Acórdão nº 1059/18.0T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelTERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I - C..., SA, intentou a presente ação contra AA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 68.490,67, acrescida de juros legais, desde a citação, até integral pagamento.

Alegou, em síntese, ter ocorrido um acidente de viação cuja eclosão se ficou a dever à culpa do condutor do veículo que nela se mostrava seguro, pelo que indemnizou os danos que resultaram desse sinistro, pretendendo, com a presente acção, exercer direito de regresso sobre o referido condutor, na medida em que o mesmo causou o acidente quando conduzia sob efeito de álcool e de substâncias psicotrópicas. Alegou ainda que o R., condutor do veículo, se fazia acompanhar de BB, que, em virtude do despiste resultou gravemente ferido.

O R. contestou, aceitando a ocorrência do acidente nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na petição inicial, mas impugnando os danos alegados e a condução sob efeito de álcool, invocando que o despiste se ficou a dever a deficiência no piso da faixa de rodagem. Alegou ainda que os danos corporais do sinistrado, a quem a A. pagou indemnização, resultaram agravados pela circunstância do mesmo, que viajava na parte da frente no lugar destinado ao passageiro, não fazer uso de cinto de segurança no momento do embate, apesar dele, R., lhe ter pedido por várias vezes que o colocasse. Invoca que a viatura derrapou e capotou e que o lesado BB foi projectado para o exterior da viatura, onde caiu inanimado, projecção que não teria ocorrido se levasse o cinto de segurança, pois que ele, condutor, levando cinto de segurança, se manteve no interior da viatura, saindo ileso do acidente. Por isso, requer que seja ponderada e declarada a culpa do lesado, nos termos e para o efeito do art 570º CC.

Teve lugar audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, foi fixada à acção o valor de € 68. 490,67 e se procedeu à identificação do litigio e à enunciação dos temas de prova.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente, condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 68.490,67 (sessenta e oito mil, quatrocentos e noventa euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação.

II – Do assim decidido, apelou o R. que concluiu as respectivas alegações, nos seguintes termos: I -O Tribunal a quo condenou o Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de € 68.490,67, a título de direito de regresso ao abrigo do disposto no art 27º, nº 1, alínea c), do Dec. Lei nº 291/2007, quantia corresponde à totalidade dos montantes que a Recorrida satisfez a terceiros, em consequência do acidente de viação ocorrido em 08/03/2015, no qual interveio o veículo BM.

  1. Concretamente, desse montante € 29.300,00 (vinte e nove mil e trezentos euros) foram pagos a BB por conta da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos decorrentes do sinistro.

  2. O Tribunal a quo deu como provado – Fundamentação – Factos provados 1 - que em 08-03-2015 o Recorrente tinha validamente transferido para a Recorrida, a responsabilidade civil emergente da circulação da viatura BM, pelo contrato de seguro obrigatório, titulado pela Apólice n. ...00, IV. E que – Factos provados 2 - que no dia 08-03-2015, cerca das 00h15mn o Recorrente conduzia a viatura na Rua do ..., ..., ..., e perdeu o controlo da viatura, tendo saído da faixa de rodagem e foi embater num pinheiro existente na berma. – Factos provados 7.

    V. No interior da viatura BM, faziam-se transportar além do condutor, o aqui Recorrente, o passageiro BB e este, no momento do embate, não tinha colocado o cinto de segurança. – Factos provados 3. e 8.

  3. O Tribunal a quo deu como provado que em consequência direta e necessária do embate resultaram para o passageiro BB traumatismo craniano grave, fratura no joelho direito, fratura de três arcos costais com perfuração pulmonar, sujeição a exames e estabilização, sujeição a cirurgia ao crânio para tratamento do traumatismo e manutenção em coma induzido durante quatro dias, com posterior internamento durante quinze dias em unidade hospitalar de Coimbra, transferência para o hospital de ... e sujeição a cirurgia para colocação de prótese ao joelho direito, com internamento até 02/04/2015, destruição da roupa, calçado e telemóvel que usava no momento do sinistro – Factos provados 9; VII. E que a Recorrida pagou, a BB, a quantia de € 29.300,00 (vinte e nove mil e trezentos euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro. – Factos provados 9 e 10. g.

  4. O Tribunal a quo deu como provado que no momento do acidente o Recorrente apresentava uma taxa de alcoolemia de 0,79gr por litro de sangue – Factos provados 6.

