Acórdão nº 193/20.0T8MMV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Em 09.9.2020, A., Unipessoal, Lda., instaurou o presente procedimento cautelar comum contra B., Lda., pedindo a imediata devolução à requerente do imóvel e do estabelecimento hoteleiro - unidade hoteleira “C. ”, sita na Rua ..., ..., de que é proprietária -, e bem assim que seja dispensa de apresentar a respetiva ação principal.

Alegou, em síntese: em 25.11.2019, celebrou com a requerida, um contrato de cedência de utilização de imóvel e cessão da exploração hoteleira do C.

[1]; em razão do incumprimento daquele contrato, intentou procedimento de injunção contra a requerida para pagamento da quantia de € 35 448,03[2]; a requerida não tem cumprido, designadamente, as obrigações constantes das cláusulas 5ª (“contrapartida de exploração”) e 6ª (“obrigações principais da cessionária”), razão pela qual terá de gastar aproximadamente € 270 000 com a recuperação do imóvel (máxime, do “campo de Pitch and Putt”) e a manutenção de toda a maquinaria.

[3] Fixada a competência do tribunal[4] e citada a requerida, esta opôs-se e concluiu pela improcedência do procedimento cautelar por não se verificarem os respetivos pressupostos legais. Aduziu, designadamente, que a requerente não é titular de qualquer crédito ou direito sobre a requerida e que o procedimento só se justifica com a ânsia da requerente em ver resolvida de forma rápida e sumária uma situação controversa e complexa, tentando por via da entrega imediata da posse do imóvel e estabelecimento comercial esvaziar de sentido e fundamento a ação principal, sendo que importa resolver as questões atinentes à resolução do contrato e ao juízo sobre a qual das partes é imputável um eventual incumprimento e suas consequências.

Foi indeferido o pedido de prolação de decisão de inversão do contencioso, tentada a conciliação das partes e realizada a 1ª sessão da audiência final (fls. 319, 338 e 344).

[5] Por requerimento de 03.9.2021, D. , Administrador Judicial Provisório nomeado no Processo Especial de Revitalização n.º 2452/21.6T8VCT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Comércio de Viana do Castelo, em que é devedor(a) B. , Lda., veio ao abrigo do disposto no art.º 17º- E, n.º 1 do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), requerer “a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências que tenham sido requeridas, bem como obstar ao prosseguimento da ação executiva contra a devedora”.

A requerente opôs-se, invocando que não se verificam os requisitos para a pretendida suspensão, e, ainda, que a resolução do contrato de cedência e exploração operou em junho/2021, quando a requerente enviou notificação judicial avulsa para a direção da requerida constante da cláusula 22º do aludido contrato (ainda que tenha vindo nota de não citação, até porque o endereço da requerida é o que consta da notificação judicial avulsa); ainda assim, por cautela, foi enviado email ao Sr. Administrador Judicial, mandatária da Requerida e carta registada com A/R à requerida dando-lhe conta que a requerente considera que o contrato está neste momento resolvido.

Posição contrária foi assumida pela requerida.

Por despacho de 22.9.2021, a Mm.ª Juíza a quo ponderou e decidiu que «integrando o objecto da providência também a previsão do n.º 1, do art.º 17º-E, do CIRE, forçoso é concluir pela requerida suspensão – o que se determina, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 17º-E do CIRE, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações.» Inconformada, a requerente apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - O procedimento cautelar previsto no art.º 21º, do DL n.º 149/95, de 24.6, destinado à entrega judicial de bens pelo locatário, proposto na sequência da resolução do respetivo contrato de cessão de exploração hoteleira do C. , com fundamento na falta de pagamento pela Requerida, das respetivas rendas e ainda, por via da violação grosseira da cláusula 6º, n.º 3 alíneas a), c), f), g) e f) do referido contrato, não é nem se equipara à ação declarativa ou executiva para cobrança de dívidas, prevista no art.º 17º-E n.º 1 do CIRE.

  1. - Com a entrada do PER, veio a Requerida aos presentes autos requerer a suspensão da providência cautelar nos termos do n.º 1 do art.º 17º-E do CIRE que “...obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.

  2. - A providência cautelar em apreço não configura qualquer ação para cobrança de dívida contra a Requerida, nem tem idêntica finalidade, ademais, o pedido cautelar está confinado à entrega de bens (imóvel e recheio) de que a Requerida tem o gozo e que lhe foi concedido através do direito contratual emergente do contrato de cessão de utilização e exploração hoteleira do C. .

  3. - Contrato que foi eficazmente resolvido pela Recorrente com data anterior à entrada do PER, facto este importante e omitido pela Mm.ª Juiz “a quo”, no seu despacho.

  4. - Omitiu a Mm.ª Juiz “a quo” que tal incumprimento da Requerida, advém ainda, por via das obrigações assumidas por esta quanto a terceiros, aquando da celebração do contrato de cedência e exploração hoteleira, nomeadamente, cumprimento de contratos anteriormente celebrados pela Requerente no âmbito da exploração do Hotel, que não foram cumpridos nem pagos os valores peticionados ainda que a Requerida tenha beneficiado desses serviços.

  5. - Por via do incumprimento da Requerida, veio a Requerente a ser demandada judicialmente por terceiros dando origem presentemente a ter em curso várias ações com vista ao cumprimento de obrigações pecuniárias que eram da inteira responsabilidade da Requerida e que devido ao seu consciente incumprimento a Requerente acabou por ser interpelada e demandada correndo atualmente cerca de dez processos em juízo.

  6. - Tal realidade consta da providência cautelar e já depois da entrada do PER teve a Recorrente que contestar mais uma ação que lhe foi intentada em virtude da Recorrida não ter cumprido com a sua obrigação resultante da exploração do C. .

  7. - O resultado da presente providência cautelar não se traduz num direito à cobrança de uma dívida, nem conduz diretamente à diminuição do património da Requerida, já que o bem em causa e todo o recheio lá existente, não é propriedade desta, antes sim, da Recorrente.

  8. - A Requerida entrou em incumprimento do aludido contrato em fevereiro de 2020, por parte da Recorrente foram lhe dadas inúmeras oportunidades para regularizar os vários incumprimentos, quer por via postal registada quer por notificações judiciais avulsas conforme constam dos presentes autos.

  9. - As ações que o PER prevê e que devem ser suspensas, são só as ações que tenham como finalidade o pagamento de dívidas aos credores e podem obstar à homologação do acordo pelo que será de suspender as ações cujos direitos vão ser contemplados no plano de recuperação de empresa devedora ou seja as ações cujo objecto sejam créditos sobre a empresa e não quaisquer outras ações que possam afetar o património ou actividade da empresa.

  10. - Não faz sentido, a Exma. Sra. Juiz do Tribunal “a quo”, despachar no sentido da suspensão da providência cautelar, quando os direitos contemplados na mesma não estão contemplados no plano de recuperação da Requerida, quando visa apenas a entrega à Recorrente dos bens, sua propriedade e que estão na posse da Requerida, pelo que, não foi peticionado qualquer crédito da Recorrente sobre a Recorrida, mas tão só a entrega dos bens sua propriedade.

  11. - Não estando perante uma ação de cobrança de dívida contemplada no art.º 17º-E n.º 1 do CIRE, não existe fundamento legal para suspender a instância neste procedimento cautelar.

  12. - O Tribunal “a quo”, fez uma errada interpretação do n.º 1 do art.º 17º-E do CIRE na redação dada pela Lei n.º 16/2012, de 20.4.

  13. -...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT