Acórdão nº 4097/15.0T9CBR-E.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução14 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Nos autos que originaram o presente recurso com subida em separado o arguido AA requereu à Mmª Juiz que iria presidir ao julgamento que se declarasse impedida para nele intervir com fundamento na circunstância de ter participado em julgamento anterior no mesmo processo, nos termos previstos no art. 40º, nº 1, al. c), do CPP.

Na sequência desse requerimento, a Mma. Juiz proferiu despacho com o seguinte teor: Ref. ...35: Nos termos do artigo 40º do Código de Processo Penal, “nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver: c) participado em julgamento anterior”.

Com interesse nesta questão pode ler-se JORGE DE FIGUEIREDO DIAS e NUNO BRANDÃO, in “Sujeitos Processuais Penais: O Tribunal” (disponível em https://apps.uc.pt/mypage/files/nbrandao/1083, pág. 22-23): “A reedição de um julgamento pode ser fruto de um sem número de vicissitudes. Casos haverá em que a intervenção anterior do juiz não é sequer idónea a suscitar dúvidas sobre a sua capacidade para decidir de forma isenta no novo julgamento (v. g., na pendência de uma audiência de julgamento, o juiz declara prescrito o procedimento criminal, vindo essa sua decisão a ser posteriormente revogada pela Relação, que impõe um conhecimento do mérito da causa). Como também será de admitir que um juiz possa ser confrontado com a contingência de voltar a intervir no julgamento de uma causa em que inclusivamente já tomou posição expressa sobre o objeto do processo. Será assim sempre que, em recurso, um tribunal superior determine o reenvio do processo à 1.ª instância, com fundamento em vício processual relativo à audiência ou à sentença. E todavia, em algumas dessas situações parece-nos impensável, porque materialmente injustificado e incompatível com a lógica da sanação dos vícios processuais, considerar impedido(s) o(s) juiz(es) que integrou(aram) o tribunal recorrido (v. g., em caso de anulação da sentença por vício de fundamentação, por omissão de pronúncia, para que seja dado cumprimento ao previsto no art. 358.º-1, etc.; ou de nulidade do julgamento em virtude de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou de omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, que impliquem uma específica produção de prova em 1.ª instância, com subsequente elaboração de nova sentença).

Deste modo, numa compreensão teleológica da norma que atenda à ratio de salvaguarda da imparcialidade que lhe deve estar subjacente e a compatibilize com a necessidade de garantir a harmonia dos atos do processo entre si correlacionados, parece-nos que deve ela ser interpretada restritivamente no sentido de apenas levar ao impedimento do juiz de 1.ª instância que depois de, em sentença, ter conhecido do mérito da causa seja confrontado com um cenário de repetição integral da audiência de discussão e julgamento. Nada que, em todo o caso, deixe desprotegida a garantia de imparcialidade, que sempre contará com a tutela oferecida pelo regime das suspeições (art. 43.º), aliás, muito mais adequado à abordagem casuística que este específico domínio aconselha.” Ora, neste processo não se finalizou a audiência de julgamento, e como tal nem sequer foi proferida sentença. Por outro lado, os sucessivos incidentes processuais provocados pelo arguido levaram a que o processo estivesse suspenso cerca de um ano, sendo que os mesmos não tiveram procedência nas decisões dos Tribunais Superiores.

Acresce que apenas se repetem todos os actos processuais atento o disposto no artigo 328º do CPP.

Pelo exposto, nada há a declarar, como pretendido pelo arguido.

Notifique.

Inconformado com o decidido recorre o arguido, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: A. A Senhora Juíza Doutora Paula Moura Leitão encontra-se impedida de intervir no julgamento deste processo por força do disposto na alínea c) do artigo 40.º do CPP, porque participou em Julgamento anterior deste processo, ao qual presidiu, encontrando-se, por isso, na situação prevista na citada disposição legal.

  1. A Senhora Juíza Doutora Paula Moura Leitão participou e presidiu as sessões da Audiência de Julgamento de 21 e de 28 de setembro de 2020, relativamente às quais se releva o seguinte: a. Na sessão da Audiência de Julgamento de 21 de setembro de 2020, foram realizadas as seguintes diligências de produção de prova presididas pela Senhora Juíza Doutora Paula Moura Leitão: i. Interrogatório do Arguido Recorrente; ii. Inquirição da testemunha da acusação BB, Técnico superior de gestão de contribuições da Segurança Social; e iii. Inquirição da testemunha da acusação CC, Inspectora da Segurança Social.

    1. E foram proferidas pela Senhora Juíza Doutora Paula Moura Leitão, na dita sessão da Audiência de Julgamento de 21 de setembro de 2020, as seguintes decisões, a segunda das quais diretamente relacionada com a produção de prova: i. Decisão de separação de processos relativamente à sociedade arguida T..., Lda, muito apesar de os autos já se encontrarem na fase de julgamento, contrariando a posição dominante da jurisprudência a respeito da legalidade de uma tal decisão, depois de iniciado o julgamento e muito apesar de saber, ou ter essa obrigação, que só o julgamento conjunto satisfaria o interesse do Estado ou da ordem jurídica e também o interesse ponderoso e atendível dos arguidos; e ii. Decisão de indeferimento da arguição de diversas nulidades / invalidades deduzidas pelo Arguido relacionadas com a inquirição da testemunha da acusação CC.

    2. Na sessão da Audiência de Julgamento de 28 de setembro de 2020, a Senhora Juíza Doutora Paula Moura Leitão tomou as seguintes decisões direta ou indiretamente relacionadas com a produção de prova e a sua documentação: i. Decisão de indeferimento da arguição de diversas nulidades / invalidades deduzidas pelo Arguido, mormente, as concernentes: a) à nulidade da sessão da Audiência de Julgamento de 21 de setembro de 2020, por falta de documentação, decorrente da deficiência do respetivo registo áudio em partes importantes da Audiência e da inexistência de qualquer outra documentação da dita sessão; b) à invalidade da Audiência por não ter sido declarada aberta pela Senhora Juíza, em violação do disposto no artigo 329.º do CPP, ao contrário do que consta na ata, e com as implicações que essa omissão teve para a realização do começo do julgamento; c) à falsidade da ata, pelas razões indicadas nas alíneas precedentes e também porque, diferentemente do que nela consta, a nomeação da advogada defensora à sociedade arguida T..., Lda não se processou conforme se refere na dita ata; d) à nulidade / invalidade decorrente da violação, pela decisão da Senhora Juíza de separação dos processos, das decisões anteriormente tomadas, também pela Senhora Juíza, de nomeação de defensora oficiosa à sociedade arguida T..., Lda e de ordem de notificação da dita sociedade nos termos e para os efeitos do artigo 47.º do Código de Processo Civil; e ii. Decisão de indeferimento do pedido do Arguido de apreciação e decisão, antes do início da produção de prova, do requerimento pelo mesmo enviado aos autos, pelas 09h28 desse dia e entregue em papel no início dessa sessão da Audiência, o que se justificou se afigurava absolutamente essencial para a continuação do julgamento, mormente, porque junto com o referido requerimento tinham sido apresentados diversos documentos essenciais à defesa do Arguido e com os quais o seu defensor pretendia confrontar as testemunhas...

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