Acórdão nº 35/22.2T8FCR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução28 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo 35/22.2T8FCR.C1 Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I - Relatório AA veio instaurar procedimento cautelar de suspensão de deliberação social contra LB..., LDA e BB, pedindo que seja ordenada a suspensão das deliberações exaradas, em de 25 de Fevereiro de 2022, no Documento Particular denominado “Deliberação “Unânime por Escrito” da Sociedade LB..., LDA.

Alega, em síntese, que era titular de quotas do capital social da requerida LB..., LDA, ocupando o cargo de gerente. Posteriormente, cedeu a participação social que detinha na requerida que passou na sua totalidade a ser detido por duas sociedades, mas fê-lo simuladamente, a fim de prejudicar a sua filha com quem está de relações cortadas, tendo mantido a sua qualidade de gerente.

Posteriormente, o seu filho, requerido neste procedimento e sócio gerente das sociedades que detêm a totalidade do capital social da requerida, sem para tal estar mandatado e sem convocar qualquer assembleia geral, procedeu em 25 de fevereiro de 2022, à deliberação cuja suspensão requer, visando única e exclusivamente, favorecer-se contra os interesses da sociedade requerida.

As deliberações tomadas são nulas - artº 56º, nº 1, alíneas a) e b) do CSC - por não ter sido convocada judicialmente a assembleia geral da requerida, na ausência da marcação da assembleia geral da requerida pelo seu gerente; porque o requerente que também é sócio das sociedades L..., Lda e A..., Lda, sócias da requerida, não foi convocado nem estava presente para subscrever a deliberação e porque o sócio gerente das sociedades J...,Lda. e A..., Lda. não foi expressamente autorizado a votar em deliberações unânimes por escrito.

As deliberações são também anuláveis - artº 58º, nº1, al. b) do CSC - porque são apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, pois foi o voto de BB, na qualidade de sócio maioritário e de gerente das sócias L..., Lda. e A..., Lda que permitiu: a) a destituição do gerente AA; e, b) a designação de gerente de BB (ou seja, a pessoa que emitiu o voto em representação das sócias); As deliberações viciadas são só por si causadoras de prejuízo apreciável à sociedade, atenta a gestão de facto que o requerido, BB, vinha já executando, revelada no atraso no pagamento a fornecedores da sociedade na liquidação de faturas, falta de entrega de documentos à contabilidade e demais factualidade invocada.

* Por despacho de 26.04.2022 foi deferida a dispensa de contraditório prévio dos requeridos, ao abrigo do disposto no art.º 366.º do Código de Processo Civil.

Procedeu-se à realização da audiência final e, após, foi proferida sentença declarando a suspensão da execução da Deliberação Unânime por Escrito, tomada a 25 de Fevereiro de 2022, que sob o ponto 1 e 2 deliberou destituir do cargo de gerente o requerente, nela se autonomeando gerente o requerido, declarando-se suspensos todos os efeitos e todos os atos praticados em resultado daquelas deliberações.

* O requerido BB não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: I. O presente recurso de apelação é apresentado nos termos do disposto nos arts.372.º, n.º 1, al. a), 644.º, n.º 2, al. i), 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, do Código do Processo Civil.

  1. Em face do decretamento da providência de suspensão de deliberação social, sem audição prévia dos requeridos, o aqui recorrente opta por recorrer para instância superior de tal decisão, pois, embora discorde de parte considerável (e dos factos mais torpes) da factualidade julgada indiciariamente provada, entende que, mesmo com base nesta factualidade, a decisão recorrida nunca podia ter sido tomada nos termos em que foi.

    Nulidade da sentença por oposição entre a fundamentação e a decisão de matéria de facto III. A descrição dos depoimentos, julgado credíveis pelo tribunal, das testemunhas CC, DD e EE é contraditória com os factos julgados indiciariamente provados n.ºs 12.º, 14.º e 15.º, porquanto aquelas testemunhas afirmaram que sempre trataram das suas relações perante a sociedade requerida com o requerente, que era o seu gerente; ao passo que os referidos factos julgados indiciariamente provados indicam que o requerente não geria de facto a sociedade e que era o requerido quem contactava com terceiros, nomeadamente fornecedores.

    Caducidade IV. O presente procedimento cautelar teve início mais de 10 dias após a data da deliberação posta em causa, excedendo, por isso, o prazo de caducidade previsto no art. 380.º, n.º 1, do CPC; concretamente, tal prazo terminava em 07.03.2022, mas a petição inicial foi apresentada em 19.04.2022.

