Acórdão nº 614/20.2T8PBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução11 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Alberto Ruço Vítor Amaral Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 18.8.2020, F..., Lda., intentou a presente ação declarativa comum contra Companhia de Seguros A..., S. A., pedindo que seja condenada a pagar-lhe: a) € 25 052,80, a título de indemnização pela perda da viatura, com juros moratórios comerciais, sobre a quantia de € 24 394,99, desde 19.8.2020 até integral pagamento; b) € 19 800, a título de indemnização por danos pela paralisação do veículo, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; c) o valor dos danos vincendos decorrentes da paralisação da viatura, à razão de € 200/por dia útil, a contar de 19.8.2020, até que seja satisfeito o pedido indicado sob a alínea a).

Alegou, em síntese: nas circunstâncias indicadas na petição inicial (p. i.), ocorreu um sinistro, envolvendo um seu veículo segurado na ré, do qual resultaram danos equivalentes à sua perda total, no valor de € 25 000; em virtude do incumprimento por parte da ré dos deveres atinentes à regularização do mencionado sinistro, sofreu danos decorrentes da paralisação do veículo, no valor de € 200/dia útil.

A ré contestou, alegando, em resumo, que, no âmbito do contrato celebrado com a autora se encontra excluída a cobertura de danos próprios na vertente de choque, colisão e capotamento sempre que o condutor do veículo se apresente com taxa de álcool no sangue superior ao legalmente admissível, o que sucedeu; não foi contratada a cobertura relativa a privação do uso / veículo de substituição; em face dos contornos do sinistro, justificou-se a demora na concretização da sua averiguação, inexistindo qualquer comportamento culposo da ré que implique o pagamento de indemnização a título de privação do uso, se devida.

A autora deduziu incidente de ilisão de autenticidade ou da força probatória do “documento n.º 11” apresentado pela ré com a contestação (cf. fls. 123 a 126 e 138).

Foi proferido despacho saneador que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova (inclusive, do incidente).

Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, por sentença de 29.3.2022, julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - O teor dos documentos 8 junto com a p. i. e 11 junto com a contestação, (respetivamente, participação do acidente e posterior aditamento), conjugado com os depoimentos prestados pelas testemunhas AA e BB, analisados à luz das regras da experiência não permite dar como provado o facto assente sob o ponto 32., na medida em que ficou por demonstrar que o resultado do teste à amostra de sangue colhida ao condutor correspondesse à taxa que o mesmo apresentava no momento da condução.

2ª - O julgamento demonstrou que a colheita da amostra de sangue para análise quantitativa ocorreu pelas 20/21 horas do dia 04.3.2020, entre 08 a 09 horas após o condutor ter admitido, sem prova em contrário, ter ingerido bebidas alcoólicas e cerca de sete hora após a ocorrência do sinistro.

3ª - A forma como a colheita dessa amostra ocorreu em nada respeitou o estipulado no “Regulamento de Fiscalização” aprovado pela lei n.º 18/2007, de 17.5, pois não foi feito dentro dos 30 minutos de intervalo entre os dois testes, não foi feito dentro do mais curto espaço de tempo possível, nem sequer no estabelecimento de saúde mais próximo do local do sinistro. O resultado do teste também não foi entregue às autoridades policiais no prazo máximo de 30 dias após a receção da amostra.

4ª - Pese embora se entender que a expressão “mais curto espaço de tempo” não encerra em si um limite temporal apertado, podendo referir-se a várias horas, esse limite é necessariamente imposto pela ciência que nos dá a conhecer o comportamento do álcool no organismo, revelando que a sua presença é tanto mais detetável quanto mais próximo da sua ingestão.

5ª - A “curva da alcoolémia” ensina também que os vestígios de uma ingestão moderada de álcool deixam de ser detetáveis no sangue a partir da sexta hora posterior à ingestão, não sendo assim possível, no caso, imputar ao condutor, a condução sob o efeito de álcool às 13h45m (hora do acidente) através de um exame cuja colheita foi feita sete horas depois.

6ª - A menos que o condutor estivesse num profundo estado de embriaguez a essa hora, o que é desmentido pelo teste de despistagem realizado nesse momento do acidente, que deu um resultado negativo, ou seja, sem indícios da presença de álcool no sangue.

7ª - A apontada discrepância só se poderá explicar de uma das seguintes formas: ou erro na colheita e manuseamento da amostra submetida a exame; ou a amostra sujeita a exame não se refere àquele condutor; ou o condutor ingeriu álcool entre as horas que separaram a realização dos testes qualitativo ou quantitativo; ou, por último, terá havido erro na realização do teste qualitativo (o que a autoridade que o executou negou perentoriamente).

