Acórdão nº 100/19.3YRCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução26 de Novembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

C (…) demandou/reclamou no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Distrito de Coimbra contra E (…), SA.

Pediu que a reclamada o indemnizasse pela quantia de €6.877,65.

O Centro esclareceu o reclamante que a sua competência apenas abrangia o valor máximo de 5.000,00 euros, pelo que, ou reduzia o pedido para este valor, ou recorria aos Julgados de Paz.

O requerente reduziu o pedido para 5.000,00 euros.

Prosseguiram os autos os seus termos tendo, a final, na Reclamação n.º 1048/18, sido proferida sentença, em 01.03.2019, na qual a reclamada foi condenada no pedido.

2.

Inconformada intentou ela a presente ação de a anulação da sentença arbitral.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. O Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Distrito de Coimbra enquanto Tribunal Arbitral, é um órgão de soberania independente, com competência para administrar a justiça e nome do povo, estando apenas sujeito à lei (cf. art.os 202.º n.º 1, 203.º e 209.º n.º 2 da CRP).

2. Para além da Constituição da República Portuguesa, este Centro de Arbitragem, encontra-se sujeito às regras estabelecidas na lei n.º 144/2015, de 08 de setembro, que institui o enquadramento jurídico dos mecanismos de resolução extrajudicial de litígios (RAL), ao seu próprio Regulamento do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Distrito de Coimbra (RCACCDC) e ao Código de Processo Civil (CPC).

3. Nestes termos, o centro de arbitragem aceitou uma reclamação de consumo que segundo as suas próprias regras processuais (art.º 6.º do RCACCDC) excedia a sua competência em razão do valor (€6.877,65), não se limitando apenas a recusar a apreciação do litigio, conforme alude art.º 11.º n.º 2 do RAL, mas antes convidando o Reclamante a reduzir o seu pedido (€5.000,00).

4. Este convite, em detrimento daquela simples recusa, traduziu-se numa restrição do direito fundamental de acesso ao direito na perspetiva de que “a todos os cidadãos é garantido o direito de utilizar o meio processual adequado à resolução dos conflitos de interesses que lhes digam respeito e que, para tanto, lhes seja disponibilizado pelo sistema de administração da Justiça.” 5. Da mesma forma, traduziu-se num afastamento grosseiro do principio do dispositivo (art.º 3.º n.º 1 do CPC) e dos seus corolários.

6. O afastamento destes preceitos, levou o tribunal arbitral a resolver parcialmente da questão submetida à sua apreciação, violando assim o artigo 608.º n.º 2 do CPC, o que fundamenta a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º n.º 1 al. d) do CPC.

7. Assim sendo, o processo de arbitragem parte desde logo de uma nulidade processual perante a qual o tribunal não se pronunciou e ocultou em sede de sentença arbitral.

Por outro lado, 8. Em conformidade com o artigo 205.º da CRP as suas decisões dos tribunais arbitrais “são fundamentadas na forma prevista na lei.” 9. No seguimento deste preceito constitucional, o n.º 1 e 3 do artigo 42.º da LAV, refere que a sentença, para além de ser reduzida a escrito e assinada pelo árbitro deve ser devidamente fundamentada.

10. Fundamentação essa, que de acordo com a jurisprudência dominante, não necessita de ser tão rigorosa como a de uma sentença judicial.

11. Mas também, não poderá consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, cf. art.º 154.º do Código de Processo Civil.

12. Confrontando estes normativos, com o positivado no artigo 39.º da Lei de Arbitragem Voluntária e no artigo 14.º do Regulamento do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Distrito de Coimbra, os Árbitros decidem segundo o direito constituído, quando as partes não acordem que o litigio seja decidido segundo a equidade.