  2. A sentença recorrida não contém qualquer referência a esta relevantíssima questão (atenta a natureza urgente deste tipo de processos), mas não se deixa de esclarecer que não é aplicável a possibilidade de contagem do prazo apenas a partir da data do conhecimento da deliberação, pelas seguintes razões: VI. Conforme facto julgado indiciariamente provado n.º 52.º e doc. 10 da petição inicial, o requerido, na qualidade de representante legal de uma das sócias da sociedade requerida, já havia solicitado ao requerente a convocação de uma assembleia geral para deliberar sobre os mesmos assuntos que estão aqui em causa, mas foi o próprio requerente que desconsiderou tal pedido, tratando-o como uma provocação (cfr. confissão em 60.º da petição inicial); assim, constitui abuso do direito alegar agora que nunca foi regularmente convocado para deliberar sobre os mesmos assuntos.

  3. O requerente não foi convocado para assembleia geral, porque a deliberação não foi tomada em assembleia geral e o requerente não é sócio da sociedade requerida, razão pela qual nada de irregular existe na sua não convocação.

    A deliberação em causa já havia sido executada e, portanto, era insuscetível de suspensão VIII. Só podem ser suspensas as deliberações não executadas, mas as deliberações em causa nos presentes autos já estavam totalmente executadas à data do início do processo, considerando que, conforme se deduz do alegado pelo próprio requerente em 61.º, 130.º, 131.º e 132.º da petição inicial, o requerido passou a desempenhar em pleno as funções de gerente no estabelecimento da sociedade comercial; passou também a ser a única pessoa com poderes para movimentação da conta bancária; e, obviamente, os atos jurídicos de destituição e designação de gerente já se encontravam definitivamente registados.

  4. O efeito prático da providência decretada não foi o de uma mera suspensão (paralisação), mas de uma verdadeira reversão de um facto consumado, efeito que o Direito pretende evitar, dada a potencialidade de causar enormes prejuízos à sociedade comercial.

    Ilegitimidade ativa do Requerente X. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, do CPC, só os sócios podem requerer a suspensão de deliberação social, e o requerente não é sócio da sociedade requerida, pois não é titular de qualquer quota representativa do capital social da mesma.

  5. O capital social da sociedade requerida encontra-se dividido em duas quotas: sendo uma quota, com o valor nominal de € 34.915,85, titulada pela sociedade L..., Lda.

    (vd. “Insc.6 AP. ...09” na certidão permanente junta sob doc.2 da petição inicial); e a outra quota, com o valor nominal de € 14.963,94, titulada pela sociedade A..., Lda.

    (vd. “Menção Dep. ...” na referida certidão permanente).

  6. O requerente é apenas titular de quotas minoritárias (em 1% e 2,5%) representativas do capital das sociedades L..., Lda.

    e A..., Lda.

    , não tendo qualquer expectativa legítima e razoável de determinar a vontade destas sociedades, nem se confundindo a sua personalidade jurídica com as destas sociedades.

    Inexistência de qualquer nulidade da deliberação em causa XIII. A sentença recorrida considera preenchido o pressuposto de ilegalidade da deliberação social, porque a considerar “nula porquanto padece ainda que indiciariamente de um vício de procedimento que se integra na previsão da alínea b) do n.º 1 do art.º 56.º do CSC”, mas esta norma é aplicável apenas à deliberações tomadas sob a forma de deliberação por voto escrito, enquanto a deliberação em causa nos presentes autos foi tomada sob a forma de deliberação unânime por escrito.

  7. A deliberação unânime por escrito é uma modalidade que se encontra prevista na primeira parte do art. 54.º, n.º 1, do CSC (aplicando-se a todos os tipos societários), ao passo que a deliberação por voto escrito é uma modalidade prevista no art. 247.º do CSC (sendo admissível apenas em sociedades por quotas), estando estas formas de deliberação sujeitas a procedimentos diferentes.

  8. Para tomada de deliberação unânime por escrito, não é necessário convidar os sócios a votar por escrito, porque, na própria deliberação (vertida num documento assinado por todos), todos os sócios expressam a sua adesão à deliberação – se nela não participarem todos os sócios, não é uma deliberação unânime por escrito – e o requerente não tinha de participar em tal deliberação, porque, como já se expôs, não é sócio da sociedade requerida.

  9. A deliberação unânime por escrito em causa nos presentes autos cumpriu todos os formalismos que lhe podem ser exigidos – vd. PAULO OVALO CUNHA, Direito das Sociedades Comerciais, 7.ª ed. 2019, pp. 630 e ss.

  10. Foi cumprido o disposto no art. 246.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a), do CSC, porque a deliberação foi tomada pelas sócias da sociedade comercial cujo gerente foi destituído e designado, sendo que o requerente não é sócio da sociedade requerida.

  11. Não foi observado o disposto no art. 247.º, n.ºs 4, 5, 6, 7 e 8, porque tais normas são aplicáveis apenas às deliberações por voto escrito, não tendo sido essa a forma de deliberação adotada.

  12. O requerido participou na deliberação “intitulando-se” representante das sociedades sócias da requerida, porque é o único gerente das mesmas (vd. docs. da petição inicial n.ºs 5 e 7) e, como tal, o seu...

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