8ª - Não tendo o julgamento tido a virtualidade de clarificar essa disparidade o tribunal a quo não poderia dar como provado, sem mais, que o resultado do teste de álcool aditado à participação do acidente correspondesse ao que o condutor detinha no momento da condução, dando dessa forma por preenchida a cláusula de exclusão de cobertura.

9ª - Mas já poderia o Tribunal e deveria, ao abrigo do princípio do inquisitório, consagrado no art.º 411º, do Código de Processo Civil (CPC), - e uma vez que o facto controvertido é superveniente à propositura da ação -, ter encetado oficiosamente as diligências que reputasse como necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.

10ª - A não determinação da realização de todas as diligências tidas como possíveis e necessárias a uma composição justa do litígio, encerra em si uma nulidade processual que aqui se invoca.

11ª - O facto dado como não provado sob a alínea b) entra em colisão com o que decorre provado no ponto 19., devendo assim ser suprimido.

12ª - O depoimento da testemunha CC, na descrição que fez relativamente à forma como se estabeleceu o contrato de seguro entre as partes, quanto às respetivas coberturas, valores, prémios, e às reações e comportamentos das partes no desenvolvimento da regularização do sinistro, conjugado com as mais elementares regras da experiência comum, impõe que os factos dados como não provados sob as alíneas a), c), d) e e) sejam dados como provados.

13ª - Tratando-se a cláusula (subponto 6.3 do ponto 6) referida na alínea f) dos factos não provados de uma cláusula contratual geral, não sujeita à prévia negociação entre as partes, a prova da sua comunicação e elucidação compete, não à recorrente pela negativa, mas sim à recorrida pela positiva.

14ª - Assim o facto constante desta alínea f) não deveria estar nos factos não provados, mas sim nos factos provados, pois a recorrida não logrou, nem sequer tentou provar que o teor desse subponto (ou qualquer outro ponto ou cláusula da apólice), tenha sido devidamente explicado à recorrente em termos de conteúdo e alcance.

15ª - Tanto o que decorreu provado sob os pontos 33. e 34. bem como o conteúdo do depoimento da testemunha DD permitem dar como provado pelo menos parte do teor da alínea g) dos factos não provados. Assim, não podendo o veículo continuar a atividade para a qual se provou ser utilizado, a sua paralisação gera obviamente prejuízo diário, apesar de não se ter logrado fazer prova do respetivo valor.

16ª - Ainda o depoimento desta testemunha impunha também que se levasse à matéria assente que o condutor, a ter eventualmente conduzido sob a influência do álcool no momento da colisão, fê-lo à revelia e contra as ordens expressas e contrárias que lhe foram dadas pela recorrente.

17ª - A decisão quanto à matéria de facto deverá assim ser modificada nos seguintes termos: 1. Alterando-se o facto dado como assente sob o ponto 32. para a seguinte redação: “Entre as 20 e as 21 horas do dia em que ocorreu o acidente, já no Hospital ..., em ... para onde foi encaminhado em consequência das lesões que sofreu, o condutor do veículo em causa foi submetido a colheita de sangue para deteção da presença de álcool” 2. Transportando-se para a matéria provada os factos que o não foram sob as alíneas a), c), d), e) e f).

3. Eliminando-se a totalidade do facto vertido na alínea b) dos factos não provados.

4. Eliminando-se dos factos não provados a alínea g), e dar-se como provado o seguinte facto: “A privação do uso do veículo em causa nos autos, atentas as suas utilidade, tonelagem e capacidade de gerar rendimento, acarreta um prejuízo diário, em valor não concretamente apurado.” 5. Acrescentando-se à matéria provada o seguinte facto novo, não tido em consideração na decisão, com a seguinte redação: “A circunstância de o condutor do veículo em causa conduzir com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente admissível, a acontecer, ocorreu à revelia da autora e contra as suas ordens expressas de não ingerirem bebidas alcoólicas quando conduzem.” 18ª - Tratando-se o aditamento à participação do acidente, de um documento autêntico, a parte do teor do mesmo, pela qual se nega a submissão do condutor ao teste de álcool por ar expirado, tendo-se apurado que essa submissão ocorreu efetivamente, é falsa, nos termos do disposto no art.º 372º, do Código Civil (CC).

19ª - Logo o incidente pelo qual se requereu a respetiva declaração de falsidade, tendo-se cingido a essa parte, não pode deixar de proceder integralmente.

20ª - A coexistência, no mesmo contrato de seguro, de uma cláusula que exclui das coberturas do seguro facultativo a condução sob o efeito do álcool, com outra que prevê expressamente a favor da seguradora o direito de regresso, após satisfeita a indemnização, contra o condutor que conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, é manifestamente contraditória, 21ª - E a resolução do conflito decorrente dessa contradição só é...

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