Acórdão nº 7256/15.2T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução24 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de COIMBRA RELATÓRIO AA, intentou a presente ação contra BB e mulher, CC, DD, EE, FF, e marido GG, HH, II e mulher, JJ e KK pedindo que: (a) se declare que os contratos de compra e venda (id. no art.º 15.º da Petição Inicial) padecem de divergência intencional entre a vontade e a declaração qualificável como simulação no que se refere à cláusula do preço; (b) que, não obstante, se mantém válido o negócio dissimulado; (c) que os preços reais contratados e pagos não foram superiores a 7.000,00€ e a 3.000,00€ pelos prédios ...49 e ...67 da matriz, respetivamente, sem prejuízo da determinação concreta dos valores a considerar nos termos do disposto no art.º 5, n.º 2, al. a) e b), do Código de Processo Civil; (d) que se reconheça que a A. goza do direito de preferência na venda dos prédios ...49 e ...67, de acordo com os preços efetivamente contratados e de haver para si aqueles prédios, decretando-se, em consequência a substituição dos primeiros RR. pela A. na posição de compradora no contrato de compra e venda.

Para tanto, alega, em síntese, que é arrendatária de dois prédios rústicos que cultiva identificados pelos n.ºs 1449 e 1467, denominados T... e B..., respetivamente e que lhe assiste direito de preferência na venda que foi feita destes prédios ao 1º R.

Mais alega que não lhe foi dado conhecimento da escritura de compra e venda, do qual só veio a ter conhecimento a 19 de junho de 2015 e que o preço nela declarado de € 55.000,00 é simulado, sendo o efectivamente pago inferior, por os prédios não valerem mais de € 10.000,00.

* Regular e pessoalmente citados, os RR. contestarem alegando a excepção de caducidade do direito de interpor acção de preferência, por a A. ter conhecimento do negócio há mais de seis meses antes da propositura da acção e por em qualquer caso ter renunciado ao direito de preferir.

Mais alegam que a A. não é arrendatária destes imóveis por não existir qualquer contrato, escrito ou verbal, relativo ao prédio B... (art.º 1467) e o invocado contrato de arrendamento relativo ao prédio ...49.º (T...) é nulo, porquanto a pessoa que o subscreveu não tinha legitimidade para, por si só, o dar de arrendamento.

Impugnam ainda que tenha existido simulação do preço declarado na escritura.

*** Após foi proferido despacho saneador no qual, se fixou o objecto do litígio e os temas de prova, relegando o conhecimento das excepções invocadas para decisão final.

* Realizada audiência de julgamento foi, após, proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu os RR. do pedido.

* Inconformados com esta decisão, impetrou a A. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “1. Foi alegado pela A. a existência de dois contratos de arrendamento escritos, subscritos por LL e MM, para dois prédios identificados nos autos e nos documentos 1 a 4 da p.i., mediante o pagamento de uma renda anual de 4950$00 por prédio, constitui tal matéria facto essencial da causa de pedir e do pedido d) formulado na p.i. a existência de dois contratos de arrendamento rural.

  1. O facto alegado e controvertido – existência de dois contratos de arrendamento, o respeitante ao prédio denominado “T...” e o respeitante ao prédio denominado “B...” – não consta nem da matéria de facto dada como provada nem da matéria de facto dada como não provada, dali se retirando a discussão apenas relativamente ao primeiro prédio.

  2. Deixou o Tribunal de conhecer matéria sobre a qual, por força do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, tinha o dever de decidir, pelo que, considerando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, c) do CPC, segundo o qual a sentença é nula quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, padece a decisão do vício identificado, o que se invoca com as legais consequências.

  3. O Tribunal a quo cometeu erro de julgamento referente à decisão da matéria de facto ao determinar como não provados os elencados sob as alíneas a), b), c), f), h), j), k) e m). 5. A impugnação daqueles concretos pontos da matéria de facto não provada fica objetivamente dificultada pela omissão de pronúncia na decisão sobre a matéria de facto sobre um dos prédios. De qualquer modo, não pode deixar de concluir-se que, dada a sua natureza instrumental para prova do facto principal da existência de dois contratos escritos de arrendamento, dever ter sido provada outra matéria.

