Acórdão nº 177/18.9T8VLF-A. C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução30 de Abril de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. No Tribunal Judicial da Comarca da Guarda (Juízo de competência genérica de Vila Nova de Foz Côa), I (…) , solteira, maior, de nacionalidade romena, residente na Rua (…) (...) , intentou a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor E (…) , nascida a 13.3.2008[1], contra U (…) , casado, de nacionalidade turca, residente em (…)/Istanbul, alegando, nomeadamente, que a menor é filha da requerente e do requerido, encontrando-se a filiação estabelecida apenas relativamente à progenitora pelas razões melhor indicadas na petição inicial (p. i.); estes viveram em união de facto entre 2006 e 2011, na Turquia; o nascimento da menor não foi registado no período de um ano após a sua ocorrência, tal como impõe a Lei Turca, porquanto, o Requerido não quis reconhecer a menor como sua filha, uma vez que era casado e tinha outros filhos desse casamento; a 06.10.2011, e depois de a Recorrente ter já regressado à Roménia, o Tribunal Panciu, Distrito de Vrancea, Roménia, admitiu o pedido de registo tardio de nascimento de E (…), apresentado pela Recorrente, que só nesta altura o fez, por questões que se prendem apenas e só com a sua vida pessoal, sendo portanto, tal registo, omisso quanto à paternidade; no período compreendido entre 2013 e 17.5.2017 a menor residiu sempre com a requerente, em Portugal, à guarda de quem se encontrava, em (...) , quando, em 17.5.2017[2] o requerido se deslocou a Portugal e raptou a menor à saída da Escola (…) (...) , tendo viajado com a filha indicando um nome falso no aeroporto; diligenciou junto da Autoridade Central para conseguir concretizar o regresso da filha a Portugal, nos termos da Convenção de Haia de 1980, de 25.10, relativa aos aspectos civis do rapto internacional de crianças, dando origem ao processo n.º (…); os procedimentos legais entre as respectivas autoridades centrais - portuguesa e turca - estão em curso e a menor já foi localizada e ouvida[3]; tomou conhecimento do paradeiro da criança no dia 09.8.2018; o exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor nunca foi regulado, pelo que se impõe fixar judicialmente os termos em que serão exercidas, determinando-se com qual dos progenitores ficará a residir, fixando-se o regime de visitas do outro e o seu contributo a título de pensão de alimentos à menor.

A Mm.ª Juíza a quo, por despacho de 24.01.2019, decidiu: «Compulsados os autos, constata-se que apenas a maternidade da criança se encontra estabelecida (cf. certidão de nascimento).

Pelo exposto, declaro suspensa a presente instância até verificação da condição de estabelecimento da paternidade.

No mais, como se promove.»[4] Inconformada, a requerente apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - O despacho recorrido apresenta como fundamento para a suspensão da instância, o não estabelecimento da filiação relativamente à paternidade e determina o art.º 269º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil (CPC) que “A instância suspende-se nos casos seguintes: quando o tribunal ordenar a suspensão ou houver acordo das partes.” 2ª - De acordo com o disposto no art.º 1796º, nº 2 do Código Civil (CC), “A paternidade presume-se em relação ao marido da mãe e, nos casos de filiação fora do casamento, estabelece-se pelo reconhecimento”.

  1. - A Recorrente e o Requerido nunca foram casados entre si e o mesmo nunca reconheceu legalmente a paternidade da menor.

  2. - Contudo, não estaria em causa um “simples reconhecimento” de paternidade, nem tal questão pode ser analisada de uma forma tão objectiva pois não é possível aferir, apenas porque na certidão de nascimento da menor, não consta o nome do Requerido como seu pai, que o mesmo não seja efectivamente o seu pai biológico.

  3. - A Recorrente viveu com o mesmo na Turquia, entre 2006 e 2011 e a menor E (...) nasceu a 13.3.2008.

  4. - Em 2011, a Recorrente regressou à Roménia, seu país de origem, uma vez que era vítima de maus tratos por parte do pai da menor, levando esta consigo.

  5. - O nascimento da menor não foi registado no período de um ano após a sua ocorrência, tal como impõe a Lei Turca, porquanto o Requerido não quis reconhecer a menor como sua filha, uma vez que era casado e tinha outros filhos desse casamento.

