Acórdão nº 3409/18.0T8LRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução30 de Abril de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 11.10.2018, J (…) intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, o presente procedimento cautelar de arrolamento contra A (…), pedindo que “seja decretado o arrolamento de todos os valores constantes no documento junto no artigo 155º (doc. 24) deste requerimento pertencentes à herança por morte de M (…)”, ou, “caso já não existam os aludidos valores/depósitos ou aplicações financeiras”, a notificação de “M (…) para que informe para que conta ou contas foram transferidos os valores em causa e proceda desde já ao seu arrolamento”.

Alegou, em síntese: é sobrinho da mencionada M (…) e pretende intentar acção de anulação do testamento que instituiu a requerida como sua herdeira, pelos fundamentos que melhor discriminou na petição inicial (p. i.); tais “valores” integram o património financeiro constituído por depósito e outros produtos de poupança e aplicações pertencentes à herança deixada por aquela M (…); em virtude da anterior actuação da requerida tem um justo receio de que esta, conhecendo a intenção do requerente ou de algum outro sobrinho da falecida intentar tal acção, dissipe os valores que integram a respectiva herança.

Pediu a dispensa de citação prévia da requerida, o que foi indeferido.

Entretanto, pediu a ampliação do arrolamento, para que se estenda ao prédio que é uma moradia unifamiliar inscrita na matriz predial urbana da freguesia de (...) , (…) e sita em (…), (...) , com fundamento no facto de ter tido conhecimento de que a requerente havia colocado esse imóvel, também integrante da herança, à venda em imobiliária.

A requerida deduziu oposição concluindo pela não verificação dos requisitos do arrolamento. Pediu a condenação do requerente como litigante de má fé.

Realizada a audiência final, o Tribunal a quo julgou o procedimento cautelar procedente, determinando: o imediato arrolamento de todos os valores/depósitos/produtos financeiros que constam do documento 24 junto com a p. i., bem como do imóvel sito (…), (...) , (...) , inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 9432º; caso já não existam os referidos valores/depósitos/produtos financeiros - a notificação de B (…) para informar para que conta ou contas foram transferidos e o arrolamento dessa(s) mesma(s) conta(s), desde que dela(s) seja titular ou co-titular a requerida. E julgou improcedente o incidente de litigância de má fé suscitado pela requerida.

Inconformada, a requerida apelou, terminando a alegação com as seguintes conclusões: (…) O requerente respondeu concluindo pela manutenção da sentença.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) modificação da decisão sobre a matéria de facto/erro na apreciação da prova, relevando, necessariamente, o eventual incumprimento dos respectivos ónus/art.º 640 do Código de Processo Civil (CPC); b) decisão de mérito, cuja modificação depende, sobretudo, da eventual alteração da decisão de facto.

*II. 1. A 1ª instância deu como indiciariamente provado: 1) M (…) faleceu, com 82 anos de idade, no dia 29.8.2018, no estado de viúva de A (…) 2) O autor é sobrinho da M (…), sendo filho de uma irmã desta, A (…) e O (…), já falecida.

3) No dia 25.10.2017, no Cartório Notarial de (...) a cargo do Dr. (…) a supra referida M (…) declarou perante o Sr. Notário que, não tendo descendentes nem ascendentes vivos, pelo testamento “institui herdeira da totalidade da sua herança A (…), divorciada, residente em (...) ”.

4) Foram testemunhas do aludido testamento A (…) (companheiro da requerida) e M (…) 5) A aludida M (…) faleceu sem descendentes e sem ascendentes vivos, sendo que os seus familiares mais directos são os sobrinhos, filhos dos seus falecidos irmãos: - M (…), filha de J (…); - J (…), M (…), J (…) e M (…), filhos de L (…) - J (…) (requerente).

6) Em 07.02.2016, M (…) foi internada de urgência no Hospital (...) , com síndrome Hiperglicémico, onde permaneceu 25 dias.

7) Quando lhe foi concedida alta hospitalar, M (…), devido ao seu frágil estado de saúde e aos cuidados de que necessitava, não regressou de imediato a casa, tendo sido internada, no dia 04.3.2016, na Unidade de proximidade local do Centro Hospitalar (...) , sito nas (...) , onde permaneceu durante cerca de 6 meses.

8) Aí recebeu os cuidados médicos de que necessitava, tendo sido tratada não só da diabetes, como das perturbações do foro neurológico de que sofria.

9) Foram-lhe realizados uma ressonância magnética, em 08.4.2016, e um eletroencefalograma, em 15.4.2016. Destes exames resultou que a falecida M (…) padecia, em 2016, de leucoencefalopatia vascular isquémica; apresentava lesões vasculares e lesão cortico-subscortical occipital direito, compatível com AVC isquémico, acentuada atrofia cerebral difusa, cortico–subcortical com correspondente dilatação do sistema ventricular supratentorial.

