Acórdão nº 1234/18.7T8CVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelEMÍDIO SANTOS
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra M (…) e marido F (…), residentes (…) (...) , requererem procedimento cautelar comum, com pedido de inversão do contencioso, contra: 1.

A (…), residente (…) ; 2.

F (…), residente (…); 3.

L (…) , residente (…); 4.

M (…), residente (…); 5.

M (…), residente (…); 6.

V (…), residente (…) 7.

R (…), residente (…, Pedindo:

  1. Se reconhecesse o direito de propriedade dos requerentes sobre metade do caminho identificado nos artigos 6.º e 7.º da petição inicial, com as características e dimensões aí elencadas; b) Caso assim não se entendesse, fosse reconhecido que o caminho identificado nos artigos 6.º e 7.º da petição inicial, com as características e dimensões aí elencadas, configurava uma servidão de passagem, a pé e de automóvel, constituída por destinação de pai de família e usucapião a favor do prédio descrito no artigo 1º da petição inicial; c) A condenação dos requeridos a absterem-se de, por qualquer modo, impedir o uso e acesso dos requerentes ao caminho identificado nos artigos 6.º e 7.º da petição inicial; d) Se ordenasse aos requeridos a retirada imediata do portão colocado no início do caminho identificado nos artigos 6.º e 7.º da petição inicial; e) A condenação dos requeridos, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento aos requerentes da quantia de 100€ por cada dia de atraso na retirada do portão colocado no início do caminho identificado nos artigos 6º e 7º da petição inicial; f) A dispensa de propositura da acção principal.

    Para o efeito alegaram, em resumo: 1. Que a requerente é comproprietária de um prédio urbano sito em (...) , (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) sob o nº 286 da freguesia de (...) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 787º da freguesia de (...) ; 2. Que o acesso a tal prédio a partir da Estrada Nacional 18 faz-se através de um caminho com 43,70 metros de comprimento e 2,80 metros de largura; 3. Que o referido caminho em causa pertence em compropriedade à requerente e a S (…); 4. Que ainda que não existisse título válido de propriedade sobre o caminho, sempre se encontrava constituída servidão de passagem por tal caminho, por usucapião, bem como por destinação de pai de família; 5. Que em Julho de 2018 os requeridos colocaram um portão no início do caminho junto à estrada Nacional 18, mantendo-o fechado à chave, impedindo, em consequência, os requerentes de passar em tal caminho, o que provoca prejuízos sérios aos requerentes e aos familiares.

    Os requeridos deduziram oposição. Alegaram em resumo que os requerentes não tinham legitimidade para a presente providência, desacompanhados da outra comproprietária, S (…); que faixa de terreno correspondente ao caminho pertence-lhes a eles, requeridos; que não está constituída sobre tal caminho qualquer servidão de passagem a favor do prédio dos requerentes e que estes e a outra comproprietária do prédio têm acesso a ele a partir da rua do R (...) .

    Mediante requerimento dos requerentes, S (…), comproprietária do prédio da requerente, interveio no processo como parte principal associada aos requerentes.

    O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente o procedimento, decidiu: 1. Condenar os requeridos a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça, por qualquer modo, o uso e o acesso dos requerentes e da chamada S (...) , a pé e de veículo automóvel, ao aludido caminho identificado em 8) e 10) dos factos provados, para acesso ao seu prédio identificado em 1) dos factos provados; 2. Condenar os requeridos a entregar aos requerentes e à chamada S (…), no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, uma chave do portão aludido em 21 dos factos provados, colocado no início do caminho junto à EN 18, de modo a permitir o acesso ao mesmo para acederam aos seus prédios a pé ou de veículo automóvel; 3. Condenar os requeridos, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento aos requerentes da quantia de cinquenta (€ 50.00), por cada dia de atraso na entrega da chave do portão colocado no inicio do caminho junto à EN 18; 4. Indeferir a parte restante do pedido; 5. Julgar improcedente a pretensão dos requerentes de inversão do contencioso e, consequentemente, não se dispensa os mesmos do ónus de propor a acção principal.

    * Os requeridos não se conformaram com a sentença e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo: 1. A alteração da decisão quanto aos factos provados sob os números 22, 23, 24 e 25; 2.

    Se desse como não preenchidos os requisitos do periculum in mora e da proporcionalidade da providência.

    Os requerentes responderam. Na resposta contestaram os argumentos de facto e de direito dos recorrentes, concluindo no sentido da improcedência do recurso.

