Acórdão nº 3372/18.7T8PBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução28 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. AA e mulher BB intentaram a presente ação declarativa comum contra CC (1º Réu), DD (2ª Ré) e EE e mulher FF (3ºs Réus), pedindo, nomeadamente[1]: o reconhecimento do direito de propriedade dos AA. sobre o prédio rústico identificado no art.º 1º da petição inicial (p. i.); a condenação dos Réus a reconhecer que a decisão judicial do processo n.º 181/12.... constitui caso julgado em relação aos AA.; que seja declarada nula e de nenhum efeito a partilha efetuada de tal imóvel, no âmbito da escritura outorgada no Cartório Notarial ... em 16.8.1997, bem como todas as partilhas subsequentes; o cancelamento das inscrições registrais constantes da descrição n.º ...08 da Conservatória do Registo Predial (CRP) de ... e respetivamente as resultantes das apresentações n.º ... de 1997/9/18 e as duas apresentações n.º ...38 de 2012/7/12 , a primeira referente à nua propriedade do 1º Réu e a segunda relativa ao usufruto da 2ª Ré; a condenação do 1º Réu e da 2ª Ré no pagamento de uma indemnização aos AA. de € 1 050 referente aos danos materiais sofridos com a perda do valor das árvores retiradas do imóvel, acrescida de juros legais a partir da citação.

Alegaram, em síntese: são proprietários do bem imóvel identificado no art.º 1º da p. i., o qual entrou na sua posse após o óbito de GG, falecida em .../.../2011, que, por sua vez, o havia adquirido por sucessão mortis causa do seu marido HH; o referido imóvel pertenceu a um prédio cuja propriedade total pertencia ao pai de HH, o qual, após o seu falecimento e subsequente partilha, foi adjudicado na proporção de 6/14 ao próprio HH e 8/14 à sua irmã II; após a referida partilha, HH e II, em 03.01.1979, acabaram por vender parte do terreno ao 3º Réu, no total de 8/14 do mesmo; em 16.8.1984, II vendeu os restantes 4/14 que lhe restavam do aludido prédio; a partir dessa data HH e esposa GG e o 3º Réu passaram a possuir autonomamente as parcelas supramencionadas e com as delimitações e características indicadas nos art.ºs 11º, 12º e 14º da p. i., tendo exercido vários atos de posse correspondentes ao exercício do direito de propriedade sobre tais parcelas; após o óbito de GG, o A. passou a exercer a título próprio os direito sobre a aludida parcela de 2/14 (identificada no art.º 1º da p. i.); a descrita atuação ocorreu de forma pública, pacífica e sem oposição de terceiros, há mais de 30 anos; a referida parcela de 2/14 de terreno foi relacionada como fazendo parte integrante da herança aberta por óbito de JJ (avó do 1º Réu e sogra da 2ª Ré), tendo a mesma sido partilhada em sede de processo de inventário no ano de 1997 e adjudicada ao pai do 1º Réu e marido da 2ª Ré, KK; após o óbito deste, ocorrido em 2005, a referida parcela voltou a ser partilhada, tendo sido adjudicada a sua nua propriedade ao 1º Réu, ficando a 2ª Ré com o direito de usufruto; os Réus fundamentaram todos aqueles atos na circunstância de lhes ter sido tolerado nos anos 80 a utilização daquele espaço para corte e colocação de lenha, difundindo a ideia a partir do ano de 1997 que o terreno lhes havia sido vendido em 1977 pelo anterior proprietário, o que não corresponde à verdade; o 1º Réu e a 2ª Ré têm vindo a praticar vários atos que atentam contra o seu direito de propriedade sobre a aludida parcela de terreno (2/14 do prédio mãe), invadindo-o e ocupando-o ilicitamente, apesar de notificados para cessarem tais atos, entre os quais se encontram, além do mais, o corte e apropriação de pinheiros no valor de € 1 050.

Citados os Réus, o 1º Réu contestou invocando a excepção de incompetência absoluta do tribunal (para conhecer dos primeiros pedidos) e impugnando a generalidade da matéria de facto alegada pelos AA., inclusive, aquela que contende com o invocado direito de propriedade dos mesmos sobre a parcela descrita no art.º 1º da p. i., afirmando que lhe pertence e que os AA. declararam o prédio em causa como omisso na matriz no ano de 2016 e, em 24.3.2017, inscreveram o mesmo junto da CRP .... Concluiu pela improcedência da ação.

Por despacho de 23.10.2019 foi admitida a intervenção principal provocada, como associados dos Réus e quanto ao pedido formulado na petição inicial sob o “n.º 8” (fls. 21), de LL, JJ, MM, NN, CC e OO.

[2] Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta, e, ainda, procedentes as exceções dilatórias de ilegitimidade quanto ao pedido deduzido pelos AA. sob o “n.º 3” na sua p. i. (fls. 20) e de falta de interesse em agir dos AA. quanto ao pedido deduzido sob o “n.º 7” na p. i., absolvendo-se os Réus da instância quanto a estes pedidos; o mesmo despacho identificou o objeto do litígio[3] e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, por sentença de 04.01.2022, julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência decidiu:

  1. Declarar o A. proprietário do prédio rústico descrito na CRP ..., sob o n.º ...84, situado em PP, com a área total de 2 460 m2, inscrito na matriz rústica da Freguesia ... sob o art.º ...75, designado por mata de quercíneas com oliveiras, pinheiros dispersos, confrontando a norte com estrada; sul e poente com QQ; e a nascente com caminho, tendo este direito sido constituído por usucapião; b) Declarar que o prédio identificado em a) corresponde à parcela de 2/14, registada na sua nua propriedade a favor do Réu CC e o direito de usufruto a DD, e melhor identificado nos pontos 2 e 3 da matéria de facto provada (cuja autonomização se declarou); c) Absolver os Réus do demais peticionado.