10) Nessa época, M (…) necessitava do apoio de terceiros para se vestir, alimentar e efectuar a higiene diária; estava mentalmente confusa com alterações e sinais de apatia e desorientação e, quando saiu dos cuidados continuados, não estava em condições de residir sozinha.

11) A sua casa situava-se na aldeia do (...) .

12) Dado o seu debilitado estado de saúde, M (…) e os seus sobrinhos entenderam que era mais seguro residir em (...) , onde facilmente teria acesso a cuidados médicos, pelo que estes optaram, com o acordo da tia, por arrendar um apartamento nesta cidade, para ela aí residir, cuja zona foi por ela escolhida, tendo em atenção a residência próxima de alguns amigos e ser aí que se localizavam alguns serviços (v. g.

, a sua cabeleireira).

13) Porque ela necessitava de apoio constante, foram contratados os serviços de uma empresa – B (…), S. A., - que lhe prestava apoio domiciliário 24 horas por dia.

14) As funcionárias da B (…) acompanhavam e tratavam da M (…) durante o dia e a noite, todos os dias da semana, 24 horas por dia, em sistema de rotatividade.

15) Estas cuidadoras confeccionavam as refeições, tratavam da casa e da sua pessoa, mediam o nível de açúcar no sangue e administravam a insulina em conformidade com os valores.

16) A sobrinha M (…) acompanhava a tia em tudo o que era necessário, dando instruções às cuidadoras sobre a dieta a que a M (…) estava sujeita e para controlarem os níveis de glicemia e deslocava-se, com regularidade, à casa onde ela residia, para se assegurar que tudo corria bem.

17) Era também ela quem efectuava os pagamentos uma vez que as funcionárias da B (…) estavam proibidas pela própria entidade patronal de “mexer” no dinheiro das pessoas que acompanhavam.

18) A requerida foi uma das funcionárias da B (…) que acompanhou a falecida M (…) o que sucedeu desde, sensivelmente, o mês de Novembro de 2016.

19) Em princípio, o acompanhamento era feito por três funcionárias que faziam turnos de 8 horas diárias.

20) Em Junho de 2017, M (…) fracturou uma perna, tendo sido internada no Hospital de (...) , onde permaneceu até 15.6.2017.

21) Durante o internamento, a requerida, bem como as outras funcionárias da B (…), faziam-lhe companhia no Hospital.

22) Quando esta regressou a casa, permaneceu acamada durante algum tempo, tendo depois recuperado e passado a movimentar-se, mas com limitações, carecendo da ajuda de terceiros.

23) A partir desta altura, a requerida aproveitando-se do estado de fragilidade de M (…), começou a insinuar-se junto dela, com intenção de se apropriar dos seus bens.

24) Alimentou-lhe a ideia de que seus sobrinhos não a apoiavam, queriam aproveitar-se dela e ficar com os seus bens.

25) Começou a tomar decisões à revelia da sobrinha M (…).

26) Convenceu M (…) a deixar o apartamento que arrendara na Av. Marques de Pombal, lugar que esta escolhera para viver.

27) Começou a movimentar as contas bancárias de M (…), tendo conhecimento dos códigos do multibanco, bem como das aludidas contas bancárias e dos seus valores, elementos esses a que teve acesso em virtude do estado debilitado em que aquela se encontrava.

28) As outras funcionárias da B (…) aperceberam-se das manobras da Anabela, tendo-as transmitido à entidade patronal; esta sociedade, quando teve conhecimento do que se passava, despediu a requerida, em Novembro de 2017.

29) Nesse mesmo dia, a requerida convenceu M (…) a ir para sua casa e a prescindir dos cuidados das restantes pessoas que a assistiam, havendo passado a assumir pessoal e integralmente o acompanhamento da tia do requerente, que passou assim a estar completamente nas suas mãos.

30) Nesse mesmo dia, levou-a de casa, sem nada dizer à família.

31) A partir de finais de Setembro de 2017, o dinheiro que a requerida tinha depositado em várias instituições bancárias começou a ser levantado.

32) Até essa data, M (…) tinha depositado nas suas contas cerca de € 430 000, sendo que grande parte desse dinheiro fora herdado por óbito de sua irmã, M (…) ocorrido em 22.02.2016.

33) Após o aludido óbito fez, com as ajudas dos sobrinhos, diversos depósitos e aplicações financeiras, sendo que as contas bancárias eram solidárias com a sobrinha M (…), sendo esta quem procedia aos levantamentos e pagamentos das despesas de sua tia.

34) A partir de finais de 2017, M (…) levantou todo o dinheiro que estava depositado numa conta de que era titular no A (…) (cerca de € 107 000) e, no período compreendido entre 20 de Setembro e 14.11.2017, foram levantados em caixas multibanco, diariamente...

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