Acórdão nº 2068/20.4T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

1.- Relatório 1.1. – A..., Lda.

, sociedade comercial por quotas, com sede em ..., Leiria, com o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ...., intentou a presente ação contra B. , sociedade comercial de direito alemão, com sede em ..., Freiburgo-Hochdorf, com o número único de registo comercial ... (Friburgo) e com o número de identificação fiscal 0..., pedindo que: 1. Seja declarado que Autora e Ré celebraram um contrato de concessão comercial em 28 de janeiro de 2002; 2. Seja declarado que a Ré resolveu ilicitamente o referido contrato através da comunicação enviada à Autora, datada de 27 de novembro de 2019; 3. Seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 190.659,80 (cento e noventa mil seiscentos e cinquenta e nove euros), a título de indemnização de clientela.

  1. Seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 152.527,84 (cento e cinquenta e dois mil quinhentos e vinte sete euros e oitenta e quatro cêntimos), a título de indemnização pela resolução ilícita do contrato; A todas as quantias acrescem juros de mora, às sucessivas taxas legais aplicáveis, calculados desde 27 de novembro de 2019, até integral e efetivo pagamento.

    Para tanto refere, em síntese: Que em janeiro de 2002, celebrou verbalmente um contrato de concessão comercial com a Ré por via do qual passou a ser distribuidora dos cilindros hidráulicos desta, com exclusividade para Portugal e Espanha. No âmbito do contrato de distribuição comercial, a Autora comprava os produtos da Ré, nomeadamente cilindros hidráulicos e respetivos acessórios, que depois revendia a terceiros, nomeadamente aos clientes que angariava.

    Quando o produto chegava, a Autora faturava o mesmo ao seu cliente, recebendo o valor respetivo.

    A Autora não celebrava os contratos de compra e venda em nome e por conta da Ré. Pelo contrário, celebrava os contratos em seu nome, daí que emitisse as faturas e recebesse o seu valor, o que significa que a Autora atuava em seu nome e por conta própria.

    Este sempre foi o relacionamento comercial que vigorou entre as partes, que nunca foi formalizado através de contrato escrito.

    Em 28 de janeiro de 2002, a Ré apresentou à Autora um contrato para formalizar o relacionamento comercial entre as partes que intitulou “contrato de agência”, não negociou as cláusulas do contrato, que lhe foi, na verdade, imposto pela Ré, tendo a Ré informado que o contrato era uma mera formalidade para efeitos contabilísticos.

    Em 27 de novembro de 2019, a Ré resolveu o contrato de distribuição comercial em causa nestes autos através de uma comunicação escrita que enviou à Autora com o assunto “resolução do contrato de agência”, sem qualquer fundamento, pelo que, tem direito a uma indemnização nos termos gerais pelos danos resultantes da não manutenção do contrato, ou seja, da resolução ilícita, tal como prevê o artigo 32.º, n.º 1 do diploma legal em análise.

    * 1.2. - Citada a R. apresentou contestação, onde excecionou a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, alegando, para o efeito e em síntese: - Por um lado, que todos os contratos celebrados entre a autora e a ré, desde o início das relações comerciais entre ambas, obedeceram a determinado formalismo, que melhor precisou, nos termos do qual, a dado momento, a ré dirigia à autora missiva dizendo “Temos o prazer de vos fazer a seguinte oferta de acordo com os nossos termos e condições gerais que podem ser consultadas na internet em www.heb-zyl.com (...)”, sendo que, de acordo com os referidos termos e condições gerais da ré, disponíveis no respetivo sítio na internet, a jurisdição competente para qualquer litígio emergente dos contratos celebrados é a dos tribunais de Freiburg, em Breisgau, Alemanha (cláusula 11.2).

    - Por outro lado, nos termos do parágrafo 11.º do contrato escrito celebrado entre a autora e a ré, que aquela juntou como documento n.º 2 com a sua petição inicial, “É competente para todos os litígios emergentes deste contrato o tribunal de Friburgo em Brisgóvia.”.

    Mais defendeu que os referidos pactos privativos e atributivos de jurisdição são indiscutivelmente válidos e eficazes, face ao disposto no artigo 94.º do Código de Processo Civil e, nesses termos, o Tribunal Judicial da Comarca de Leiria não tem competência internacional para julgar a presente ação.

    Inpugnando também a pretensão da A., referindo não se verificarem os pressupostos de qualquer indemnização.

    * 1.3. - A autora exerceu o contraditório acerca da matéria de defesa por exceção, referindo: - O relacionamento comercial existente entre as partes nunca foi formalizado através de contrato escrito e nunca foi convencionada a competência do tribunal; - Em 28 de janeiro de 2002, a autora assinou o contrato que juntou com a sua petição inicial, de boa-fé e sem ter negociado as respetivas cláusulas, sendo que esse contrato nunca vigorou entre as partes; - Caso se entenda que se deve apreciar a questão ao abrigo desse contrato escrito, essa cláusula é nula, nos termos dos artigos 12.º, 15.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10.