    Inconformado, o 1º Réu apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - Porque a sentença recorrida não exarou a motivação que levou a nomenclar a factualidade considerada provada e atinente ao ponto 18 da mesma e ainda porque o item 3 se encontra com texto truncado e ininteligível, encontra-se inquinada de nulidades insanáveis e irreparáveis que aqui expressamente se invocam nos termos do art.º 615º/1 als. b e c) do Código de Processo Civil (CPC), porquanto a norma do art.º 607º/4 do mesmo diploma impunha, ao Tribunal recorrido, a produção de uma decisão sem ambiguidade ou obscuridade, tonando-a inteligível.

    2ª - São matérias controvertidas e “vexata quaestio” a posse sobre determinado espaço (duplicado em artigos matriciais pelos AA.) e o lapso temporal dessa posse e eventual abandono.

    3ª - Tomando a sentença recorrida e o facto do Tribunal a quo ter dado comprovado que os alegados anteproprietários dos AA. passaram a limpar aquela parcela de terreno “roçando o mato, cortando árvores, e levando a lenha de oliveiras e pinheiros para seu consumo doméstico, apanhando anualmente a azeitona das oliveiras aí existentes” (cf. Item 7 dos FP) o que terá ocorrido após 03/01/1979 (itens 7 e 5 dos FP) até ao falecimento de HH (.../.../1984) e após o decesso deste pelo menos nos dois anos seguintes; certo é que: - GG e também os A. abandonaram o espaço físico em litígio em termos possessórios, de tal sorte que encontramos respaldo na sentença posta em crise (pág. 23/28, 2ª linha) a qual refere “após um interregno”; - Face à factualidade provada e considerando o ponto 19 FP, provado ficou que antecessores do reconvinte usaram e fruíram o espaço em apreço, tudo concatenando com o julgado como não provado sob c), ou seja, a colocação de lenha e todos da sua atividade sem qualquer pedido de autorização.

    - Temos assim verificado o abandono total do referido espaço físico por um lapso temporal de 21 para 22 anos por parte dos AA. e seus antepassados (itens 7, 11, 12 e 19 FP) e nunca uma posse durante “sensivelmente 33 anos” (sic pág. 23/28, 2º §).

    4ª - Ao invés, em função da matéria julgada como provada em 19 e ao supra dito e transcrito em 34 a 39, aqui dado por reproduzido, temos acervo factual / probatório suficiente para julgar como provada a posse (com depósito de lenhas, desflorestamento) do recorrente e seus antepassados, naquele local, desde a “década 80/inícios da década de 90” até à atualidade, de forma contínua e pública tudo o que foi acompanhado de registo na CRP ... e da respetiva presunção (art.º 7º do Código de Registo Predial), desde 18/9/1977, atualizado em 12/7/2012.

    5ª - Não surpreendemos que os recorridos tenham intentado qualquer ação de prevenção com vista a afastar agravo e concretizar abstenção por parte do recorrente, nos termos do art.º 1276º do Código Civil (CC).

    6ª - A propósito do ponto 23 FP salienta-se que face à prova em matéria possessória, o Réu CC não entrou naquele dia “ex novo” no prédio, mas entrou e saiu do mesmo, como em tanto outros dias, sempre que necessitou.

    7ª - Como se disse na fundamentação deste recurso em 26 a 33 aqui dado por reproduzido, e quanto ao “prédio” a que alude o ponto 1 dos FP, em 06/5/2016 os AA.: - Peticionaram a criação de um novo artigo matricial ao Serviço de Finanças, para a parcela “sub judice” circunscrevendo-o, confinando-o, descrevendo-o e denominando-o, como se de um prédio omisso à matriz se tratasse – o que efectivamente não era verdade desde 1972 (atual matriz vigorante no concelho ...) e na qual tem o art.º rústico ...76 da Freguesia ... - ponto 4 dos FP; - Ainda assim de “motu proprio” no mesmo Serviço de Finanças adicionou o novo artigo (em duplicação do acabado de mencionar) ao processo e imposto sucessório n.º ...65, como se tivesse ficado à morte de GG, ocorrida a 20/7/2011 (cerca de 5 anos antes); - Este expediente, em conjunto, levou ao registo de um imóvel originado da forma acabada de referir, em contravenção, ao princípio latino “nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet”.

    8ª - Tal registo, se teve o propósito de ilidir a presunção a favor do recorrente e seus antepossuidores, desde 1997, atualizado a 2012 (item 12 supra e 14 FP), esse resultado jamais poderia ser conseguido, mas certo é que a sentença recorrida declarou a duplicidade registral e matricial e a autonomização do espaço, sem ordenar o cancelamento das inscrições a...

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