensa apenas será permitida quando se encontrem verificados os pressupostos do art.º 593º do CPC, especialmente, a manifestação expressa da intenção da dispensa e o convite expresso às partes para se pronunciarem sobre essa mesma intenção, e, bem assim, a recolha do assentimento expresso das partes à referida dispensa.

5ª - Nos presentes autos, a propósito das insistências da Recorrida para que o Tribunal a quo conhecesse de imediato da exceção de incompetência absoluta deduzida na contestação, a Recorrente pronunciou-se nos autos, por diversas vezes, manifestando a sua oposição à dispensa da Audiência Prévia.

6ª - Ao proferir uma decisão que conhecia de exceção dilatória de incompetência absoluta, fixando ainda matéria de facto provada, não poderia o Tribunal a quo deixar de ter realizado a Audiência Prévia, sem a qual o prosseguimento dos autos estaria vedado.

7ª - Posto o que deve ser revogada a sentença recorrida e ordenar-se a realização da Audiência Prévia, nos termos previstos no art.º 591º do CPC.

8ª - O conhecimento da exceção de incompetência absoluta dos tribunais portugueses, tal como a ação se encontra configurada pelas partes, pressupunha, necessariamente, o conhecimento pelo Tribunal a quo de matéria de facto alegada nos articulados e, consequentemente, de produção das respetivas provas que as Partes indicaram e poderiam ainda vir a carrear para os autos, em sede de audiência prévia, e até ao final da discussão causa.

9ª - Em particular, no que concerne à alegação da Recorrente de que a cláusula atributiva de competência, não resultou da sua vontade livre, consciente e esclarecida, mas de uma imposição da Recorrida que lhe coartou a liberdade negocial - alegação que determina a necessidade e a essencialidade para o thema decidendum do apuramento da factualidade alegada relativamente às circunstâncias da celebração do contrato objeto dos autos.

10ª - Quando proferiu a decisão recorrida, o Tribunal a quo não dispunha de todos os elementos essenciais para poder decidir, tendo a tal decisão, sido, inevitavelmente prematura.

11ª - O Tribunal a quo estava impedido de concluir, sem mais, pela existência e validade de um pacto atributivo de competência celebrado entre as partes, e consequentemente, pela incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar a presente ação.

12ª - Nessa medida, a decisão proferida violou o direito de defesa e ao contraditório da Recorrente; e viola o disposto no art.º 595º, n.º 1 do CPC, na medida em que, não se encontra provada nos autos toda a matéria de facto relevante para o conhecimento de todas as soluções plausíveis de direito aplicáveis ao caso vertente, e, bem assim, o disposto no art.º 5º, n.º 2, al. b) do CPC, na medida em que, face ao alegado nos autos deveria o Tribunal a quo proceder à recolha dos factos da causa que se mostrem dotados de relevância jurídica.

13ª - Pese embora a Recorrente tenha reiterado nos autos que a exceção de incompetência absoluta carecia de conhecimento de matéria de facto pelo Tribunal a quo, sem a qual não seria possível conhecer da referida exceção, a decisão recorrida não se pronunciou sobre tal questão, o que determina a nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, o que se requer, também, seja declarado.

14ª - Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que, pese embora os contratos celebrados entre a Recorrente e a Recorrida, e que servem de fundamento à presente ação, contenham uma cláusula de foro e de escolha de lei que apontam para os Tribunais do Reino Unido, mais concretamente os tribunais da cidade de Londres, as mesmas devem ser consideradas nulas.

15ª - A Recorrente subscreveu tais contratos sem que lhe tivesse sido facultada pela Recorrida a oportunidade de negociação do seu conteúdo, i. é.

, de forma que não pode ser tida por uma manifestação livre e consciente da sua vontade.

16ª - Resulta por isso aplicável aos referidos contratos o RCCG, que prevê, no seu art.º 1º, n.º 2, que o mesmo “aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.

17ª - Sendo que, no seu n.º 3, é referido que o “ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”, o que não sucedeu, uma vez que não foi feita qualquer prova, por parte da Recorrida, de que as cláusulas, nomeada e concretamente as referentes ao foro e lei aplicável, tenham sido objeto de negociação e acordadas entre as Partes.

18ª - A escolha de um foro situado em Londres resulta financeiramente incomportável para a Recorrente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT