Acórdão nº 2615/22.7T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelEMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Data da Resolução13 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Emídio Francisco Santos Adjuntos: Catarina Gonçalves Maria João Areias Processo n.º 2615/22.7T8CBR Acordam na 1.ª secção cível do tribunal da Relação de Coimbra E... S.A.

, com sede na Rua ..., ..., em ..., propôs, no juízo de comércio ... do tribunal judicial da comarca ..., a presente acção especial de insolvência contra AA e BB, casados no regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua ..., ..., ..., Urbanização ..., ... ..., pedindo se declarasse a insolvência dos requeridos.

Para o efeito alegou em síntese: · Que é titular de créditos sobre os requeridos no valor de € 243 474,56, provenientes de contratos de mútuo com hipoteca celebrados entre os requeridos e a C..., S.A., que lhe foram cedidos por esta instituição bancária e que se encontram em incumprimento; · Que intentou acção executiva para cobrança dos seus créditos; · Que a acção não permitiu a respectiva satisfação dada a existência de execuções fiscais; · Que a dívida é garantida por um imóvel, mas este tem valor inferior ao da dívida; · Que desconhece a existência de qualquer outro património de que os requeridos sejam titulares; · Que estes não detêm meios que permitam liquidar o seu passivo, estando em situação de incumprimento generalizado; · Que se verificavam os factos índice previstos no art.º 20.º, n.º 1, alíneas a), b), e) e g), pontos i) e iv), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Citados, os requeridos reconheceram a sua situação de insolvência e alegaram que se encontravam emigrados em França. Pediram que lhes fosse concedida a exoneração do passivo restante, declarando preencher as condições exigíveis para o efeito.

A Meritíssima juíza do tribunal a quo, considerando a circunstância de os devedores terem alegado que tinham residência habitual em França, entendeu ser necessário verificar a competência internacional do tribunal onde foi proposta a acção para declarar a abertura do processo de insolvência, nos termos do art.º 4.º do Regulamento (UE) 2015/848, do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Maio de 2015, relativo aos processos de insolvência [a partir da agora designado por Regulamento].

As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a questão.

A requerente alegou em síntese: · Que os tribunais portugueses eram competentes, não obstante a competência fosse restrita ao processo particular de insolvência previsto nos artigos 294.º a 296.º do CIRE; · Que tal competência decorria, desde logo, do art.º 62.º, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil, por os requeridos terem nacionalidade portuguesa e por os créditos que serviam de fundamento ao pedido terem sido contraídos em Portugal; · Que o art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento, ao atribuir competência para a abertura de processo de insolvência aos tribunais do Estado-Membro onde o devedor possuísse estabelecimento, determinava a competência internacional dos tribunais portugueses, uma vez que os requeridos, apesar de residirem em França, possuíam um imóvel em Portugal.

Os requeridos alegaram em síntese: · Que resultava da leitura conjugada dos artigos 3.º, n.º 2, e 17.º do Regulamento (UE) 2015/848 com os artigos 7.º e 294.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, e artigos 62.º e 63.º do CPC que se o centro dos principais interesses do devedor se situasse noutro Estado-Membro, os tribunais portugueses eram igualmente competentes para a abertura do processo de insolvência se este possuísse estabelecimento em território português; · Que atendendo ao facto de os requeridos manterem habitação em Portugal, ao facto de aqui se deslocarem com frequência e permanecerem por longos períodos, correspondendo ao seu domicílio fiscal, ao facto de todos os seus credores serem portugueses, ao facto de as dívidas terem sido contraídas em Portugal e de o activo a liquidar se encontrar neste território, era de considerar o juízo de comércio ... como tribunal português internacionalmente competente para a decisão de declaração de insolvência principal, bem como para apreciação do pedido de exoneração do passivo restante.

A decisão: De seguida, a Meritíssima juíza do tribunal a quo julgou o juízo do comércio ... absolutamente incompetente para a abertura do processo de insolvência dos requeridos, e em consequência, absolveu-os da instância.

O recurso A requerente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação e a substituição dela por decisão que declarasse a competência internacional dos tribunais portugueses para a abertura do processo de insolvência.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: 1. A douta decisão em crise não está em perfeição com as normas aplicáveis, face aos factos alegados, que necessariamente teriam que conduzir à declaração de competência internacional do tribunal a quo para abertura do processo de insolvência requerida.

  1. Concorda-se com o entendimento do tribunal a quo, no que tange à primazia dos regulamentos europeus ou outros instrumentos internacionais, no seu campo específico de actuação, face às normas de direito interno, cremos que aquele tribunal não procedeu a uma correcta aplicação e interpretação das normas constantes do Regulamento (UE) 2015/848, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, relativo aos processos de insolvência, e que estabelece as regras relativas à competência jurisdicional, ao reconhecimento mútuo e execução de decisões, bem como às leis aplicáveis em processos de insolvência de devedores com ligações a mais de um Estado-Membro da União Europeia.

  2. Importa, contudo, não olvidar o estabelecido no artigo 294º do CIRE, que tanto é aplicável aos processos relacionados com o Regulamento (UE) nº 2015/848, como aos restantes processos de insolvência estrangeiros, pois o critério estabelecido nos artigos 294.º a 296.º do CIRE, tem assim aplicação, quando se verifica uma situação de insolvência transfronteiriça ou internacional, ou seja, quando o devedor tem ligações com mais do que um Estado-Membro, designadamente por ter bens ou credores localizados em mais de um Estado-Membro.

  3. O que aliás se justifica e está em consonância com o princípio da coincidência (previsto na conjugação do disposto no artigo 62º alínea a) do CPC e artigo 7º do CIRE), pois o processo de insolvência é um processo de execução universal de bens (artigo 1º do CIRE), norteado na sua lide para liquidação do património em benefício dos credores.

  4. Nos termos das normas aplicáveis, se o devedor não tiver em Portugal a sua sede ou domicílio, nem o centro dos seus principais interesses, o processo de insolvência passa apenas a abranger os seus bens situados em território português.

  5. O disposto no artigo 3º, n.º 2, do Regulamento Europeu, reitera igualmente que, se o centro dos interesses principais do devedor se situar fora do nosso território, mas dentro de outro Estado Membro da União Europeia, então o tribunal português é igualmente competente para abrir e prosseguir com o processo de insolvência, desde que o devedor possua estabelecimento em solo pátrio, ainda que os efeitos deste processo se limitem aos bens localizados em Portugal.

  6. Ainda que a residência não se encontre em território português, isso não significa que automaticamente os Tribunais portugueses sejam internacionalmente para apreciar o processo de insolvência, se à data da entrada da petição inicial o seu domicílio perante a lei e terceiros era Portugal.

  7. A competência é ainda corroborada quando os fundamentos/factos alegados para a declaração da insolvência, ocorreram e tiveram origem, todos, em Portugal, tendo sido também ali que os mesmos contraíram os débitos que ainda não se mostram liquidados.

  8. Será, por isso, forçoso concluir pela competência internacional dos tribunais portugueses, quando forem praticados em Portugal os factos que servem de causa de pedir na presente acção e a globalidade do passivo, que substancialmente serve de fundamento ao pedido de declaração de insolvência emergiu, tiver origem em Portugal, pelo facto de também todos os credores serem pessoas colectivas constituídas no ordenamento jurídico português, e que mantêm a sua sede em solo nacional.

  9. No presente caso que nos ocupa, residindo num Estado-Membro da União Europeia (França), e possuindo um imóvel sito em Portugal que garante o pontual pagamento e liquidação das quantias mutuadas pelo C..., S.A., verifica-se que foram constituídas hipotecas voluntárias sobre um imóvel sito em território português que determina a competência internacional deste tribunal, atendendo a que se mostra preenchido o requisito estabelecido no artigo 3º, n.º 2 do Regulamento 2015/848, a propósito de os devedores possuírem estabelecimento em território pátrio.

  10. Mais ainda, se se atender à existência de vários outros credores (públicos) sediados em Portugal que conduzem à verificação dos requisitos necessários à declaração de insolvência, atento desde logo o disposto no artigo 1.º do CIRE, que define aquele processo como sendo de execução universal e que tem como finalidade a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência.

  11. É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas – artigo 3.º, n.º 1, do CIRE, tratando-se de uma incapacidade de cumprimento, em que alguém, por carência de meios próprios e por falta de crédito, se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações.

  12. Esta situação não só ficou demonstrada nos autos, como também os próprios recorrentes vieram confessar tal situação, ao afirmarem ter perdido toda a capacidade económica para negociar com os seus credores, devido aos constrangimentos provocados pelo impacto da pandemia, encontrando-se por isso incapazes de satisfazer qualquer pagamento aos seus credores.

  13. Além disso, quando confrontados pelo tribunal a...

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