    * 1.4. - Entendeu-se que os autos conterem, todos os elementos e foi proferida decisão a julgar procedente a exceção invocada pela R./aqui recorrida, julgando-se o tribunal internacionalmente incompetente para o julgamento da presente causa e, por conseguinte, decidiu-se absolver a ré da instância, declarando-a extinta.

    Custas pela autora (cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil).

    * 1.5. - Inconformada com tal decisão dela recorreu a A. - A. , LDA.,-, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem: “1. A douta sentença viola o disposto nos artigos 7.o Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012, artigo 71.o, n.o 1, do Código de Processo Civil e do Decreto-Lei n.o 446/85 de 25 de outubro (LCCG).

  2. Como se alegou na Petição Inicial, a Autora, em janeiro de 2002, celebrou verbalmente um contrato de concessão comercial com a Ré por via do qual passou a ser distribuidora dos cilindros hidráulicos desta, com exclusividade para Portugal e Espanha. No âmbito do mencionado contrato de distribuição comercial, a Autora comprava os produtos da Ré, nomeadamente cilindros hidráulicos e respetivos acessórios, que depois revendia a terceiros, nomeadamente aos clientes que angariava.

  3. A Autora não celebrava os contratos de compra e venda em nome e por conta da Ré. Pelo contrário, celebrava os contratos em seu nome, daí que emitisse as faturas e recebesse o seu valor. O que significa que a Autora atuava em seu nome e por conta própria.

  4. Este sempre foi o relacionamento comercial que vigorou entre as partes, que nunca foi formalizado através de contrato escrito.

  5. Sendo que no âmbito deste relacionamento comercial nunca foi convencionada a competência do tribunal, nem a legislação aplicável.

  6. Daí a competência internacional do tribunal.

  7. No caso em apreço é aplicável o artigo 7.a do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 20124, (publicado 4 Publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 20/12/2012, L 351), segundo o qual “as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro: A) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deve ser cumprida a obrigação em questão. B) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar do cumprimento da obrigação em questão será: - no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.” 8. Face ao relacionamento comercial que sempre vigorou entre as partes, não há dúvidas que o lugar do cumprimento da obrigação era em Portugal.

  8. Em 28 de janeiro de 2002, a Ré apresentou à Autora um contrato para formalizar o relacionamento comercial entre as partes que intitulou “contrato de agência”. A Autora não negociou as cláusulas do contrato, que lhe foi imposto pela Ré e que aquela assinou de boa-fé.

  9. Apesar do teor do contrato e de a Ré o ter intitulado como “contrato de agência”, a verdade é que, como vimos, o relacionamento comercial que sempre vigorou entre as partes era bastante distinto, correspondendo a um contrato de concessão comercial. Ou seja, o “contrato de agência” nunca vigorou entre as partes.

  10. Nem o “contrato de agência” vigorou alguma vez entre as partes, nem a prática comercial que estas mantiveram ao longo dos vários anos se subsume a uma relação de agência.

    Sem conceder, 12. Caso se entenda que se devem apreciar estes autos ao abrigo do “contrato de agência” celebrado entre as partes em 28 de janeiro de 2002 - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite -, cumpre tecer algumas considerações.

  11. O contrato refere na sua cláusula §11, com epígrafe “diversos” que “é competente para todos os litígios emergentes deste contrato o tribunal de Friburgo em Brisgóvia”, Alemanha.

  12. Este contrato configura um contrato de adesão uma vez que o seu conteúdo não foi negociado pelas partes, mas sim imposto unilateralmente por uma delas, tal como decorre do artigo 1.o do Decreto-Lei n.o 446/85 de 25 de outubro. Sendo que a Autora não negociou nenhuma das cláusulas previstas no contrato, nomeadamente a referida clausula 11.a, tendo-se limitado a assinar o contrato que lhe foi apresentado pela Ré e que foi elaborado por esta, sem qualquer intervenção da Autora.

  13. A Autora é uma pequena empresa, de âmbito nacional e de cariz familiar, já que os seus únicos sócios são marido e mulher. Diferentemente, a Ré é uma multinacional de referência, nomeadamente no setor dos cilindros hidráulicos.

  14. A dimensão e a capacidade negocial da Ré é muito superior à da Autora, não é sequer comparável. Ou seja, a Autora está numa situação de manifesta inferioridade negocial e de meios perante a Ré.

  15. Há um grave inconveniente para a Autora em recorrer a tribunais estrangeiros, desde logo porque tratando-se de uma pequena sociedade por quotas, de cariz familiar e de âmbito nacional, teria...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT