Acórdão nº 925/20.7T8PBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelFALCÃO DE MAGALHÃES
Data da Resolução10 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra[1]: I - A) - 1) - [2]«[…] Nos presentes autos sob a forma de processo comum, veio a Autora AA intentar a presente acção declarativa condenatória contra os Réus BB e “M..., Lda.”, alegando, em síntese, que a Autora é proprietária do bem imóvel identificado no art. 1º da petição inicial, o qual se encontra registado na Conservatória de Registo Predial, sendo certo que há mais de 20 anos, de forma contínua, ininterrupta, pacífica, pública e na convicção de exercer direito próprio que exerce poderes de facto sobre o mesmo, pelo que, mesmo sem a presunção decorrente do registo, sempre tal imóvel seria de considerar adquirido pela via da usucapião. Nesse seguimento alega que o 1.º Réu, sócio gerente da 2.ª Ré, no dia 27 de Novembro de 2017 dirigiu-se ao referido prédio e procedeu ao corte da totalidade dos eucaliptos ali existentes (cerca de 500), com um peso aproximado de 200 toneladas, o que o fez sem a autorização da Autora, apropriando-se da respectiva madeira.

Nesse seguimento vêm a Autora peticionar o pagamento de uma indemnização aos Réus, com base na sua responsabilidade extracontratual decorrente da violação do direito absoluto de propriedade, a qual totalizam na quantia global de 8.000,00€, dos quais 7.000,00€ correspondem ao valor dos eucaliptos em causa e 1.000,00 euros decorrentes dos danos não patrimoniais sofridos pela Autora decorrentes daquela conduta ilícita dos Réus.

* Regularmente citados, vieram os Réus BB e “M..., Lda. apresentar a devida contestação, pugnando em primeira linha pela verificação da excepção dilatória de ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário activo. Quanto à matéria de facto alegada pela Autora na sua petição inicial, vieram os Réus impugnar parcialmente a mesma, confirmando, em síntese, o abate dos referidos 500 eucaliptos no terreno em causa. Contudo, alega que os referidos eucaliptos lhe haviam sido vendidos por um cidadão de seu nome CC, o qual se apresentou como proprietário daquele terreno e munido das competentes cadernetas prediais. Refere que acertaram o valor de 12.500,00€ pela totalidade de 800 eucaliptos, tendo sido entregue um cheque pré-datado para o efeito. Para além disso, alegam que que toda a madeira cortada acabou por ficar no local após a deslocação da GNR ao local, à excepção de um único carregamento que já havia sido efectuado, no total de 37,2 toneladas, considerando assim que actuaram sem culpa em todo aquele processo.

Em consequência, pugnaram pela procedência da aludida excepção dilatória, bem como pela absolvição dos Réus do pedido.

* Após o exercício do contraditório por parte da Autora quanto à excepção de ilegitimidade, veio a mesma requerer a intervenção principal provocada de DD e AA, chamamento esse que acabou por não ser admitido por despacho proferido a 17/05/2021.

* Foi realizada a audiência prévia, à luz do disposto nos artigos 591.º do Código de Processo Civil, na sequência da qual foi proferido despacho saneador no qual se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa por preterição de litisconsórcio necessário activa, afirmando-se em seguida a validade e a regularidade da instância.

* Foram proferidos despachos a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, os quais não foram objecto de qualquer censura, consistindo aquele na responsabilidade civil extracontratual dos Réus “M..., Lda” e BB em virtude da violação do direito absoluto de propriedade da Autora AA. […]».

2) – O valor da causa foi fixado em 8.000 €.

* B) - Realizada que foi a audiência final, veio a ser proferida (pelo Juízo Local Cível de Pombal - Juiz 1), a sentença de 8/1/2022, que absolveu os Réus dos pedidos deduzidos pela Autora.

* II – Desta sentença apelou a Autora, que, a finalizar a sua alegação de recurso, apresentou as seguintes “conclusões”: «1) Em conformidade com a prova produzida, a matéria de facto constante do artigo 14º da p. i. e os pontos da matéria de facto dados por provados sob os respectivos números 4) e 5) da sentença foram erradamente julgados.

2) Relativamente à matéria de facto vertida no artigo 14º da p. i., os Réus, na sua Contestação apenas impugnam o alegado pela Autora na parte final deste artigo (na parte «e apropriou-se da respectiva madeira»), não colocando em causa que tenham intencionalmente cortado (por outras palavras, que quiseram cortar) os eucaliptos referidos no artigo 13º da p. i. e existentes no imóvel identificado no artigo 1º da p. i., sem autorização da Autora (Cfr. artigo 15º, 29º e 34º da Contestação), tendo antes justificado a sua conduta no facto de terem negociado e concretizado a venda de tais eucaliptos com um terceiro que se verificou não ser proprietário do imóvel e, em consequência, dos eucaliptos.