  5. O Tribunal a quo deu como não provado “que as lesões sofridas por BB não teriam ocorrido se o mesmo usasse, no momento do despiste, o dispositivo de retenção” – Factos não provados 5, considerando ter havido total ausência de prova da sua verificação.

  6. O Tribunal a quo, na sua motivação consagrou “ter por certo que o dispositivo de retenção, de uso obrigatório é de importância fundamental na redução do risco de ocorrência de lesões, em caso de sinistro. Disto se pode concluir, com certeza, que por não utilizar o cinto de segurança, o lesado BB fez aumentar o risco de sofrer lesões em consequência do embate ocorrido entre o BM e um pinheiro” Sentença, página 7 parágrafos 1 e 2.

  7. O Tribunal a quo consagrou na douta Sentença que “naturalmente se lhe afigura provável que as lesões poderiam ter sido menos graves caso o dispositivo de segurança estivesse em uso pelo lesado”.

  8. O Tribunal a quo foi de entendimento que cabia ao Réu/Recorrente fazer a prova de que as lesões do sinistrado seriam menos graves caso o dispositivo de segurança estivesse em uso pelo lesado, atentas as regras de repartição do ónus da prova. (Sentença página 7 parágrafo 7).

  9. Concluiu “não poder afirmar que alguma ou algumas das lesões sofridas pelo lesado não teriam ocorrido de todo, ou em que medida teriam sido atenuadas, caso o mesmo usasse o cinto de segurança.” Sentença página 7 parágrafo 3.

  10. Não tendo relevado o facto do condutor, aqui Recorrente, ter saído ileso do sinistro.

  11. O Tribunal a quo não fez a correta apreciação jurídica do facto do sinistrado BB não ter colocado o cinto de segurança e circular em violação do preceituado no artigo 82º do Código da Estrada, que impõe que “o condutor e passageiros transportados em automóveis são obrigados a usar os cintos e demais dispositivos de segurança”.

  12. Não cabia, nem cabe ao Recorrente a prova de quais os danos concretos que o lesado BB deixaria de sofrer se tivesse colocado o cinto de segurança, até porque tal prova seria impossível de fazer na prática, por não ser possível determinar, distinguir e individualizar, as concretas lesões que o lesado teria sofrido caso levasse o cinto de segurança daquelas outras que sofreu por não ter colocado o cinto de segurança, tal prova consubstanciaria a prova de um facto negativo, e por isso mesmo impossível de prova. XVI. O Réu/Recorrente alegou na sua Contestação (de 20º a 35º) que, o lesado, por não ter colocado o cinto de segurança, contribuiu para o agravamento dos danos por si sofridos com o embate, e cujo grau de culpa no agravamento das lesões deveria ser apreciado e fixado percentualmente pelo Tribunal, em conformidade com o preceituado no n. 1 do artº 570º do C.C.

    XVII. Em consequência da determinação da percentagem da culpa do lesado sempre teria que ser reduzido o valor que á Recorrente assiste a título de direito de regresso, pela indemnização paga ao sinistrado.

  13. O Tribunal a quo ao dar como provado que o lesado não tinha colocado o cinto de segurança (factos provados 7), não pode deixar de dar como provado que o sinistrado contribuiu com culpa para o agravamento dos danos por si sofridos, fixando percentualmente a culpa do lesado.

  14. Pelo que, se pretende que a matéria dada como não provada 5. passe a constar da matéria provada acrescentando-se a esta dois novos itens na matéria provada sugerindo-se a seguinte redação: Factos provados 11. “O sinistrado BB, no momento do embate não fazia uso do dispositivo de retenção tendo contribuído com culpa para o agravamento dos danos por si sofridos no embate.” Factos provados 11. “O sinistrado BB contribuiu desse modo para o agravamento dos danos por si sofridos numa percentagem de 15%” XX. Ao não ter colocado o cinto de segurança o lesado incumpriu uma obrigação legal – imposta pelo art. 82º do Código da Estrada - que poderia e deveria ter sido apreciada e decidida pelo Tribunal a quo para a fixação da respetiva culpa, em cumprimento do preceituado no artigo 570º do C.C. pois que, tal omissão na colocação do cinto de segurança, consubstancia um facto ilícito e por isso culposo.

  15. Dispõe o nº 1 do art. 570º do CC que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção e agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.

  16. Ao dar por provado que o lesado não levava cinto de segurança, o Tribunal está obrigado a decidir do grau de culpa do lesado, no agravamento dos danos corporais por si sofridos.

  17. Qualquer pessoa medianamente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT