Acórdão nº 2009/18.9T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução26 de Novembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. K (…), por si e em representação de seus filhos D (…) e V (…), residentes na X (...) , propuseram acção contra o Estado Português, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhes a quantia de 150.000 €, com juros legais desde a citação. Alegaram, em suma, que o seu domicílio foi objecto de uma busca ordenada no âmbito do Processo (…) – Inquérito da Comarca de Castelo Branco, Sertã – Inst. Local – Sec. Comp. Gen., que veio a ser arquivado, com arrombamento de porta, levada a cabo por dois polícias encapuzados, por suspeitas de existência ali de estupefacientes, tendo a sua filha e o seu filho V (…) sido algemados, apontada arma à autora, sofrido um hematoma, e obrigada a deslocar-se ao posto da GNR. A A. foi afectada no seu brio, honra e dignidade e considera a afronta perpetrada um acto de racismo, tendo ela e seus filhos ficado em tratamento médico-psicológico desde esse dia, e estes estiveram incapazes de ir à escola durante duas semanas, continuando os seus dois filhos mais pequenos a ser acompanhados no Hospital Pediátrico na Psiquiatria de Y (...) e ela e o filho mais velho acompanhados no Centro de Saúde da X (...) por uma psicóloga. Um dos inspectores que mexeu na carteira do filho V (…) dela retirou 20 €, tendo levado também uma garrafa de Coca-Cola fechada. Foi violada a privacidade da A. porque foi proporcionado a todos o seu número de telemóvel. Na escola muitos pais proibiram os seus filhos de brincarem com os da A. porque eram pessoas da droga. A diligência foi desumana, desacautelada e infundada sobre pessoas inocentes que deixou profundamente traumatizadas cinco pessoas para toda a vida. Sofreu em público vexames, desonra e vergonha. A diligência causou suspeitas dos vizinhos e conhecidos sobre a honra e a dignidade da A. A A. e seus filhos jamais recuperarão do trauma que lhe foi infligido desnecessariamente e persistem neles o desgosto, sofrem de insónia e sentem vergonha. A A. fez despesas em tratamentos médicos, perdeu tempo e fez deslocações aos centros médicos e hospitalares. Os danos não patrimoniais sofridos pela A. e seus filhos menores, com sequelas pós-traumáticas para toda a vida, devem ser indemnizados por quantia não inferior a 150.000 €. Foram violados os arts. 129º do C. Penal, 72º, nº 1, b), do CPP e outros do CC.

O Estado Português (representado pelo Ministério Público) contestou, tendo deduzido excepção da incompetência material do tribunal, por ser da competência administrativa, sendo que, por força do princípio da adesão, a competência sempre teria de ser do tribunal criminal. Acresce que a responsabilidade civil em causa, reportando-se a responsabilidade por actuação policial integra-se nas g) e h) do art. 4° do ETAF e, portanto, à jurisdição administrativa.

Os autores, responderam, defendendo a competência da jurisdição cível comum.

* No despacho saneador foi decidido julgar procedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal (por ser da competência do Tribunal Administrativo e Fiscal) e, consequentemente, absolvido o R. da instância.

* 2. Os AA recorreram, concluindo que: I - A ação baseia-se na violação dos direitos de personalidade, da honra e dignidade e em ofensas corporais e, também, no direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar II - Não compete ao Tribunal Administrativo julgar os casos atentatórios da integridade física e moral dos AA.

III - Não existe relação jurídico-administrativa entre os AA. e o Estado para que o caso possa ser integrado no âmbito do artº 1º do ETAF.

IV - O Estado, no seu cumprimento do dever de reprimir o crime, pode causar danos a pessoas, no que pode ocorrer o dolo eventual, como é o caso, mas isso não isenta de reparar os danos sofridos pelas vítimas inocentes que não deram causa à sua atuação, e tais danos, em que pode haver origem criminosa, só podem ser determinados pela jurisdição comum.

V – A apreciação da culpa, na forma de dolo eventual, quer a atividade do estado seja legal quer não, compete aos tribunais comuns.

VI – As normas do ETAF não contemplam este tipo de culpa e a sentença recorrida não subsume os factos em causa em nenhuma dessas normas.

VII - Os AA. não pretendem apenas que o Estado responda por ofensas praticadas por agentes policiais, querem que o Estado responda pela sua afronta à vida íntima das pessoas, agravada com ofensas ao bom nome, à imagem, à personalidade, à honra e à integridade física e moral e, assim, julgando-se o tribunal incompetente para julgar esta matéria violou os artigos 72º, nº 1, b) do C. P. Penal, 129º do C. Penal e 70º, nº 1, 483º, nº 1, 486º, nº 1, 496º, nº 1 e 562º a 564º, nº 1, e 566, nºs 1 e 2 do Código Civil e 64º, 576º, 578º e 278º, 1, a)...

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