3) Em consequência, deve ser aditada aos Factos Provados a seguinte matéria constante do artigo 14º da p. i. (artigo 574º, nº. 2 do CPC): “O Primeiro Réu, na qualidade de sócio gerente da Segunda Ré, voluntariamente e sem para tanto obter autorização dos legítimos donos, cortou os eucaliptos referidos no Ponto 6) dos Factos Provados e existentes no imóvel identificado no Ponto 1) dos Factos Provados e apropriou-se de parte da respectiva madeira” 4) Atentos os depoimentos das testemunhas EE (prestado no dia 18/11/2021, e gravado no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais (Citius – Habilus Media Studio) com início às 11h00m e termo às 11h21m) e FF (prestado no dia 03/11/2021, e gravado no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais (Citius – Habilus Media Studio) com início às 10h49m e termo às 11h22m), consideramos estar provada também a seguinte matéria de facto: - “No dia 27/11/2017, Autora e Réus foram advertidos pela autoridade policial que toda a madeira que havia sido cortada (seja aquela ainda no local, seja aquela que se encontrava já carregada num camião da Segunda Ré, estacionado em ...) não deveria ser removida do local, até que a questão da propriedade estivesse resolvida.” - “Não obstante, os Réus, no dia seguinte, levaram consigo: i) a madeira existente no seu camião estacionado em ... para a fábrica da celulose sita em ..., tendo procedido à sua venda, conforme Ponto 11) dos Factos Provados; ii) a madeira existente na máquina de rechega que se encontrava no prédio da Autora”; pelo que deve tal matéria ser aditada aos Factos Provados.

5) Os factos constantes dos Pontos 4) e 5) dos Factos Provados constituem matéria exceptiva do direito da Autora.

6) Atenta a prova produzida em julgamento, consideramos que os Réus não lograram provar os factos 4) e 5) dos Factos Provados.

7) Da análise crítica da prova documental junta aos autos não decorre a matéria de facto provada sob os pontos 4) e 5) dos Factos Provados (muito pelo contrário): no Auto de Ocorrência as autoridades policiais referem aquilo que lhes é relatado pela testemunha GG (a qual, por sua vez, relata aquilo que ouviu dizer do seu pai) e o “Acordo Prévio”, conforme foi confirmado pela testemunha GG no seu depoimento (prestado no dia 18/11/2021 e gravado no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais (Citius – Habilus Media Studio), com início às 10h42m e termo às 10h59m), foi elaborado e preenchido pelo próprio Réu.

8) Tais elementos documentais, porque foram elaborados com base na versão dos Réus e/ou pelos Réus, possuem nenhum ou reduzido valor probatório.

9) Quanto ao depoimento da Testemunha GG, filha do Primeiro Réu, o mesmo não tem, quanto à matéria dos pontos 4) e 5) dos Factos Provados, qualquer validade, pois, como foi por ela própria referido, o conhecimento dos factos sobre tal matéria adveio-lhe, única e exclusivamente, daquilo que o próprio Primeiro Réu, seu pai, lhe transmitiu, nada tendo presenciado, não tendo conhecido ou contactado a pessoa de nome CC.

10) Da prova produzida em julgamento verificamos que a existência dessa pessoa que o Primeira Réu refere ter o nome CC é apenas atestada pelo próprio Primeiro Réu, o qual preencheu os documentos acima referidos.

11) Da prova produzida em julgamento, ficamos inteiramente convencidos que esse cidadão CC não existe e/ou não contactou os Réus.

12) Os documentos juntos aos autos, designadamente documentos 3, 4 e 5 juntos com o requerimento da Autora de 28/01/2021 encontram-se rasurados e/ou emendados.

13) Os cheques alegadamente entregues pela Segunda Ré ao mencionado CC, não obstante datarem de 21/11/2017 e de 24/11/2017, nunca foram por este depositados e/ou levantados, sendo certo que apenas em 27/11/2017 os Réus podiam ter tomado conhecimento que haviam sido enganados e, assim, ordenado o cancelamento de tais cheques.

14) Ademais, as localizações e os números de artigos matriciais feitos constar no documento “Acordo prévio para emissão de factura pelo adquirente (autofacturação)” não têm a mínima correspondência com o prédio da Autora e melhor identificado no ponto 1) dos Factos Provados – facto de que os Réus não podiam desconhecer.

15) Da prova realizada em julgamento não é possível apurar, com um mínimo grau de certeza ou fiabilidade, que, de facto, o Primeiro Réu tenha sido contactado por CC e/ou que o mesmo se tenha intitulado dono e legítimo possuidor do prédio rústico descrito no ponto 1) dos Factos Provados.

16) Os Réus podiam e deviam ter verificado/comprovado se os artigos matriciais constantes do documento “Acordo prévio para emissão de factura pelo adquirente (autofacturação)” tinham (ou não) alguma correspondência, ao nível da composição, localização, área e confrontações com o prédio em causa e melhor descrito no Ponto 1) dos Factos provados, ou pelo menos, se tais artigos estavam inscritos em nome do cidadão CC.

17) Da prova produzida em julgamento não resulta demonstrada a matéria de facto constante dos pontos 4) e 5) dos Factos Provados, razão pela qual deverão tais pontos ser eliminados dos Factos Provados e passarem a constar dos Factos Não Provados.

18) Ainda que assim se não entenda, o que apenas por...

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