13. No seguimento do que se vem a alegar, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 09.01.2018, relativamente ao processo 191/17.1YRCBR, a decisão arbitral tem de enunciar “…, de forma perfeitamente inteligível e apreensível pelos respetivos destinatários, os fundamentos factuais e normativos da decisão, tornando percetível o iter lógico jurídico seguido na resolução do litígio.” 14. A fundamentação da sentença arbitral que ora se impugna, quer ao nível factual, quer ao nível normativo, não permite às partes interessadas entender o percurso lógico realizado entre o litígio submetido a apreciação do tribunal arbitral e a decisão proferida no passado dia 7 de março de 2019.

15. O Ilustre Juíz-Árbitro na sua sentença arbitral, desconsiderou por completo toda a prova documental e testemunhal produzida pela Autora e que atestaram sem qualquer tipo de contestação da parte contrária, a realização de ações de manutenção preventiva e sistemática de forma anual, onde não foi detetada qualquer anomalia na referida rede ou posto de transformação.

16. Desconsiderou todos factos notórios e públicos que demonstram a excecionalidade das condições atmosféricas sentidas à data dos factos e que levaram às consequências desastrosas, ainda visíveis no distrito de Coimbra.

17. Permite-se por isso à Autora, notar que o tribunal arbitral, sobrepôs-se à prova produzida pelas partes, à lei, à doutrina e à jurisprudência dominante, para culminar numa decisão, que não se coaduna com o direito constituído, nem com as suas próprias decisões.

18. Contra estes factos notórios e públicos e contra legem, o tribunal arbitral considerou que o motivo que desencadeou a rotura do condutor do neutro estaria na disponibilidade da Autora, sendo por isso, responsável pelos prejuízos que daí pudessem advir.

19. Da mesma forma, o tribunal arbitral não fundamentou, qual era a obrigação da Autora ou a sua legitimidade, de cortar ou mandar cortar um pinheiro que se encontrava localizado em propriedade privada e que se encontrava junto ao cabo torçada da rede de baixa tensão, quando é própria lei (art.º 49.º n.º 2 do DR. 90/84 de 26/12) que não impõem qualquer distância mínima ou máxima neste tipo de condutores isolados (torçada).

20. Relativamente aos prejuízos que supostamente aquela ocorrência poderá ter causado, o tribunal arbitral também não se pronuncia quanto à origem dos mesmos, limita-se apenas a afirmar que em consequência da rotura do neutro o reclamante teve prejuízos no montante de €5.000,00.

21. Novamente, contra normas imperativas (art.º 342.º e 563.º do CC), o tribunal arbitral não se pronuncia quanto à existência ou inexistência de prova relativamente aos prejuízos alegadamente causados ao reclamante, assim como, não se pronuncia relativamente ao nexo causal entre o evento que na sua douta decisão imputa à Autora e os prejuízos que o reclamante alega ter sofrido.

22. Perante esta decisão arbitral que ora se impugna, é impossível à Autora tendo em conta os fundamentos factuais e os escassos fundamentos normativos alegados, perceber o percurso realizado pelo tribunal arbitral para conseguir chegar a tal resolução do litigio, quer no que toca à imputação da responsabilidade à Autora e muito menos no que toca ao apuramento dos prejuízos enunciados pelo Reclamante, aqui Réu.

23. Nesta parte e contra aquilo que se encontrava estabelecido no artigo 154.º do CPC, limita-se única e exclusivamente a aderir aos fundamentos alegados no requerimento inicial.

24. Nem tão pouco, diligencia junto do reclamante para obter tais provas, remetendo-se única e exclusivamente para um valor alegado pelo Réu em sede de requerimento inicial e reduzido por falta de competência do centro de arbitragem para conhecer de tal pedido.

25. Venerandos Desembargadores, conclui-se assim, que a sentença arbitral se pronunciou sobre um litigio que não se encontrava abrangido pelas regras do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Distrito de Coimbra, devendo como tal ser anulada com o fundamento do artigo 46.º n.º 3 al. a) subal. iii) da Lei de Arbitragem Voluntária.

26. Esta sentença arbitral não respeita o principio constitucional de acesso ao Direito e consequentemente afasta principio do dispositivo positivado no processo civil, acabando por conhecer parcialmente...

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