  4. Quanto aos factos não provados a) a c) e f), instrumentais à existência de contratos de arrendamento, encontra-se a decisão infirmada pelos seguintes elementos probatórios: 6.1. Confissão judicial dos RR. nos artigos 33.º e ss. da contestação quanto à existência de pelo menos um contrato escrito; 6.2. declarações de parte da A. prestadas na sessão do dia 14/12/20 da audiência de julgamento (cfr. respetiva ata) gravadas no sistema habilus, no ficheiro 20201214150242_3186959_2871921 na passagem supra indicada e transcrita; 6.3. depoimento da testemunha NN prestadas na sessão do dia 14/12/20 da audiência de julgamento (cfr. respetiva ata) gravadas no sistema habilus, na passagem supra identificada e transcrita do ficheiro 0201214161834_3186959_2871921; 17 6.4. factos provados 4) e 6) de onde se retira ter a A. sido interpelada por entidade profissional e devidamente adestrada no ramo imobiliário e do direito das coisas como representante dos 2.º a 6.º RR para o exercício do direito de preferência necessariamente por ser arrendatária dos dois prédios; 6.5. documento junto pelo IFAP, IP, onde se reconhece a A. como beneficiária de apoios enquanto detentora dos prédios – sendo facto notório que a candidatura aos apoios carece de instrução com título de detenção adequado que, seguramente pelo tempo decorrido e pelo facto de a candidatura ser anterior ao sistema de identificação de parcelas (SIP), não foi junto por aquele instituto.

  5. Dos referidos elementos probatórios resulta não só que deveriam ter sido dados como assentes os factos instrumentais a) a c) e f) como também provado facto essencial da causa de pedir com a seguinte formulação: A A. é detentora dos prédios referidos no facto 1) ao abrigo de dois contratos de arrendamento originariamente subscritos por LL e por MM, na qualidade de arrendatário, mediante o pagamento de uma renda anual de 4950$00 por prédio, tendo assumido a posição de arrendatária após a morte do primitivo seu marido.

  6. Os factos não provados em h), j), k) e m) deveriam ter sido dados como provados com a seguinte redação em 3 pontos: - os primeiros RR. não pagaram aos demais o preço declarado na escritura pública celebrada a 26 de setembro de 2014; - os 1ºs RR não pagaram aos restantes RR mais do que €7.000 pelo prédio com a matriz 1449 nem mais do que € 3.000 pelo prédio com a matriz 1467; - os RR. não podiam deixar de saber que os valores declarado na escritura como preço eram superiores aos valores de mercado, assim visando desencorajar a A. do exercício do direito de preferência.

  7. A tal conclusão se chega considerando: 9.1. Inversão do ónus da prova quanto ao facto do pagamento nos termos declarados na escritura em virtude de os RR. não terem junto aos autos os documentos cuja junção lhes fora ordenada no despacho saneador por referência a fls. 11 dos autos (cópias de cheques emitidos e pagos, transferências bancárias, etc, relativos aos pagamentos efectuados no âmbito dos negócios que são objecto dos autos ou de quaisquer outros negócios imobiliários entre aqueles contraentes contemporâneos dos contratos sub judice), impossibilitando a prova a realizar pela R.; 9.2. O extracto bancário junto pelos RR – anteriormente ao despacho saneador e relativamente ao qual os RR. nunca juntaram cópia legível como determinado na sessão de 13.02.2020 da audiência de julgamento – de onde resultam movimentos financeiros não identificados, não contemporâneos da compra e venda e até anteriores à notificação para o exercício do direito de preferência (não se compreendendo, ao abrigo de regras de experiência comum, que o preço seja pago anos antes da compra, antes da comunicação de projeto de venda e de se saber se, previamente ao negócio, a preferente iria ou não preferir).

  8. De qualquer modo, a invocação da falta de forma dos contratos escritos realizada pelos RR. nos artigos 31.º a 36.º da contestação constitui abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium ou, pelo menos de suppressio.

  9. Considerando que desde 1975 que o marido da A. e, após a morte daquele, esta estão na detenção dos prédios dos autos como se arrendatários fossem – e como são efetivamente – sem que alguma vez tivessem os proprietários invocado a falta de forma dos contratos, chegando até a interpelar a A. para exercício de direito de preferência que a lei lhe reconhece por ser arrendatária, tal comportamento cria objetiva e inelutavelmente a expectativa jurídica de não invocação de qualquer vício de forma invalidante.

  10. À recorrente, pela sua qualidade de arrendatária com mais de três anos de vigência do contrato, e nos termos do artigo 25.º, n.º 1, do DL 201/75, vigente à data da celebração do contrato, 29.º, n.º 1, da Lei n.º 76/77, 28º, n.º 1, do DL 385/88, e/ou do artigo 31.º, n.º 2, do regime ora em vigor, aprovado pelo DL 224/2009, assiste o direito de preferir na venda dos prédios arrendados.

  11. No caso dos autos, apesar de, aparentemente, através das suas comunicações, a recorrente ter renunciado ao exercício do direito de preferência, a verdade é que um dos elementos essenciais do negócio, o preço, não corresponde ao realmente contratado, pelo que não tomara quando da notificação, ainda conhecimento de todos os elementos essenciais do negócio e não pôde exercer o seu direito de preferir, sendo, assim, ineficaz a notificação para a preferência. 14. Decorre do artigo 240.º do Código Civil que há simulação sempre que concorram divergência intencional entre a vontade e a...

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