Acórdão nº 19/21.8T8AGN-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO MOREIRA DO CARMO
Data da Resolução08 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. AA, interessado no Inventário, deduziu reclamação (em 2018) contra a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, BB, acusando a falta de relacionamento de bens móveis e requerendo a exclusão da verba única do activo, correspondente a um direito de crédito de 60.000 € sobre o interessado reclamante.

Alegou, em suma, e além do mais, que o direito de crédito invocado se encontra integralmente saldado, juntando para o efeito um documento intitulado por “Declaração”, datado de 13.6.2008, e subscrito pelo inventariado, mediante o qual o mesmo declara autorizar o cancelamento da inscrição hipotecária voluntária nos termos aí aduzidos, não tendo sido, ainda, efectuado formalmente o respectivo cancelamento junto do registo predial, pelo que essa verba única da dita relação de bens deverá ser excluída.

O cabeça-de-casal respondeu, impugnando a genuinidade do documento referido, mais referindo que o mesmo não comprova o pagamento ou perdão da dívida em questão, mas apenas permite concluir que o reclamante teve autorização do inventariado para cancelar a hipoteca registada sobre o imóvel ali identificado. Que o reclamante não comprova qualquer pagamento ou quitação. Mais juntou, cópia de escritura pública de confissão de dívida com hipoteca, subjacente à verba única relacionada em sede de relação de bens.

* Foi, depois, proferida decisão que julgou improcedente o incidente e, em consequência, determinou a manutenção da relação de bens nos termos em que foi apresentada.

* 2. O reclamante AA recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões: 1- Na decisão sobre o incidente da reclamação à relação de bens, patente no Ponto V do despacho de 6 / 4 / 2021, com a Refª: ..., não poderia a Meritíssima Juiz de 1ª Instância ter decidido como decidiu na parte que declarou a improcedência do dito incidente, mantendo a verba única da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, não excluindo assim a mesma, porquanto, 2- é entendimento do recorrente que, perante a junção da declaração de cancelamento de hipoteca (distrate de hipoteca), reconhecido presencialmente por Cartório Notarial, a mesma equivale à declaração de que se extinguiu a obrigação garantida por essa mesma hipoteca, dado que, caso contrário, o credor não teria qualquer interesse em abrir mão de tal garantia, sem que estivesse cumprida a obrigação em causa.

3- De facto, atento à finalidade e características que revestem as hipotecas voluntárias, sendo que, as mesmas, estinguem-se, em regra, pelo cumprimento da obrigação a que servem de garantia e, tendo a hipoteca em causa sido constituída, precisamente, para garantir o bom cumprimento da obrigação patente na verba única da enunciada relação bens, 4- não se afigura haver qualquer dúvida ou outra explicação sobre o facto do credor inventariado, ao emitir a dita declaração de cancelamento de hipoteca, o mesmo significa que o respectivo credito se encontrava saldado e assim, cumprida a obrigação.

5- Na verdade, é do conhecimento geral que a emissão de declaração de cancelamento de hipoteca, constituída para garantir o cabal cumprimento de uma obrigação, significa claramente que o cumprimento dessa obrigação se encontra satisfeito, dado que, caso contrário, nada justifica que o credor liberte essa garantia sem assegurar o seu crédito.

6- Perante a junção do recorrente do documento de cancelamento de hipoteca e, perante a total ausência de contra-prova que possa colocar em causa a genuinidade e veracidade desse mesmo documento, afigura-se que a ilação lógica a ser retirada e que decorre desse documento terá sempre de ser o facto da obrigação garantida pela dita hipoteca, encontrar-se extinta.

7- Afigura-se assim que a decisão proferida pela Meritíssima Juiz a quo, no que concerne à manutenção da verba única da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, enferma de erro na análise e avaliação da fundamentação que suporta tal decisão, não tomando em consideração os ditames previstos nos art.s 349º e 350º nº1 do Código Civil, bem como, no art. 412º nº1 do Código de Processo Civil.

8- Deverá igualmente realçar-se que, efectivamente, existe um comprovativo / declaração do cumprimento da respectiva obrigação, o qual, lamentavelmente, não pôde ser junto aquando do requerimento de reclamação à relação de bens, dado que, tal documento subscrito pelo inventariado, 20 / 6 / 2008, encontrava-se extraviado, não logrando o recorrente localizar então o mesmo, 9- tendo esse mesmo documento localizado recentemente, no âmbito de remodelações que o recorrente levou a cabo na sua habitação, requerendo-se a junção, neste momento, de tal documento (doc.1), pelo motivo de, aquando do dito requerimento de reclamação à relação de bens, encontrar-se o recorrente impossibilitado de efectuar essa junção, assim como, 10- a junção do enunciado documento demonstrou-se agora necessária, em virtude da decisão ora recorrida proferida pela Meritíssima Juiz de 1ª Instância, não tendo essa decisão tomado em consideração a ilação / presunção que decorrer do citado documento de cancelamento de hipoteca, junção essa que se requer nos termos dos art.s 651º nº1 e 425º do Código de Processo Civil, sendo que e, 11- salvo melhor opinião, no entendimento do recorrente, trata-se de um documento desnecessário, atenta a declaração de cancelamento de hipoteca devidamente apresentada mas que, elimina qualquer tipo de dúvida sobre o cumprimento da obrigação em causa, garantida pela referenciada hipoteca.

12-Finalmente, entende o recorrente que também não foi dado cumprimento ao estabelecido no art. 411º do Código de Processo Civil, nomeadamente e, perante o documento de declaração de cancelamento de hipoteca, reconhecido presencialmente por Cartório Notarial, afigura-se que incumbiria à Meritíssima Juiz a quo ordenar a notificação desse mesmo Cartório Notarial, para que este prestasse as informações sobre as condições e circunstâncias que tal reconhecimento foi efectuado e quais as declarações então prestadas pelo inventariado.

PELO EXPOSTO, deve dar-se total provimento ao presente recurso e, em consequência do mesmo: a) Deverá revogar-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, na parte em que improcedeu totalmente o incidente deduzido pelo ora recorrrente de reclamação à relação de bens, determinando a manutenção da verba única da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, devendo tal verba ser excluída dessa mesma relação de bens.

E assim se fará INTEIRA JUSTIÇA.

  1. O cabeça de casal contra-alegou, concluindo que: 1. Com o presente Recurso, pretende o Recorrente que seja revogada a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, na parte em que determinou a manutenção da verba única da relação de bens apresentada...

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