Acórdão nº 303/18.8JALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelOLGA MAURÍCIO
Data da Resolução26 de Junho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO 1.

Acusado da prática de um crime de ofensa à integridade física, do art. 143º, nº 1, do Código Penal, A… requereu a realização de instrução, no termo da qual foi proferido despacho de não pronúncia.

  1. O Ministério Público recorreu, concluindo que: 1º - o despacho de não pronúncia, de 10-12-2018, não descreveu nem especificou os factos da acusação pública e do RAI que considerou suficientemente indiciados e não suficientemente indiciados; 2º - o despacho não respeitou os art. 205º, nº 1, da C.R.P. e 97º, nº, 1, al. b), e nº 5, 308º, nº 2 e 283º, do C.P.P., sendo nulo ou, pelo menos, irregular, nos termos dos art. 118º, 119º a contrario, 120º e 123º do C.P.P., tornando a decisão inválida, nos termos do art. 122º, nº 1, do C.P.P.; 3º - o vício dificultou o recurso, mas continuou a correr o prazo para recorrer; 4º - a acusação do arguido A… resultou da conjugação da prova testemunhal, pericial, documental e por reconstituição indicada na acusação, não tendo sido carreada nova prova na fase instrutória; 5º - o julgador deve decidir a favor do arguido se, face à prova, tiver dúvidas sobre qualquer facto, mas tal dúvida tem que ser irredutível, insanável, e perante a prova o tribunal a quo não podia ter ficado com quaisquer dúvidas que justificassem o recurso ao princípio in dúbio pro reo; 6º - as versões apresentadas pelos dois intervenientes, B… e A…, únicas “testemunhas” dos factos, foram credíveis e consistentes em si mesmas mas contraditórias entre si, mas as testemunhas … e …, familiares de A… disseram que o mesmo surgiu ferido e cheio de sangue, que posteriormente viram o B… zangado e a última testemunha viu B… com “sangue na testa a escorrer pela cara", facto corroborado por …, esposa de B…, que declarou que o marido "estava coberto de sangue, na cara e nas roupas" quando regressou a casa; 7º - dos elementos clínicos também resultou que B… apresentou lesões, que terão resultado de traumatismo de natureza contundente e que eram compatíveis com a informação prestada; 8º - A… declarou ter agredido o B… (empurrou-o, pressionou o pescoço daquele e desferiu uma cotovelada, atingindo-o no queixo), apesar de dizer que foi apenas para se defender B… alegou ter sido agredido por aquele; 9º - a versão de B… teve apoio nos elementos probatórios; 10º - há indícios suficientes da prática dos factos vertidos na acusação, pelo que deveria ter-se pronunciado o arguido A… pela prática de um crime de ofensas à integridade física; 11º - o despacho de não pronúncia violou o art. 205º, nº 1, da C.R.P. e os art. 97º, nº 1, al, b), e nº 5, 308º, nº 2 e 283º, do C.P.P., com as consequências legais enunciadas nos art. 118º, 119º, "a contrario", 120º ou, no mínimo, 123º, todos do C.P.P. e não apreciou correctamente a prova produzida, nem retirou as conclusões lógicas que a matéria dada como provada impunha, violando o art. 143º do Código Penal e nos art. 127º e 308º, nº 1, do C.P.P.

  2. Os arguidos responderam.

    B… pediu o provimento do recurso, por da análise da prova resultar que sofreu agressões por parte do arguido A….

    Alegou, ainda, que a decisão recorrida padecia de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão porque referiu que "ambas as versões são credíveis e revelam consistência, isto é, não têm contradições essenciais" e que "nenhuma razão existe para a prevalência de uma versão sobre a outra", e veio, a final, a dar prevalência à versão do arguido A….

    Mais disse que a decisão violou o art. 127º do C.P.P., porque descurou a prova indiciária existente, e que não estava fundamentada de forma coerente e suficiente.

    O arguido A… também respondeu, pedindo a improcedência do recurso.

    Alegou, além do mais, que a decisão descreveu os elementos probatórios relevantes que foram considerados e discorreu sobre os factos não indiciados, concluindo que os autos não indiciavam que se tivesse abeirado do arguido B… e tivesse desferido socos e cotoveladas. Concluiu que a decisão estava fundamentada nos termos em que a lei obriga.

    Relativamente à existência de indícios suficientes dos factos imputados na acusação, alegou que se tivesse apertado o pescoço do arguido B… com força teriam ficado hematomas, que os elementos médicos demonstram a existência de lesões por parte do arguido B…, feitas para se libertar deste, mas não demonstram a existência de crime.

    O sr. P.G.A. defendeu o provimento dos recursos.

    Quanto à nulidade da decisão instrutória, disse que esta era clara e prejudicava a apreciação da questão colocada no recurso do despacho de não pronúncia, referente à apreciação da existência de indícios do crime imputado ao arguido A….

    Quanto a recurso da decisão de não pronúncia por falta de indícios, defendeu que a prova existente aponta para a existência de tais indícios e que o arguido A… deve ser pronunciado, nos termos constantes da acusação.

    Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

    * 4.

    Dos autos resultam os seguintes elementos, relevantes à decisão: 1º - o Ministério Público acusou B… e A…, nos seguintes termos: «No dia 26 de Março de 2018, pelas 14 horas, o arguido B… deslocou-se, conduzindo a sua viatura automóvel, de marca "Renault", modelo …, com a matrícula … para os seus terrenos agrícolas situados em …, Leiria.

    Ao chegar a um entroncamento do caminho, o arguido B… deparou-se com o arguido A… que conduzia o seu tractor no sentido oposto ao seu.

    Nesse momento, o arguido A… imobilizou o tractor que conduzia, saiu do mesmo e dirigiu-se ao arguido B…, que imobilizara a viatura que conduzia (e estava sentado no interior da mesma) e desferiu na face e cabeça do mesmo vários socos com as mãos e cotoveladas com força.

    Nesse momento, o arguido B… também desferiu diversos socos na face do arguido A….

    De seguida, o arguido A… apertou com as duas mãos e com força o pescoço do arguido B…, o que fez com que este ficasse com falta de ar.

    Nesse momento, o arguido B… pegou num machado, com cerca de 50 cms de comprimento, que estava no chão da sua viatura automóvel no intervalo dos dois bancos e...

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