  6. - Estando em causa um cidadão de nacionalidade Turca, é conhecido do senso comum com tais cidadãos encaram e lidam com tais questões.

  7. - A 06.10.2011, e depois de a Recorrente ter já regressado à Roménia, o Tribunal Panciu, Distrito de Vrancea, Roménia, admitiu o pedido de registo tardio de nascimento de E (…), apresentado pela Recorrente, que só nesta altura o fez, por questões que se prendem apenas e só com a sua vida pessoal, sendo portanto, tal registo, omisso quanto à paternidade.

  8. - Em 2013, a Recorrente desloca-se para Portugal, novamente acompanhada pela sua filha menor.

  9. - Até 17.5.2017, a menor residiu sempre com a mãe/Recorrente, à guarda de quem se encontrava, frequentando a Escola (…) (...) e tendo o seu centro de vida em (...) .

  10. - A Recorrente não procedeu anteriormente à Regulação das Responsabilidades parentais da menor, uma vez que depois de abandonar a Turquia nunca mais teve contacto com o pai da menor.

  11. - Foi, portanto, com surpresa, já para não referir a angústia e sofrimento da mesma, que a Recorrente se deparou com a situação em análise, pois a 17.5.2018[5], o Requerido deslocou-se a Portugal, raptou a menor à saída da escola e viajou com a mesma para a Turquia, apresentando para tal documentação falsa no aeroporto.

  12. - Desde essa data até ao presente, a Recorrente não teve qualquer contacto com a menor, não sabe se a filha está bem, e quais as circunstâncias e condições em que vive com o pai na Turquia.

  13. - Considerando o local habitual de residência da menor e a competência da jurisdição portuguesa, emergem os presentes autos no desiderato de, juntamente com as diligências e procedimento da Autoridade Central Portuguesa e Autoridade Central Turca, se materialize o regresso da menor a Portugal.

  14. - Atendendo às circunstâncias concretas, será razoável suspender a instância e “exigir” a uma mãe que está há longos meses sem saber absolutamente nada da sua filha menor, que primeiramente se investigue e estabeleça a paternidade da mesma, para que depois se diligencie pelo regresso da mesma a Portugal? 17ª - Embora não conste na certidão de nascimento da menor o nome do pai, a Recorrente sabe que é este o pai biológico da menor, tal como o próprio também sabe e “admite” embora não tenha procedido ao reconhecimento da paternidade da menor, pelos motivos supra expostos, uma vez que admitiu quando prestou declarações perante as Autoridades Turcas, que a menor é sua filha biológica.

  15. - O Requerido, cidadão de nacionalidade Turca, que viveu com a Recorrente em união de facto entre 2006 e 2011, na Turquia, viria a Portugal raptar a menor, à porta da escola, com todos os riscos que tal rapto acarretou e teria a mesma consigo, a seu cargo, até ao presente, se não tivesse certeza de que a mesma é sua filha biológica? 19ª - A menor vivia com a mãe, o pai e o seu irmão mais novo em Portugal, estando perfeitamente integrada escolar e socialmente pelo que o vínculo afectivo com o pai biológico e com quem vive na Turquia há longos meses, não existia.

  16. - A mudança drástica que ocorreu na vida da menor provocou com toda a certeza grande instabilidade emocional na mesma, uma vez que se viu absolutamente privada da vida que tinha e das pessoas que faziam parte da mesma, nomeadamente, a aqui Recorrente.

  17. - Em tempos em que tanto se “apregoa” o Superior Interesse da Criança, pergunta a Recorrente se estará a acautelar-se a superior interesse da sua filha menor, com um despacho de suspensão da instância, no caso dos presentes autos.

  18. - Uma acção de averiguação e estabelecimento da paternidade, no caso dos autos, poria em causa o superior interesse da sua filha menor, sendo primordial proteger e promover os interesses da menor, com vista ao seu desenvolvimento integral e harmonioso.

  19. - Subjacente ao regime implementado na Convenção sobre Aspectos Civis do rapto Internacional de Crianças (Convenção de 1980) está o postulado de que...

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