    * Síntese das questões suscitadas pelo recurso: 1. Saber se o tribunal a quo errou no julgamento dos factos discriminados na sentença sob os números 22, 23, 24 e 25; 2. Saber se a sentença recorrida errou ao julgar verificado o periculum in mora e ao decidir que não se verificava qualquer desproporcionalidade entre o prejuízo decorrente do decretamento da providência e o dano que através dela se pretendia acautelar.

    * Considerando que a resolução das questões de facto tem precedência lógica sobre a resolução das questões de direito, começaremos o julgamento do recurso pelo conhecimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

    Está em causa a decisão de julgar provada a seguinte matéria: 1.

    Tanto a requerente como a chamada S (…), em face da colocação do portão aludido em 21, encontram-se impedidas de aceder ao seu prédio através de tal caminho, o que lhe causa prejuízos [n.º 22]; 2. Na casa dos requerentes encontra-se a residir, desde Novembro de 2017, a filha destes, C (…), juntamente com o seu agregado familiar, composto pelo marido e dois filhos menores, um de 2 anos e outro de 4 anos, constituindo a falta de acesso à sua habitação através do caminho em causa desde a colocação do aludido portão enorme transtorno, vendo-se impossibilitada de aceder de carro à habitação onde reside [23]; 3. Vendo-se obrigada a estacionar o seu veículo a cerca de 400 metros de casa e a deslocar-se a pé, com os dois menores, acedendo à casa onde reside através do portão que dá para a Rua do R (...) , sempre que entra ou sai de casa o que acontece no mínimo quatro vezes por dia aquando da ida para o infantário e regresso a casa e novamente ao final do dia, o que acarreta perigos e transtornos [24]; 4. Estando os Requerentes e seus familiares impedidos de acederam com veículos ao seu prédio e de o utilizarem e fruírem em condições de normalidade, estando ainda colocada seriamente em causa a sua segurança e integridade física tendo em conta o percurso que são obrigados agora a efectuar por forma a aceder à sua habitação, tendo de deixar as suas viaturas na via pública e a centenas de metros de casa.

    Sentido da impugnação e razões da impugnação Em relação ao ponto n.º 22, os recorrentes pedem se altere a decisão no sentido de se julgar provado apenas que tanto a requerente como a chamada S (…), em face da colocação do portão aludida em 21, encontram-se impedidas de aceder ao seu prédio através de tal caminho.

    Para o efeito alegam: 1. Que existe uma outra entrada para o prédio da Requerente mulher e da chamada S (…) sendo certo que essa entrada não dista centenas de metros do prédio, sendo na realidade “à porta do mesmo”, e que o único “senão" é que não é possível passar pelo portão com todo o tipo de veículos; 2. Que nem os requerentes, nem a chamada S (…) fazem uso do prédio, como aliás é assumido pelas mesmas no requerimento inicial, sendo certo que quem reside nesse prédio é a filha da requerente M (…) e o seu agregado familiar; 3. Que não foram invocados quaisquer prejuízos reais, não bastando dizer que se tem prejuízos para os ter, assim como não basta dizer que se tem uma dor de cabeça para se concluir pela existência de uma doença fatal.

    Apreciação do tribunal: Como se vê pela exposição acabada de efectuar, os recorrentes insurgem-se contra a decisão de julgar provado que o facto de a requerente e a chamada se encontrarem impedidas de aceder ao seu prédio através do caminho é causa de prejuízo para elas. Pedem, assim, que se elimine da decisão a expressão “o que lhe causa prejuízos”.

    Há razões para considerar não escrita tal segmento da decisão. Com efeito, a decisão de julgar provado que um facto causa ou causou prejuízos implica um juízo de natureza jurídica. É juízo de natureza jurídica porque é às normas ou princípios jurídicos e não aos meios de prova que cabe dizer, depois de interpretadas, se um determinado facto reveste a natureza de dano ou prejuízo. Assim, ao dizer que o facto de a requerentes e a outra comproprietária do prédio se encontrarem impedidas de aceder a ele lhes causa prejuízos, o julgador do facto está a tomar posição sobre uma questão de direito. E questão de direito com relevância no caso, pois um dos requisitos do deferimento da providência é, nos termos do n.º 1 do artigo 368.º do CPC, que se mostre suficientemente fundado o receio de lesão do direito.

    Apesar de o Código de Processo Civil em vigor...

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